jornaleconomico.ptAna Pina - 13 mai. 00:09

O corredor de Azovstal

O corredor de Azovstal

É hoje consensual entre todos os observadores independentes que a Rússia não tem respeitado a Convenção de Genebra, de que é signatária, muito em especial no que toca às populações civis.

A visita de António Guterres a Moscovo foi alvo de chacota durante dias. A fotografia pouco favorecida – cirurgicamente divulgada pela propaganda russa – e o aparente insucesso da negociação levaram muitos a declarar a inutilidade da aparição e, consequentemente, da Organização que secretaria.

Alguns dias depois, com paciência, discrição e determinação, as Nações Unidas, com a Cruz Vermelha Internacional, iniciaram um corredor humanitário para retirar os civis sitiados na fábrica de Azovstal, uma unidade fabril siderúrgica, símbolo do poderio industrial ucraniano e dos últimos focos de resistência na malograda cidade de Mariupol.

Nela, dezenas de civis, incluindo crianças, encontravam refúgio nos últimos meses, desde o início da guerra. Isto apesar da destruição maciça que sofreu Mariupol, e dos bombardeamentos constantes por parte da artilharia russa à unidade de Azovstal, defendida pelo tristemente famoso batalhão Azov.

Desde o início da invasão russa da Ucrânia, uma das principais preocupações, legítimas, por parte dos negociadores ucranianos e internacionais, é a situação humanitária dos civis, o estabelecimento de corredores para a sua evacuação, e o respeito pela segurança desses corredores.

A Convenção de Genebra IV, relativa à proteção das pessoas civis em tempo de guerra, de 12 de agosto de 1949, assegura, no seu artigo 17º que “as Partes no conflito esforçar-se-ão por concluir acordos locais para a evacuação, de uma zona sitiada ou cercada, dos feridos, doentes, enfermos, velhos, crianças e parturientes, e para a passagem dos ministros de todas as religiões, do pessoal e material sanitários com destino a esta zona”.

É hoje consensual entre todos os observadores independentes que a Rússia não tem respeitado a Convenção de Genebra – de que é signatária – muito em especial no que toca às populações civis.

Esse é, de resto, um dos motivos que levou o Tribunal Penal Internacional a abrir uma investigação sobre eventuais crimes de guerra praticados durante esta invasão, contando, para isso, com a denúncia formal exercida por dezenas de Estados partes, incluindo Portugal.

Na verdade, o Estatuto de Roma que cria o Tribunal Penal Internacional prevê como crimes de guerra, logo à cabeça, “as violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949. E especifica: é crime de guerra “atacar intencionalmente pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados”.

Todos os que, desde o início da invasão russa, vinham alertando para as graves violações ao direito internacional, em especial ao direito internacional humanitário, incluindo António Guterres, foram vistos por muitos comentadores como pregadores no deserto, sendo olhados com alguma indiferença.

Essa mesma atitude marcou o comentário à visita de Guterres a Moscovo, a que se seguiu a visita a Kiev, brindada com alguns mísseis que acabaram por matar civis inocentes.

Mas a perseverança da comunidade internacional, das Nações Unidas e de António Guterres acabaram por produzir resultados: já praticamente todos os civis sitiados em Azovstal foram evacuados, com sucesso e com vida, encontrando-se, em segurança, em locais na Ucrânia controlados pelo Governo Ucraniano.

A visita de Guterres a Moscovo resolveu o conflito e pôs termo à invasão? Claro que não. Ninguém tinha essa expectativa. Mas permitiu, como o próprio Presidente Zelensky reconheceu publicamente e, em parte, e de forma mais silente, o Kremlin, o estabelecimento do corredor humanitário de Azovstal, o respeito, ainda que muito limitado, pelo direito internacional, e, acima de tudo, o salvamento de vidas humanas, o valor mais alto, mas por vezes esquecido nesta infame invasão.

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