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“West Side Story”: à procura de novos tempos, musical intemporal encontra conforto na paixão cinéfila de Spielberg

“West Side Story”: à procura de novos tempos, musical intemporal encontra conforto na paixão cinéfila de Spielberg

Steven Spielberg retorna ao grande ecrã com uma reconstrução de um dos musicais mais queridos, quer da Broadway, quer de Hollywood.

A HISTÓRIA: Na Nova Iorque de 1957, dois gangues rivais de etnias diferentes, os Jets e os Sharks, vêem o seu conflito subir de tom devido à história de amor proibido entre o ex-líder de um deles, Tony, e a irmã do líder do outro, Maria.

"West Side Story": nos cinemas a partir de 8 de dezembro.

Crítica: Hugo Gomes

Ele “conheceu e beijou uma rapariga chamada Maria”, encontro que depressa transformou todo o seu mundo. Um romance de contornos shakespearianos no quente do asfalto de Nova Iorque, questionando a rivalidade mortal entre duas facções particulares de gangues, de um lado aqueles que julgam que a América pertence apenas a eles por mérito próprio, e do outro, os latinos que procuram na Terra das Oportunidades a sua chance de vingar.

Uma história secular que alcança a contemporaneidade dos confrontos raciais num modo escapista, apropriado de um musical de igual nome estreado na Broadway em 1957. Não é “Maria” a faísca para a ebulição de todo conflito, mas sim, “West Side Story: Amor sem Barreiras” (1961), uma partitura dividida por Robert Wise e Jerome Robbins, feito que conquistou 10 Óscares (incluindo o de Melhor Filme) e se tornou um dos filmes norte-americanos mais populares décadas após décadas.

Atualmente, com a assertividade dos debates étnicos e o calor do ativismo pós-Black Live Matters, a existência longínqua de “West Side Story” era motivo que bastasse para uma revisão, até porque o romance, hoje em dia, não é o suficiente para o culminar de prolongados efeitos político-sociais, e a matéria de que compunha o bailado de navalha na mão continua presente no nosso “agora”, e de forma mais reagente.

À sua maneira, tivemos recentemente essa reconstrução modernizada pelo cunho de Lin-Manuel Miranda em “Ao Ritmo de Washington Heights” [ler crítica], pregando e salientado uma maior importância latina nos bairros nova-iorquinos. Porém, a necessidade era outra, não a de pensar sobre o material trazido pelo lado oeste, e sim o de prolongar um legado, o musical dito e feito que vingou há 60 anos.

Steven Spielberg é assim responsável por essa busca da luz eterna de Hollywood através de um “West Side Story” que, antes de mais, se cola ao legado do anterior e perpetua um desejo nostálgico de um género outrora moribundo. Talvez seja por esse enfoque pela ingenuidade que a versão Spielberg agrade aos mais saudosos e os suspirantes pelo cinema com que cresceram. Sendo isso, a pílula temporal joga a seu favor, demonstrando a mestria de Spielberg no espetáculo cinematográfico, no encantamento do musical “à antiga” e na acentuação do biótopo envolto do fulcral e crucial romance.

Sim, o “West Side Story” spielbergiano está a léguas do desastre que se avizinhava (para os crentes de Spielberg tal afirmação é uma heresia do tamanho do Mundo), mas fora essas qualidades técnicas é uma produção desnecessária mesmo com o contexto atual. O gesto de suposta homenagem do realizador proclama-se como ingratidão, uma sobreposição à “velha” versão, como se de uma segunda demão se tratasse. À mercê disso, o romance (com Ansel Elgort e a “estreante” Rachel Zegler a herdar a tragédia amorosa de Richard Beymer e Natalie Wood) é pálido, e por vezes de ênfase plastificado, face à hercúlea construção da comunidade que orbita nas suas dores e juras.

Nesse sentido, é no secundário, nos vibrantes alicerces, que esta atualização faz merecer o seu lugar ao sol, entre os quais, e com principal destaque (sublinhamos os seus nomes sobre o casal protagonista), Ariana DeBose e Mike Faist, que atribuem, ora fisicalidade, ora perversão, ora afinco, nas suas respetivas personagens. Aliás, há mais esses elementos neles que propriamente numa restante produção, algures entre a decoração pujante ao serviço de uma memória (sem esquecer o vínculo direto com o original graças à presente de Rita Moreno).

É a memória de uma Hollywood no limiar da sua Era Dourada e do limbo pré-Nova Hollywood que definiria o cinema moderno norte-americano. Sim, os anos 60 foram uma fase estranha na produção cinematográfica do outro lado do Atlântico, uma disputa entre o conservadorismo e as novas linguagens que despertavam. Contudo, não serão esses os mesmos campos de batalha que também experienciamos de momento em tela?

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