observador.ptobservador.pt - 8 dez. 17:13

Vacinar crianças? 10 respostas para as dúvidas dos pais

Vacinar crianças? 10 respostas para as dúvidas dos pais

Como sabemos que as vacinas são seguras? Quais as vantagens para crianças tão novas? Depois de vacinadas, as crianças deixam de ser mandadas para casa de quarentena? Veja o que dizem os médicos.

Tem acesso livre a todos os artigos do Observador por ser nosso assinante.

As crianças dos 5 aos 11 anos vão poder ser vacinadas contra a Covid-19 em Portugal, tal como já havia sido decidido em outros países da Europa e do mundo. Numa faixa etária tão alargada, que apanha crianças no ensino pré-escolar, no primeiro e no segundo ciclos, será que os benefícios são iguais para todos? Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria, não tem dúvidas de que trazer normalidade à vida escolar e social terá vantagens com impacto imediato, mas também no futuro destas crianças.

A decisão da Direção-Geral da Saúde (DGS) veio permitir que se dê início ao processo de vacinação de crianças abaixo dos 12 anos. O primeiro-ministro disse, já esta sexta-feira, numa entrevista ao programa Casa Feliz, na SIC, que a vacinação vai “provavelmente” arrancar com as crianças de 11 anos, prosseguindo depois para as crianças mais novas. “No final desta semana, haverá a apresentação do programa e calendário de vacinação [das crianças], provavelmente vamos começar pelas de 11 anos e, depois, vamos descendo até às de cinco anos”, admitiu o primeiro-ministro.

Vários especialistas vieram, nas últimas horas defender a vacinação, defendendo a ideia de que os riscos são mínimos, tendo em conta os dados conhecidos. Os pediatras e especialistas destacam a importância da vacinação no que diz respeito à saúde mental destas crianças e da comunidade onde estão inseridas, mas também não descartam que há vantagens para a saúde física da criança no que diz respeito ao SARS-CoV-2 e no controlo da transmissão a nível comunitário — embora essas não sejam as razões mais importantes para vacinar as crianças desta idade.

Mas a questão não consensual e, depois de um grupo de especialistas da DGS se ter manifestado contra a vacinação nesta faixa etária, vários especialistas vieram manifestar reservas sobre os benefícios da vacina.

Se ainda tem dúvidas sobre a possibilidade de vacinar os seus filhos, netos, educandos ou crianças que tenha a seu encargo não deixe de falar com o pediatra. Por agora, deixamos-lhe respostas a algumas das questões mais comuns.

Que vacinas vão estar disponíveis para as crianças? E quando?

Por enquanto, a única vacina pediátrica aprovada, para crianças dos 5 aos 11 anos na Europa é a da Pfizer/BioNTech. Vai corresponder a um terço da dose dos adultos (10 microgramas em vez de 30) e será dada em duas doses, com um intervalo de três semanas, tal como a vacina original, refere a Agência Europeia do Medicamento (EMA).

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou na semana passada que as vacinas pediátricas iam chegar à União Europeia a 13 de dezembro, o que significaria que seriam distribuídas por todos os Estados-membros nessa data. O secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, confirmou essa informação, acrescentando que chegam 300 mil doses em dezembro e outras 400 mil em janeiro, o que dará para vacinar todas as crianças nesta faixa etária.

À partida, as crianças em risco de desenvolver doença Covid-19 grave serão as primeiras a serem vacinadas, mas os detalhes de como se vai desenrolar a campanha de vacinação deste grupo etário só deverão ser conhecidos na sexta-feira, dia em que a Direção-Geral da Saúde dá uma conferência de imprensa sobre este tema.

Primeiras vacinas para crianças chegam a Portugal em 13 de dezembro, anuncia Lacerda Sales

Se as vacinas são tão recentes, como sabemos que são seguras?

Antes de mais, a vacina da Pfizer/BioNTech que é dada aos adultos e aos jovens a partir dos 12 anos mostrou ter um bom perfil de segurança — “o que é tranquilizador”, diz a pediatra Inês Azevedo. Depois, as vacinas pediátricas foram sujeitas a um ensaio clínico pr��prio, independente, e com a dose da vacina que viria depois a ser submetida a avaliação e aprovada pela Agência Europeia do Medicamento.

No ensaio clínico, em que participaram cerca de 2.000 crianças, não foram registados efeitos secundários severos e a eficácia foi apontada como sendo de 90,7%(entre 67,7 e 98,3%) na prevenção da Covid-19.

