rr.sapo.ptOpinião de Henrique Raposo - 30 set. 10:49

​Bumba na Fofinha, obrigado pela tua barriga não quadriculada

​Bumba na Fofinha, obrigado pela tua barriga não quadriculada

Uma mulher que foi mãe há três meses quer ouvir “como estás?, precisas de falar?”, não quer de certeza ouvir o alegado elogio, “ai, meu deus, estás tão bem, tão magra, nem parece que foste mãe” – já repararam na crueldade desta frase que é dita e ouvida todos os dias?

Há dias, numa loja de roupa, voltei a presenciar uma cena demasiado triste e reveladora dos tempos. Levei as minhas filhas para o provador, tinham de experimentar calças e camisolas. O problema começa aqui: este é um momento demasiado tenso e ansioso mesmo para raparigas magras como as minhas. E, à medida que o corpo vai aumentando, a ansiedade vai crescendo. No provador ao lado, duas irmãs mais largas, digamos assim, estavam em pânico, diziam à mãe que nada servia, estavam à beira do choro apesar da roupa assentar bem. Não eram obesas, não eram uma questão médica, eram só mais largas, nada de mais. Eu saí dali porque já não aguentava mais a aflição das miúdas e da mãe, que, de lágrimas nos olhos, olhou para mim em súplica como que a dizer, Faço o quê? Na resposta, o meu olhar confessou, Não sei, não sei o que lhe dizer, não saberia o que fazer, espero não ter de passar por isso.

A tensão desta cena parecia algo saído da passerelle profissional e não de um provador de crianças. Há mesmo qualquer coisa de muito errado na forma como o próprio ar do tempo carrega de ansiedade as raparigas. Os pais estão desarmados: façam o que fizerem, digam o que disserem, estão sempre em minoria perante uma sociedade que pressiona a rapariga com apenas um modelo de corpo que está por todo o lado, nos anúncios de rua, nos anúncios da net, nas séries, no cinema, nas novelas, nas revistas, nas redes sociais. Aliás, devido às redes sociais, ser adolescente é hoje muito mais difícil do que era no passado, e isso nota-se sobretudo nas raparigas.

É por isso que só posso agradecer às estrelas femininas como Mariana Cabral, conhecida por Bumba na Fofinha, que têm a honestidade de aparecer em público (na revista "Women's Health") com o seu corpo real e não com a ficção cavada por horas de ginásio. Esta exposição de Mariana Cabral é especial, porque é feita enquanto mãe, enquanto mulher que ainda está no pós-parto. De resto, esta é outra das pressões adicionais que a sociedade – a começar nas outras mulheres – impõe às mulheres: têm de ser rápidas a sair do corpo que gerou uma vida, como se fosse possível. Não é. O corpo da mulher fica para sempre modificado. E a beleza do corpo vai mudando. Quando me dizem que um corpo de uma mulher madura e mãe não pode ser tão bonito como os corpos tonificados e com barrigas em quadrícula, eu respondo com Adília Lopes, “todos os corpos são bonitos, as modas é que são estúpidas”.

O efeito dessa pressão absurda sobre as mulheres é a cena do provador de roupa: meninas de dez anos ansiosas com o corpo como se fossem adultas e top models, como se o seu próprio ganha pão dependesse de um corpo dentro de medidas fechadas. Repito: são crianças. Portanto, enquanto pai de duas raparigas, só posso mesmo agradecer a esta contracorrente de algumas estrelas. É bom que as minhas filhas percebam que não é problema ter as sardas da Deslandes e a barriga flácida e fofa da Bumba na Fofinha, Mariana Cabral.

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