jornaleconomico.sapo.ptAna Pina - 26 out. 00:09

Uma carta natalista de Budapeste

Uma carta natalista de Budapeste

“Família como chave de Sustentabilidade” foi o tema da 4ª Cimeira Demográfica de Budapeste, em Setembro. À data, nenhum país do continente europeu regista uma taxa de natalidade perto do nível de reposição geracional.

Enquanto as sociedades mais ricas ocupam tempo e recursos a planear novos choques tecnológicos e os caminhos da sustentabilidade ambiental, outros governos juntaram-se com especialistas num encontro internacional que visou priorizar a família e a demografia na agenda política. Os argumentos e sugestões que passaram pela Cimeira Demográfica de Budapeste revelaram um cuidado especial com a compreensão integral da natureza e das necessidades das famílias.

Sintetizo, em sete pontos, as mensagens que sobressaíram – referindo também, ao longo do texto, alguns oradores que mencionaram esses assuntos. Organizei estas ideias como apelos e creio que são um bom ponto de partida para reflectir sobre a relevância da família no futuro das nações ocidentais.

1. Reconhecer que o maior desafio que ameaça o Ocidente já nas próximas décadas é o envelhecimento demográfico. A família surge aqui como chave da sustentabilidade da nação e da civilização (Katalin Novák). Contrariamente à tendência recente de apelar à contenção reprodutiva para não sobrecarregar o planeta, é preciso reconhecer a ligação entre a criatura e a criação, não segregando a criatura na natureza (Phillip Blond). Cada nascimento não é apenas mais um número, mas sim a garantia da preservação de uma identidade cultural e biológica específica. Nesse sentido, nem a automatização, nem a imigração, podem ser respostas adequadas ao problema demográfico, porque esta não é uma matéria meramente económica (Viktor Orbán).

2. Definir a família, sem ambiguidade ou subterfúgios (Miklós Szánthó; Gergely Szilvay). A ambiguidade no momento de definir o que é a família impede que exista uma clara valorização e protecção desta instituição nas suas características e responsabilidades primordiais, como unidade de cooperação recíproca e de criação estável de descendência.

3. Recuperar a importância central da solidariedade entre gerações. Embora vivamos numa época que alimenta a ilusão de que os indivíduos podem autonomizar-se face às dependências familiares, os momentos de crise ocasionam sempre a redescoberta da família como derradeiro porto de abrigo mais seguro.

4. Fazer corresponder vantagem económica à parentalidade, em vez de pesada desvantagem (Viktor Orbán). Ainda que o investimento familiar se revista de um altruísmo que em grande medida escapa à lógica da escolha racional aplicada a outros investimentos, a verdade é que a criação dos filhos nas sociedades modernas é particularmente dispendiosa face àquilo que foi a regra ao longo da história, como bem documentam a Sociologia e a História da Família. O acesso à habitação está entre as áreas cruciais, conforme é reconhecido nas políticas promovidas na Hungria. Importa, pois, devolver utilidade e prestígio à tarefa que garante o futuro das nações.

5. Valorizar o trabalho não-remunerado (Madeleine Wallin). Atribuir reconhecimento e prestígio ao trabalho familiar, apesar de não existir uma remuneração correspondente, é um passo fundamental para compensar os esforços pessoais no lar. São horas de trabalho e dedicação que não se quantificam e que não devem ser depreciadas.

6. Ditar uma agenda cultural que promova a imagem da família, desafiando as imagens que denigrem e desincentivam a estabilidade da vida familiar nos países ocidentais (Varro Vooglaid; Frank Füredi; Éric Zemmour). Nem as tradições, nem as diferenças entre sexos, nem o valor dos antepassados são irrelevantes para o ser humano e esses factos devem ser promovidos positivamente pela capacidade de criar uma agenda própria, em vez de serem defendidos na forma de reacção à agenda contrária.

7. Compreender os filhos como propósito existencial. A reprodução e a subsequente criação dos filhos conferem sentido à vida e despertam o amor incondicional como nenhuma outra relação o faz (Mike Pence). Este apelo conduz a uma séria redefinição dos objectivos pessoais e das relações sociais (Madeleine Wallin). Implica admitir que correr apenas atrás de mais sucesso ou de mais consumo podem ser formas de vida que negligenciam as necessidades e potencialidades do ser humano (Andrej Babiš).

Sobressai desta Cimeira uma intenção consensual entre os governos envolvidos. Ao priorizarem a família, defendem-na como instituição central da sustentabilidade de nações prósperas, como depositárias por excelência do legado identitário do seu contexto social e cultural, e como motores de inovação e vitalidade económica e social. Nesse sentido, valorizar a família, mais do que ser uma postura compatível com a inovação e o respeito pelo meio ambiente, é a única postura sustentável a longo prazo. Estará o Ocidente receptivo a tais apelos?

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

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