Desde que foi autorizada em vários países, já foram dadas mais de cinco milhões de vacinas, sem notificação de efeitos secundários graves, nem mesmo os que já foram descritos para as crianças mais velhas, nomeadamente situações de inflamação do músculo cardíaco. Nos Estados Unidos, que estão a vacinar esta faixa etária desde o início de novembro, “não foi levantado nenhum sinal que coloque em causa a segurança desta vacina”, disse Luís Graça, imunologista no Instituto de Medicina Molecular.

Os riscos de vacinar crianças. Pfizer não encontrou casos de miocardites nos ensaios clínicos, mas diz que vão existir

“O comité de avaliação de medicamentos da EMA concluiu que os benefícios da Comirnaty [vacina da Pfizer/BioNTEch] em crianças dos 5 aos 11 anos de idade superam os riscos, particularmente naquelas com condições que aumentam o risco de Covid-19 grave”, lê-se no comunicado da EMA. “A segurança e eficácia da vacina tanto em crianças como em adultos continuará a ser acompanhada de perto.”

O que é menos perigoso para a criança: a vacina ou o vírus?

“O receio de vacinar tem que ser pesado com o receio dos efeitos de longo prazo da doença. Não é risco zero versus o risco de vacina, é risco de doença versus risco da vacina“, lembra Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

Mesmo os casos de inflamação do coração como consequência da infeção — muito raros — têm tido recuperação total nas crianças. A pediatra admite, no entanto, que é preciso continuar a vigiá-las ao longo da vida, para garantir que não têm outros problemas associados no futuro.

Há, ainda assim, crianças que podem estar impedidas de tomar a vacina, mas as situações clínicas que o determinem serão “muito, muito raras” e, naturalmente, devem ser avaliadas pelo médico assistente, diz a pediatra Inês Azevedo. “Não é uma situação que se aplique no dia a dia, à população em geral.”

Há crianças com um risco maior de doença grave?

“Os grupos de risco são mais difíceis de definir em idade pediátrica do que no adulto”, diz a pediatra Inês Azevedo. E explica porquê: são casos muito raros. Nos adultos, com milhares de casos de doença grave, foi possível analisar que fatores ou comorbilidades tinham em comum que levassem ao desenvolvimento de quadros mais severos, mas com o número reduzido de casos graves em crianças é mais difícil.

Admitindo que, mesmo entre colegas de outras sociedades de pediatria internacionais, se mantém a incerteza, a presidente da sociedade portuguesa aponta algumas doenças que despertam, à partida, preocupação: doenças do coração graves, doenças neuromusculares graves, doenças crónicas, imunodepressão — por doença oncológica ou outra imunodeficiência — e, depois, uma panóplia grande de outras patologias que podem aqui ser incluídas. Caberá aos médicos assistentes avaliar os riscos dos seus doentes.

O imunologista Luís Graça lembrou à Rádio Observador que a larga maioria das crianças não tem situações de risco para a Covid-19. E são precisamente estas crianças saudáveis que, tanto em Portugal como na Europa, são internadas com mais frequência.

Uns temem efeitos adversos, outros novas variantes. Qual dos medos pesará mais na hora de decidir vacinar crianças saudáveis?

Mesmo quando não têm sintomas ou só têm sintomas ligeiros podem ter outras complicações?

Uma das complicações que surge associada à infeção com SARS-CoV-2 é a síndrome inflamatória multissistémica nas crianças (MIS-C), que pode surgir duas a quatro semanas depois da infeção com o coronavírus, quer a criança tenha tido sintomas ou não, e resulta de uma resposta exagerada do sistema imunitário. O risco é tanto maior quanto mais velhas as crianças — portanto, mais perto dos 11 anos, quando falamos da faixa etária que pode agora ser vacinada.

O que se sabe sobre a síndrome inflamatória que pode afetar as crianças depois de terem Covid?

Inês Azevedo, enquanto médica no Centro Hospitalar Universitário de São João, diz que, no pico da pandemia de janeiro-fevereiro de 2021, o hospital recebia uma criança com esta doença nos cuidados intensivos por semana. A pediatra reforça que, ainda assim, são situações muito raras, quando comparadas com as milhares de crianças que já foram infetadas com o vírus e não desenvolveram qualquer doença grave.

