observador.ptObservador - 22 mai. 00:15

O futuro da direita

O futuro da direita

Não foi Costa quem mudou o cenário político, mas a bancarrota de Sócrates que despertou o eleitorado para problemas até então negligenciados, como a dívida e a estagnação económica que dela resulta.

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Quando António Costa formou governo com o apoio dos partidos derrotados nas legislativas de 2015, tornou-se óbvio que a direita só voltaria a governar com maioria absoluta. Para isso será preciso que haja um só partido de direita ou que os existentes se entendam. Surpreendentemente não foi o que sucedeu. Ao invés, desde 2015 que a direita decidiu aguardar pelos maus resultados da governação socialista. Maus resultados que não surgiram, não porque os socialistas levassem a cabo as necessárias reformas, mas porque o BCE impôs juros de tal ordem baixos que anestesiou os efeitos negativos da dívida que subiu devido à má acção do governo socialista: de 231 mil milhões de euros em finais de 2015, a dívida pública chegou aos 249,7 mil milhões de euros no final de 2019 (em 2021, depois da pandemia, atingiu os 269 mil milhões de euros).

Mas a anestesia dos juros baixos permitiu que Costa fizesse crer o contrário: que o país estava no caminho certo das contas certas Não houve cortes nos salários nem sequer lugar ao mal-estar que qualquer reforma do estado provoca. A única peça que destoou foram as cativações na saúde, mas os que as sofriam eram os que precisavam de cuidados médicos e esses são, felizmente, uma minoria. A esquerda estava satisfeita com as aparências porque as aparências a mantinham no poder.

Perante este cenário, Costa limitou-se a esperar. Ao primeiro-ministro não lhe bastava unir a esquerda; era preciso dividir a direita. Nesse sentido aguardou pelo surgimento de algo semelhante ao Chega. Um partido populista seria mais provável à direita pois os da extrema-esquerda estavam comprometidos com o governo PS. De seguida viu com bom grado a repulsa que esse novo partido provocava no PSD e no CDS. Por dois motivos. Primeiro, porque, dessa forma, PSD e CDS ostracizavam parte de um eleitorado descontente. Segundo, pois o Chega iria ocupar espaço mediático o que enfraquecia ainda mais os partidos da direita tradicional. Mas o feito não foi apenas de Costa. Também o PSD teve um papel determinante na delapidação do seu património político ao permitir que Rui Rio renegasse o legado de Passos Coelho. O PSD tem esta característica extraordinária de ter os três melhores primeiros-ministros da democracia (Sá Carneiro, Cavaco Silva e Passos Coelho) e não se orgulhar desses nomes quando fala com os socialistas. Já o CDS acabou por desaparecer no Parlamento, mas o desaparecimento do CDS foi um efeito colateral que os socialistas, paternalmente, lamentaram no fim. Já quando Assunção Cristas era líder dos centristas as reacções do PS não foram tão simpáticas. Possivelmente, António Costa só não contou com o aparecimento da IL, mas o partido liberal também acabou por retirar espaço ao PSD. A IL tem um discurso que está longe dos par��metros a que Costa se habituou desde a sua meninice no PS. O que não deixa de ser interessante pois a IL tem muitos militantes que, sendo liberais, também são de esquerda. No entanto, e porque António Costa não tem cultura política suficiente para perceber a possibilidade de existirem liberais de esquerda, a IL é um partido político cuja essência lhe escapa e que evita.

Este emaranhado político que Costa criou só tem duas soluções: ou o PS se divide após a saída do seu líder ou os partidos de direita fecham um entendimento para um programa de governo. Para que a segunda possibilidade se concretize é indispensável que o PSD se orgulhe da governação de Passos Coelho, se prontifique a liberalizar a economia e não recuse trazer para as suas intervenções as causas de descontentamento de muitos portugueses. Quatro anos passam depressa, mas bem aproveitados são mais do que suficientes para que se atinjam bons resultados. Suficientes para que PSD e IL trabalhem em matérias específicas que contribuam mais tarde para um entendimento político global que faça a diferença.

Infelizmente, o PSD preocupa-se em demasia com o Chega quando este partido não passa de uma agremiação ao redor de André Ventura. Esta suspeita torna-se numa certeza a cada dia que passa. Não é apenas o retrato do líder do partido pendurado por cima da cabeça dos seus deputados na sala que o partido tem no Parlamento. É o simples facto de só Ventura falar. O Chega é um bluff de um político ambicioso que saiu do PSD por se mostrar indisponível para com as regras partidárias. Um vazio político que poderia ser aproveitado caso Ventura desse espaço aos seus colegas e demais militantes. Algo que dificilmente sucederá, pois o líder do Chega não está interessado em ser mais um entre iguais.

Assim, uma mudança à direita passa por o PSD compreender que não foi António Costa quem mudou o cenário político. Foi a bancarrota de José Sócrates que despertou parte do eleitorado para problemas até então negligenciados, nomeadamente a dívida, a estagnação económica que dela resulta e as consequentes falhas do estado social. O eleitorado que em 2015 votou na direita tinha uma percepção do país muito diferente da de 2011. Esse eleitorado não foi ouvido e dispersou-se. Corrigir este desfasamento entre o PSD e o eleitorado pressupõe humildade, diálogo, bom-senso e inteligência. Como está em causa a relevância governativa deste partido pode ser que ainda haja vontade política entre os seus militantes e dirigentes.

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