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Procurador desafia MP e PJ a investirem mais na perda de vantagens do crime

Procurador desafia MP e PJ a investirem mais na perda de vantagens do crime

O procurador-geral adjunto Euclides Dâmaso exortou, esta terça-feira, o Ministério Público a Polícia Judiciária empenharem-se mais na recuperação de bens e património resultantes das atividades criminosas, por considerar que os seus resultados, nessa luta, são muito insatisfatórios, apesar de disporem de instrumentos legais especificamente concebidos com esse fim há mais de uma década. A "cultura judiciária avessa a mudanças" é, segundo o magistrado jubilado, um dos obstáculos que podem explicar a inoperância.

"Os magistrados do Ministério Público têm que ser definitivamente mais ativos na execução das leis concernentes a esta matéria", defendeu Euclides Dâmaso, na alocução inicial que fez enquanto moderador de uma palestra da conferência sobre recuperação de ativos que o Instituto de Basileia sobre Governação promoveu, esta terça-feira e amanhã, na sede da Polícia Judiciária, em Lisboa.

Quanto à Polícia Judiciária, o antigo procurador-geral Distrital de Coimbra, que também foi diretor-adjunto daquele órgão de polícia criminal, defendeu que a mesma também "tem que contribuir para esse esforço, empenhando-se em dotar as secções do GRA [Gabinete de Recuperação de Ativos] espalhadas pelo território com efetivos vocacionados, dinâmicos, sabedores e adestrados".

"O GRA foi intencionalmente criado no seio da Polícia Judiciária justamente para conseguir ganhar esse perfil. A Direcção da Polícia Judiciária não pode olvidar esta realidade e tem, urgentemente, que tomar medidas adequadas à superação do atual estado de coisas, que aparenta ser muito insatisfatório", avaliou Euclides Dâmaso, antecipando-se a uma possível justificação da direção da PJ: "Se não tem meios reivindique-os, que a tutela não poderá deixar de ser sensível ao seu pedido".

Ainda relativamente ao Ministério Público, responsável pela direção dos processos-crime na fase de inquérito, Euclides Dâmaso apresentou uma solução para vencer a resistência dos magistrados à mudança. "O Conselho Superior do Ministério Público tem que deixar claro que a avaliação do seu desempenho estará dependente disso", defendeu o antigo vogal deste órgão, recordando que foi que "foi o que teve que se fazer, há uma década atrás, para romper a inércia de quase vinte anos na adoção das soluções processuais de simplificação e consenso [como é exemplo destacado a suspensão provisória de processo, que hoje em dia resolve uma quantidade muito substancial de inquéritos criminais]".

"Que daqui saia um incentivo, mais um, para que o sistema de reação penal não se esgote na inflição de penas e se empenhe em recuperar ativos", rematou Euclides Dâmaso, perante um painel internacional de especialistas na matéria, entre magistrados, investigadores, académicos e advogados.

Uma história de 20 anos

A perda de vantagens do crime, fazer com que o crime não compense, é uma das pedras angulares dos sistemas jurídicos mais evoluídos. "Mas a história da sua evolução em boa parte dos Estados da União Europeia e particularmente em Portugal está longe de ser um sucesso", avaliou Euclides Dâmaso, considerando que a prova disso pode ser vista na "contínua sucessão de diretivas comunitárias em demanda do antídoto mais eficaz", que chega a gerar "algum desnorte", ou nas "agruras do processo de instalação em Portugal de um sistema equilibrado e minimamente eficaz, ainda não conseguido apesar de decorridos já vinte anos".

A verdade, segundo o magistrado, é que "nunca houve entre nós interesse pelas questões da perda de bens, instrumentos e vantagens do crime, pouco tratadas doutrinalmente e quase arredadas do labor jurisprudencial".

Sem se alongar nas razões daquele desinteresse, Euclides Dâmaso apontou "alguma sobranceria conceptual, que via no assunto uma questão menor, "de mercearia"". Daí que, quando, em 2002, o legislador se inspirou em modelos italianos e ingleses e "consagrou um comedido regime de perda do património incongruente, desabou sobre o neófito o anátema da inconstitucionalidade". "Afirmava-se que de uma verdadeira sanção se tratava, a exigir, portanto, a demonstração de um elo de ligação entre o crime pelo qual o agente era condenado e a atividade criminosa", recorda, acrescentando que a lei acabou por ser "ostracizada", tanto por força da campanha empreendida por "um académico reputado, no púlpito da escola da magistratura", como pelo facto de a sua aplicação exigir aos magistrados "maiores esforços probatórios" e a "quebra das rotinas seculares que circunscreviam a ação dos tribunais à mera demonstração dos elementos típicos do crime".

"Numa cultura judiciária avessa a mudanças, onde qualquer inovação só se entranha depois de longamente se estranhar, foi preciso muito tempo e exigidos muitos esforços para suplantar o impasse criado", prosseguiu Euclides Dâmaso, considerando ter contribuído nesse esforço com a publicação de um estudo, em 2009, com um colega, do estudo que defendeu que esse regime, a que chamavam "perda ampliada", não era uma "excentricidade portuguesa". Foi em sequência que foi lançado o "Projecto Fénix", para definir melhor a natureza jurídica da perda das vantagens do crime. Em 2011, foi publicada então a lei que criou o Gabinete de Recuperação de Ativos e o Gabinete de Administração de Bens [GAB].

"Conhecedor das características do meio e do enorme fosso que existe sempre entre a lei e a sua execução, atrevi-me, em 2011, na sessão de encerramento do Projecto Fénix, a lembrar que o GRA e o GAB servem para arrecadar receita, não para consumir receita, pelo que deveriam ser extintos se, volvido algum tempo, não alcançassem esse objetivo", lembrou esta terça-feira Euclides Dâmaso, antes de afirmar o seu "receio" de que o objetivo do projeto não esteja a ser, de facto, "suficientemente conseguido".

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