Apesar de tudo, cerca de metade das crianças que admitimos com esta condição [MIS-C] nos cuidados intensivos estavam nesta faixa etária dos 5 aos 11 anos. Portanto, não é nada negligenciável”, destaca a pediatra.

“Tivemos, até agora, 26 crianças internadas em cuidados intensivos. Embora o risco seja muito baixo, comparado com o número total de casos de Covid-19 em crianças, é um risco que existe e, portanto, tivemos sempre alguma preocupação”, refere a pediatra. “Felizmente, até agora, nunca tivemos nenhum óbito.”

Querem vacinar as crianças porque são um risco para os outros?

O foco, explica a pediatra, não é tanto o de proteger a comunidade, mas o de proteger a criança. Até porque a criança, à partida, já transmite pouco. “De acordo com aquilo que está publicado na literatura [científica], quanto mais pequena é a criança, menor o risco de transmitir a infeção.” As crianças têm menos recetores nas células aos quais se pode ligar o coronavírus. Como não consegue entrar, multiplica-se menos e a carga viral é menor. O resultado são menos sintomas para a criança e um risco menor de transmissão para a comunidade.

Covid-19. Vacinação de crianças “pode diminuir transmissão” do vírus

Ainda assim, é preciso lembrar que nem todas as pessoas conseguem desenvolver uma resposta imunitária adequada, como os idosos ou pessoas com certas patologias, mas as crianças também precisam de estar com estes membros da família, destacou o pediatra Mário Cordeiro à Rádio Observador. “Tenho como muito importante repor a normalidade do tecido social. As crianças devem estar com os avós, bisavós, tios, devem estar com as pessoas da família que sofrem de alguma doença.”

Por outro lado, vacinar todos os outros grupos etários expôs as crianças a um maior risco porque são o único grupo que ainda não está protegido com a vacina, destaca Luís Graça. As crianças são a população com maior incidência, diz o imunologista. “Esta maior incidência da doença provoca perturbações na vida social e escolar destas crianças, que sendo vacinadas vão também normalizar a sua vida social e escolar como aconteceu com os adolescentes depois de estarem vacinados.”

Pandemia a aumentar nos mais novos. Nas últimas 8 semanas, por 4 vezes a taxa de incidência mais alta foi a das crianças

Se há menos transmissão, por que hei de vacinar o meu filho?

Haver menos transmissão não significa transmissão zero. E a infeção, ainda que muitas vezes sem sintomas ou com sintomas ligeiros, pode provocar uma doença mais grave ou, em casos raros, levar ao internamento das crianças.

Inês Azevedo acrescenta ainda que viu mudanças entre a fase em que dominava a variante Alpha e agora a variante Delta. “Enquanto a variante era a Alpha, era muito raro ver surtos nas turmas. Agora temos assistido a surtos em maior número em cada turma.” Diz a médica que é frequente ter quatro ou cinco crianças infetadas na mesma turma, embora não tenha dados para dizer qual a origem da infeção — se em casa, com os adultos na escola ou com outras crianças.

DGS recomenda vacinação para todas as crianças entre os 5 e os 11 anos

Qual a vantagem mais importante da vacinação nestas idades, dos 5 aos 11 anos?

“A saúde mental, a educação e o bem estar social são o aspeto mais fulcral nesta decisão de proteger as crianças [com a vacina]”, diz a pediatra Inês Azevedo. Dois anos letivos marcados pelas restrições no acesso às escolas e as faltas devido aos isolamentos comprometem as aprendizagens de quem está a iniciar um novo ciclo, mas também dos outros alunos.

A saúde mental é afetada desde as crianças em idade pré-escolar, dependendo dos contextos familiares, por causa da perda de rotinas tão fundamentais nestas idades, até aos anos mais próximos da adolescência, com o “avolumar de situações de ansiedade” que podem até levar a quadros mais graves.

Sem esquecer a saúde mental de toda a família. “Conheço mães que têm filhos em idades diferentes e com diferentes necessidades que estão em situação de rutura emocional”, lembra a médica, referindo-se ao teletrabalho dos pais conjugado com o ensino à distância das crianças.

Saúde mental das crianças e jovens está a piorar: consultas aumentam em alguns hospitais, noutros a gravidade dos casos acentua-se

“Relativamente à doença grave, não é esse o maior foco, mas também existe uma preocupação em relação a ela, embora muito menor do que relativamente à saúde mental e à capacidade de inserção da criança na vida social”, esclarece a pediatra. “Sabemos que a perturbação da aprendizagem nestas idades vai ter repercussões futuras na sua vida, na sua capacidade de ter profissões e em subir nos níveis sociais e económicos.”

