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Motim. Pelo fim das declarações para regressar à creche (e já agora dos atestados de assistência à família de curta duração)

Motim. Pelo fim das declarações para regressar à creche (e já agora dos atestados de assistência à família de curta duração)

Não compliquemos a vida das famílias mais do que o estritamente necessário. Nem a dos médicos que atendem crianças, por favor. As urgências entupidas com casos pouco graves perdem a capacidade de resposta para a sua verdadeira função.

As crianças pequenas adoecem. Sobretudo quando andam na creche. Frequentemente, com doenças ligeiras, na sua maioria virais (as famosas “viroses''). É uma inevitabilidade. Claro que medidas de higiene de desinfeção e limpeza regular dos brinquedos, brincadeira ao ar livre sempre que possível, dispô-las para dormir a sesta lado a lado alternando cabeças com pés e evitar que as crianças doentes vão para a creche ajudam a mitigar o contágio.

Mas o mais importante é haver uma relação de confiança entre a creche e os pais. Que os pais não mandem as crianças com febre para a escola depois de administrar paracetamol pela manhã. Que as creches não chamem os pais em polvorosa quando as crianças têm 37,5ºC medido na testa.

As urgências, atendimentos permanentes, consultas não programadas e outros que tais estão a rebentar pelas costuras. Sim, porque há muitas crianças doentes (as tais viroses). Mas também porque as famílias precisam de atestados. Para ficar com os filhos em casa; para regressar com os filhos à creche. Porque uma varicela, que qualquer educador sabe reconhecer à légua quando está “activa”, precisa de atestado médico a dizer que a criança já pode regressar. Porque tem borbulhas na boca e há surto de doença boca-mão-pé (apesar da criança não ter febre e estar a comer este mundo e o outro). Porque o menino esteve mais de três dias fora (os pais cuidadosos que deixam com os avós a recuperar ficam sempre prejudicados) e só pode regressar com papel. E por aí fora…

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E o que acontece sempre que uma criança pequena pouco doente vai às urgências? Volta seguramente com aquilo que não levou; com uma probabilidade não nula, também deixou por lá um arzinho da sua graça (que é como quem diz, contagiou outros com a sua virose actual). E o ciclo é infernal e não acaba nunca.

Com isto temos profissionais sobrecarregados, um desperdício de tempo e de recursos gigante em que ninguém é beneficiado e em que as principais prejudicadas são as crianças e as suas famílias. Sim, uma criança com febre não deve ir à escola (até estar 24 horas sem febre). Sim, um surto de gastroenterite é motivo para se fechar uma sala de creche. Sim, uma criança com tosse incessante que não a deixa brincar nem descansar (nem aos outros) deve ficar em casa. Mas não são precisos papéis para isso. Precisam de TLC (tender loving care), sopas e descanso, os cuidados amorosos dos seus pais; na maioria dos casos é só isso.

Não compliquemos a vida das famílias mais que o estritamente necessário. Nem a dos pediatras e médicos que atendem crianças, por favor. As urgências entupidas com casos pouco graves perdem a sua capacidade de resposta para o que é verdadeiramente a sua função, o diagnóstico e tratamento da doença grave. Os profissionais exaustos e desmotivados vão abandonando as fileiras do SNS.

O mais triste é que o recurso constante e persistente às urgências interessa às administrações hospitalares (públicas ou privadas), porque recebem “à peça” por episódio; como tal, quantos mais, melhor. Só não interessam aos profissionais de saúde que lá trabalham. E se me permitem, às famílias, que se sujeitam ao eterno ciclo vicioso de viroses durante as longas horas de espera

O mais triste é que o recurso constante às urgências interessa às administrações hospitalares (públicas ou privadas), porque recebem “à peça”. Só não interessam aos profissionais de saúde. E se me permitem, às famílias

Por isso, por favor, creches e estabelecimentos escolares, não sejam mais papistas que o papa. Não exijam que toda a criança que sai da escola com febre ou se ausenta mais de três dias tenha uma alta médica para regressar; aceitem que a varicela ao fim de 7-10 dias e com tudo em crosta não está contagiosa. Confiem nas famílias, são vossos parceiros no processo educativo das crianças. E dêem-nos uma folguinha!

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