observador.ptObservador - 26 out. 00:21

E ao sétimo Orçamento a esquerda quebrou

E ao sétimo Orçamento a esquerda quebrou

António Costa teve de escolher entre continuar no poder ou colocar o país em risco de um novo colapso financeiro. Num cenário destes, antecipar eleições é um mal menor.

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Ao sétimo Orçamento transformou-se num conjunto vazio a interseção dos objectivos do PS, do BE e do PCP. Mesmo com mais dinheiro, e à borla, a estratégia de dar com uma mão e tirar com a outra esgotou-se, como acabaram as medidas do tempo da troika que os socialistas aceitavam reverter. O PCP e o BE deixaram de conseguir fingir que não reparavam nos cortes na despesa que não se via e quiseram ir mais longe no virar a página, neste caso, do tempo da troika. E o PS deixou de poder conciliar o seu compromisso de redução do défice público com as cativações e as reversões. E o primeiro Orçamento de um Governo legitimado pelo voto prepara-se para ser chumbado dia 27 de Outubro de 2021. Com eleições antecipadas no horizonte.

O PCP anunciou o seu voto contra a proposta de Orçamento do Estado para 2022 nesta segunda-feira dia 26 de Outubro, depois de o BE ter feito o mesmo no Domingo dia 25. Nos dois dias o Governo fez questão de apresentar também a sua versão do que se tinha passado, acusando implicitamente o BE de ter sido intransigente – ou eram as suas nove medidas ou nada – e o PCP de não ter reconhecido que nunca tinha o Governo cedido tanto ao que lhe foi pedido. E assim, um dia antes de os deputados se reunirem para debater a proposta do Orçamento do Estado ficámos a saber que, com elevada probabilidade, seria chumbado, o que é igualmente inédito.

Como têm sublinhado os analistas políticos, o muro entre o PS e o PCP e BE não desapareceu, como se chegou a antecipar. Foi é criado um espaço, até ao muro, pelas políticas do ajustamento financeiro de 2011 a 2015. E com as sucessivas medidas foram-se aproximando do muro que nenhum moveu, nem quer saltar. Podia ter acontecido mais cedo se não fosse a pandemia. Vê-se aliás pela avaliação que o actual ministro das Finanças faz dos seis processos negociais: os primeiros dois orçamentos, ainda na era da Gerigonça, foram os mais fáceis. Unia-os medidas que queriam reverter, como o corte de salários da função pública. A seguir começou a ser cada vez mais difícil. O que há para “reverter” entra em princípios e valores de uma sociedade que choca com o modelo dos socialistas, pelo menos da maioria deles.

Regressar à legislação laboral que existia antes da troika é manifestamente impossível no quadro europeu em que Portugal vive, para já não falar dos efeitos que poderia ter no crescimento da economia. Aplicar a exclusividade aos médicos e enfermeiros ou rebentava com as contas públicas ou rebentava com o Serviço Nacional de Saúde. Dar um salto no salário mínimo para 850 euros já em 2022 seria um risco enorme para empresas que tentam recuperar da pandemia e enfrentam aumentos nos custos das matérias primas e da energia.

Já em cima do precipício, António Costa enfrentou um dilema que hoje se pode dizer que estava anunciado: manter o poder, cedendo ao modelo de sociedade do BE e do PCP e colocando o país em risco de colapso financeiro (outra vez pela mão de socialistas), ou aceitar o fim do seu poder para evitar exactamente esse risco. A par da possibilidade de não ter acesso aos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que, contrariamente ao que se possa pensar, contêm condições.

Claro que podemos ter muitas outras leituras do que se tem passado. Desde a leitura dos cálculos eleitorais, como quem ganha e quem perde com eleições antecipadas, sempre difícil de avaliar. Quem vai o eleitor penalizar por esta instabilidade política? Verdadeiramente não sabemos. Como podemos ler na decisão do PCP uma estratégia de controlo de danos: depois das suas sucessivas quebras de eleitorado, os comunistas podem ter decidido proteger melhor o que ainda têm, a sua força sindical, ela própria também ameaçada por novos sindicatos, alguns ligados ao Chega. No caso do BE, que abandonou o PS já no Orçamento de 2021, é mais difícil de perceber, uma vez que várias vezes se antecipou que a sua estratégia era aproximar-se do centro. Não parece ser assim e as explicações possíveis são a de considerar que está a perder o poder de atracção dos eleitores urbanos de protesto e de antecipar que a conjuntura se vai degradar.

É verdade que o horizonte não está isento de nuvens. Como aliás sublinhou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, a pandemia não acabou. Neste momento há novos focos e novas preocupações e partimos para o Inverno sem saber exactamente se a situação está controlada. Além dessa interrogação, há na frente económica vários riscos, nomeadamente a escassez de produtos, de matérias primas e da energia, tudo a desencadear uma subida de preços, o que danificará inevitavelmente o crescimento e poderá antecipar a subida das taxas de juro.

A qualquer momento os investidores, que nos emprestam o dinheiro e garantem uma gestão suave da redução da nossa dívida, podem acordar e considerar que não a conseguimos pagar. Foi exactamente isso que aconteceu entre 2010 e 2011 e que nos conduziu ao pedido de financiamento ao FMI e à União Europeia, com o ajustamento que todos sofremos. É esse risco que não podemos correr. E se foi o risco de colapso financeiro que determinou a posição do Governo e ditou este chumbo no Orçamento, as eleições antecipadas são o mal menor.

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