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Exame Informática | Aquele momento no tempo

Exame Informática | Aquele momento no tempo

As conferências Solvay marcaram a história da Ciência na primeira metade do século XX. Provavelmente a maior concentração de 'cérebros' por metro quadrado - a opinião da jornalista Sara Sá

“Apenas por convite”, ou “By invitation only”. Esta continua a ser uma prerrogativa das míticas conferências Solvay, mais de um século depois da sua primeira edição, em 1911. Nascidas da intenção, e dinheiro, do inventor do processo químico de produção do carbonato de sódio (amplamente utilizado no fabrico de sabão, papel, vidro), o belga Ernest Solvay, não é exagero dizer que hoje o mundo não seria o mesmo sem aquelas primeiras edições destes encontros científicos que reuniam la crème de la crème da Física e da Química.

Solvay sofria de uma doença pulmonar e por isso não frequentou a universidade, como desejava. Mas isto nunca o impediu de valorizar o conhecimento e com a fortuna que fez à conta do seu processo Solvay, ainda hoje utilizado, decidiu no final da vida montar este encontro de sábios, que se mantém até hoje mais ou menos nos mesmos moldes. Na sua primeira edição, a Física vivia tempos de grande efervescência. Efeito fotoelétrico, raios-X, radiação nuclear. Foi durante as conferências que Einstein e Bohr se encontraram para discutir a física quântica, que descreve o mundo ao nível do átomo e relativamente à qual tinham as suas divergências, nomeadamente quanto ao carácter determinístico ou não da matéria. Terá sido num destes confrontos de ideias que Einstein proferiu a famosa frase: “Deus não joga aos dados com o Universo.” Nesta edição de 1927, a quinta, ter-se-á batido o recorde de genialidade, com 17 dos 29 participantes a receberem o Prémio Nobel, sendo Marie Curie, a única mulher presente, laureada duas vezes. Num vídeo mudo, a preto e branco, feito durante a conferência é percetível o ambiente de festa que se vivia nestas discussões científicas e até a Madame Curie aparece rodopiante e sorridente, numa imagem bem diferente da que predomina nos registos fotográficos em que aparece normalmente sisuda.  

Da lista de ilustres fazem parte outros nomes maiores da ciência, como Max Planck, Ernest Rutherford, Paul Langevin e Marie Curie, que em várias edições se manteve como a única mulher presente na sala, e na fotografia, outra tradição que se mantém: uma foto de grupo, em pose, que fica como registo para a posteridade. Em mais de cem anos, a foto ganhou cor, diversidade e nacionalidades. O traje formal e engravatado foi dando lugar a roupas mais descontraídas. Os temas foram mudando, mas a pontaria para as grandes mentes não se perdeu. Fica a dica: se algum dia pretender apostar em vencedores do Nobel, uma boa pista é espreitar a lista de convidados, escolhidos por um comité de cientistas já consagrados.

Hoje em dia, as conferências já não terão o peso que tiveram no início do século XX. Todos os anos acontecem inúmeros encontros científicos, nos mais diferentes formatos, temas e audiências. Mas, nem que seja pela exclusividade e pelo peso da história, os Conseils Solvay são um caso à parte. E um sinal dos tempos. Se nas primeiras edições dominavam os alemães, austríacos e franceses, hoje é notório o predomínio americano. Numa fatura que a Europa, e a Alemanha em particular, ainda está a pagar à conta da política de extermínio das elites e dos judeus imposta por Hitler. Esta semana, João Araújo, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, contou-me uma história que ilustra bem a devastação que o ditador provocou na vida científica do país. Quando Hitler chegou ao poder, o departamento de matemática da Universidade de Gotinga era o mais importante do mundo. David Hilbert dirigia-o, tendo formado e influenciado várias gerações de matemáticos e físicos, como Einstein. Um dia Hitler perguntou-lhe: “É verdade que com a expulsão dos judeus o departamento ficou mais fraco?” Ao que o génio respondeu: “Isto é totalmente falso. O departamento está morto!”

Ganhou a América, que recebeu e acolheu nas universidades e institutos de investigação muitos destes cérebros em fuga. O que lhe permitiu ganhar a guerra (já que alguns deles acabaram por ser decisivos para o programa nuclear americano) e tornar-se ‘Great’.

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