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Os territórios em rede, as redes de cidades, a região-cidade

Os territórios em rede, as redes de cidades, a região-cidade

Volto ao tema da região-cidade (JN, 20 de setembro 2021) para uma breve reflexão complementar. A velha soberania das fronteiras e dos territórios delimitados está posta em causa e duplamente ameaçada, pela globalização predadora, por um lado, e o nacionalismo autocrático e protecionista, por outro. E o que fazer perante esta dupla ameaça? Vamos dessacralizar o território para passar a ser uma variável endógena do ciclo político-económico e da globalização ou vamos montar uma forma de governação mais cooperativa e reflexiva que preserve o essencial dos territórios?

A revolução digital é uma grande oportunidade para os territórios se for adotada com conta, peso e medida e como política de inclusão e não-discriminação. Desta revolução digital faz parte, também, a emergência de uma sociedade em rede mais colaborativa, uma sociedade entre pares, seguindo uma lógica de atuação extra estadual. Dito de outro modo, não devemos procurar uma organização territorial que se encaminhe para o centro, antes, devemos privilegiar uma organização que seja mais multiterritorial e multidimensional, pois a plurissignificação é um potencial extraordinariamente enriquecedor, além de que o estado-administração é incompetente para dar conta de tanta segmentação e diferenciação funcionais, setoriais e territoriais. Ou seja, não devemos sobrecarregar a administração pública quando sabemos que ela não tem o poder, saber e motivação para dar conta de tanta ocorrência. Quanto mais cedo ela for um par entre pares melhor para todos, a começar por ela própria. As sociedades precisam de uma pluralidade de cenários para ampliar o seu potencial de autodeterminação.

O assunto não é novo, desde os anos 90 do século passado que conhecemos as teses de Manuel Castells sobre a sociedade em rede. Neste sentido, estou convencido de que a rede de vilas e cidades, a região-cidade, é uma promessa conceptual e prática cheia de futuro, em especial, nos territórios de baixa densidade onde não é possível conceber e construir cidades densas e compactas, mas é possível e desejável conceber e construir regiões-cidade (R-C), mais descentralizadas e bem distribuídas, com base na teoria dos bens comuns e tirando partido das plataformas colaborativas da economia digital.

Ao contrário da cidade-região, que tem uma configuração mais radial e vertical em direção à periferia urbana, suburbana e rural, a região-cidade tem uma configuração mais policêntrica e circular, com mais cidade no campo e mais campo na cidade, ou seja, com o elemento natural/rural como elemento estruturante da rede urbana. Os exemplos são muito variados. De resto, estou convencido de que a maioria das comunidades intermunicipais (CIM), em particular nos territórios de baixa densidade, pode candidatar-se a esta condição de região-cidade.

Acresce que, o policentrismo e a cooperação horizontal da região-cidade respondem a um problema novo de comunicação política. Os territórios que conhecemos comunicam mal entre si porque levámos tão longe as linguagens corporativas, verticais por natureza, que hoje os territórios não conseguem comunicar lateralmente com os seus vizinhos. Aliás, muitos subsistemas setoriais, corporações e grupos de pressão devem a sua sobrevivência à falta de lealdade social, isto é, aos custos externos que produzem e exportam para a sociedade no seu conjunto e que eles não pagam.

Ora, a rede de cidades ou região-cidade é um conceito intermédio que politifica a sociedade e que permite a uma escala mais apropriada levar a cabo a arte da comunicação e o trabalho transdisciplinar necessário ao entendimento das diversas linguagens em presença. Temos, por isso, de criar uma racionalidade operativa e uma estrutura de missão cooperativa, isto é, um conjunto de procedimentos e sistemas de negociação, iterativos e incrementais que vão reduzindo gradualmente os horizontes de incerteza e criando momentos de consenso provisório, balizas para a discussão.

Aqui chegados, onde antes encontrávamos o modelo-silo e a normatividade das grandes instituições do estado-administração, teremos, agora, com a revolução digital e a sociedade em rede, uma oportunidade de entendimento em que a performatividade dos procedimentos ganha preponderância. Na rede de cidades ou região-cidade a economia digital e a economia colaborativa interpares podem convergir positivamente em direção a um novo modelo de geogovernança onde a cooperação entre atores é o novo imperativo categórico.

Com efeito, com a revolução digital e a sociedade em rede, um estado-administração omnipresente e que está sempre a exigir conformidade já não faz muito sentido. Um território é sempre um campo de forças onde o tempo sedimenta uma estrutura e uma dinâmica social, logo, as forças sociais modelam e configuram esse campo de forças de formas muito contraditórias. Neste contexto, a região-cidade é um novo instrumento de programação e planeamento operacional para as áreas de baixa densidade, uma forma mais inovadora de olhar para a geoeconomia do território destas subregiões.

É certo, nas áreas de baixa densidade, por maioria de razão, estão por comprovar os benefícios anunciados da sociedade da informação e da comunicação. A cooperação entre vilas e cidades é um recurso perfeitamente acessível e um instrumento valioso para introduzir um novo padrão de relações cidade-campo, se quisermos, uma nova arquitetura para a vizinhança e a visitação, mas, também, uma via de acesso privilegiada para a sociedade sénior. Além disso, a ecologia e a economia, a arte e a cultura, abrem a porta a inúmeros fatores imateriais e intangíveis que contribuem fortemente para recriar as cadeias de valor hoje existentes. É uma grande oportunidade para as regiões mais pobres em recursos materiais.

Não simplifiquemos, porém. Perante a gravidade das alterações climáticas, as assimetrias regionais da cobertura digital e as contradições do "turismo total", as paisagens tradicionais estão ameaçadas. Acresce que, a mobilidade e o nomadismo dos nativos digitais podem impedir a formação de um urbanismo crítico que permita aos neorurais contrariar os movimentos em direção ao litoral. É certo, é pelo menos provável que, à medida que a sociedade digital for contraindo a indústria do emprego na cidade, o campo se tornará uma atração e haverá, nessa altura, mais cidade no campo. Mas não nos iludamos. Há uma ética do cuidado e uma literacia própria da paisagem que necessitam de ser convenientemente abordadas, sob pena de a nossa perceção da paisagem ser um crime de lesa-pátria e um mau serviço prestado ao país.

Nota Final

De certo modo, já entrámos na fase pós-heroica da política. A política é hoje influência, diplomacia, entendimento, deliberação, procedimento. Hoje, mais do que decisões há deliberações, ou seja, simulacros de decisão. Daí a importância das redes e da cooperação descentralizada que a revolução digital nos proporciona e nesse contexto a promoção dos territórios em rede como instrumento de reterritorialização e comunicação. Aproveitemos, pois, as oportunidades que as redes de cidades e vilas e a região-cidade nos oferecem em nome do bem comum e bem estar dos seus cidadãos.

*Professor Catedrático da Universidade do Algarve

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