Que outros benefícios pode ter na saúde das crianças?

O que se sabe, neste momento, é que a pandemia de Covid-19 tem tido um grande impacto na saúde mental das crianças, em várias vertentes. “É um problema que já conhecemos, que está cá, que é muito grave e que tem implicações muito sérias.” Vacinar as crianças, poderia aliviar este fardo, defendem os especialistas.

Outro benefício está relacionado com os casos de infeção em crianças que desenvolvem doença prolongada (ou long covid) — e que mais uma vez têm implicações na qualidade de vida e nas aprendizagens. Mesmo nestas idades, existem queixas prolongadas de fraqueza, cansaço, perda de olfato e até de audição, relata a médica. Naturalmente, menos queixas do que nos adultos, mas também a gravidade da doença e o tempo de recuperação é muito menor.

As crianças que estão infetadas — mesmo com poucos sintomas ou nenhuns — têm uma probabilidade de 10 a 5% de ficar com sintomas a longo prazo, desde intolerância ao exercício físico, insónias, dificuldades de concentração”, diz Manuel Ferreira-Magalhães, pediatra no Centro Materno Infantil do Norte

Vacinar crianças dos 5 aos 11 anos “é o mais sensato”, defende pediatra

Se as crianças dos 5 aos 11 anos forem vacinadas entre dezembro e março, estima-se que possam ser evitadas 13.500 infeções, 50 internamentos (cinco dos quais em unidades de cuidados intensivos) e sete miocardites — uma inflamação do músculo cardíaco — associadas à infeção com SARS-CoV-2, disse o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ao Observador.

Em entrevista à Rádio Observador, Manuel Ferreira-Magalhães, pediatra no Centro Materno Infantil do Norte, acrescenta ainda um outro dado de um estudo sueco, em que o risco de transmissibilidade é tanto menor quanto mais pessoas estiverem vacinadas dentro do agregado familiar, incluindo as crianças.

Vacinação de crianças. Apps, equações, tensão nos bastidores e a pressão de ser exemplo mundial

Depois de vacinadas, as crianças deixam de ser mandadas para casa de quarentena?

Na maioria dos casos, os adultos não precisam de fazer isolamento profilático se tiverem tido um contacto com um caso positivo mas estiverem vacinados e apresentarem um teste negativo. Inês Azevedo espera que as indicações para as escolas e para as crianças vacinadas mude também e aproveita para falar de exemplos de outros países que, mesmo antes da vacinação, já tinham adotado estratégias diferentes. Escolas que só mandam a turma para casa quando há três casos positivos entre os alunos ou outras que deixaram de fazer rastreio em crianças assintomáticas.

O importante, defende a médica, “é que se modifiquem as opções de confinamento obrigatório” e, claro, que se “aposte na terceira dose entre as pessoas mais frágeis, como os idosos e outras pessoas que têm contacto com crianças”.

Em entrevista à RTP3, esta quarta-feira, a presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia Pediátrica veio sublinhar a importância da vacinação como forma de evitar a necessidade de interromper a atividade letiva de turmas inteiras como consequência da deteção de casos positivos nas turmas. “Muito mais do que estarmos a pensar neste grupo etário em quantas crianças morrem — e todas são importantes —, temos de pensar muito mais em quantas crianças vão para casa por causa da infeção do SARS-CoV-2 e em quantas crianças vão ter o impacto emocional [por causa] da doença” ressalvou Maria João Batista. “Mas é imporantes percebermos que esta fase é crítica para o desenvolvimento das aptidções das crianças. A aprendizagem nas crianças é fabulosa, e as crianças têm uma capacidade fabulosa de recuperar, mas ela não é imensa, não é infinita. E se temos, durante dois anos letivos, as crianças sistematicamente a interromper o seu curso educacional normal, isso vai ter impacto a longo prazo.”

NewsItem [
pubDate=2021-12-08 18:13:51.0
, url=https://observador.pt/especiais/vacinar-criancas-10-respostas-para-as-duvidas-dos-pais/
, host=observador.pt
, wordCount=2720
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2021_12_08_346661621_vacinar-criancas-10-respostas-para-as-duvidas-dos-pais
, topics=[dgs, crianças, vacinas, coronavírus, agência do medicamento]
, sections=[]
, score=0.000000]