jornaleconomico.sapo.ptAna Pina - 25 out. 13:42

Um país (des)ligado

Um país (des)ligado

O PRR é uma oportunidade, não só para recuperar os sectores mais atingidos pela crise, mas, fundamentalmente, para modernizar o país, e para isso, para além de discursos possantes, é preciso coragem e ação.

O novo século trouxe consigo um novo paradigma da mobilidade. Os agentes políticos abordaram-no com uma visão pouco holística, centrando as soluções nas zonas urbanas. As regiões periféricas, de baixa densidade populacional, ficaram assim reféns de planos secundários que, de forma transfigurada, em nada representam uma solução estruturada para as diferentes dimensões regionais.

Ao longo das últimas décadas, os padrões de mobilidade alteraram-se, alavancando políticas públicas que introduziram o transporte público como investimento prioritário, fundamentalmente nos centros económicos do país, como o Porto e Lisboa.

O serviço público de transporte garante aos cidadãos uma maior qualidade de vida. Com o aumento de tráfego, os transportes públicos possibilitam que os cidadãos se desloquem confortavelmente dentro da cidade, chegando ao destino de forma mais rápida e barata. O benefício desse investimento traduz-se também em vantagens substanciais para o ambiente, uma vez que o transporte individual é responsável por uma proporção substancial dos gases poluentes para a atmosfera.

Se, por um lado, eram demasiadas as evidências que a metodologia aplicada na mobilidade urbana tinha de ser refletida, sendo o investimento em transporte público a solução mais viável, por outro, também é notório que a mobilidade fora das principais cidades não está nos alinhamentos estratégicos do Governo.

Porventura, alguns podem até alegar que os municípios têm um papel a desempenham, o que, na minha opinião é totalmente correto. Mas não é intelectualmente honesto ser o poder local a “desenrascar” o Governo da sua inércia e da míngua vontade em providenciar investimentos que garantem, por exemplo uma rede ferroviária digna entre as regiões com menor densidade populacional.

Portugal é hoje composto por uma rede ferroviária tímida, desarticulada e incompleta. Se olharmos para o relatório de desempenho ferroviário datado de 2017, realizado pela consultora BCG, Portugal tinha a terceira pior nota num universo de 25 países europeus, atrás da Hungria e da Bulgária. A aclamada modernização e alargamento da rede ferroviária está atrasada e o ministro Pedro Nuno Santos refugia-se no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para garantir que as promessas serão cumpridas.

O PRR é uma oportunidade, não só para recuperar os setores mais atingidos pela crise, mas, fundamentalmente, para modernizar o país, e para isso, para além de discursos possantes, é preciso coragem e ação. Depois de anos em que o investimento esteve convergido na rede rodoviária, é urgente que a rede ferroviária seja reestruturada, não só numa ótica centrada nas zonas metropolitanas, mas também como forma de garantir que a mobilidade das regiões periféricas e do interior do país se possa concretizar de comboio.

O investimento da ferrovia não se cinge a um mero programa, deve antes ser um desígnio de um país que ambiciona equiparar-se aos melhores da Europa. A transformação na ferrovia deve passar pela modificação da bitola ibérica para a bitola UIC, utilizada em grande parte dos países europeus, na medida em que a sua utilização facilitará a circulação de mercadorias e pessoas para países do centro da Europa.

Outra questão de relevo prende-se com as velocidades permitidas na atual rede, as quais são, de modo geral, modestas. Exemplo disso são as três horas que uma viagem de comboio leva entre Lisboa e Porto.

A modernização da ferrovia em Portugal exigirá um esforço financeiro que terá efeitos positivos na economia e na coesão territorial. Exemplo disso é o Reino Unido que, com a sua rede ferroviária, consegue desenvolver áreas urbanas a 70/80 km do centro da capital, Londres.

Mesmo assim, o problema da mobilidade não se resolve apenas com uma rede ferroviária alargada. É necessário repensar políticas de coesão que mitiguem o envelhecimento do interior do país, que contrasta com a sobrelotação dos serviços e das vias de comunicação nas grandes áreas metropolitanas.

Uma política de coesão territorial terá de consistir essencialmente em dois mecanismos distintos: 1) a discriminação positiva ao nível dos impostos para empresas e famílias, que proporcionaria um aumento do rendimento líquido das famílias; 2) seguida de investimentos públicos na saúde e na educação por forma a garantir qualidade de vida e serviços de qualidade nessas regiões. Todos estes mecanismos devem ser concertados com o reforço de políticas de incentivo à instalação de empresas em regiões do interior.

Não existem soluções milagrosas para os problemas estruturais do país, no entanto, a coesão e a mobilidade são temas que exigem uma resposta urgente por parte dos agentes políticos. Devendo esta abranger vários instrumentos públicos e privados que convirjam na ideia de criar regiões competitivas para as empresas e que proporcionem aos cidadãos a melhor qualidade de vida possível.

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