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″Maternidades de Lisboa estiveram em contingência no fim de semana″

″Maternidades de Lisboa estiveram em contingência no fim de semana″

Mais de 40 doentes em macas nos corredores do hospital de Setúbal e urgências lotadas em Torres Vedras são exemplo da escassez de clínicos. Um problema recorrente que leva os médicos a reforçar alertas.

O outono ainda agora começou, a pandemia não terminou, a época gripal está a aproximar-se e os problemas de escassez de recursos humanos fazem-se sentir nos hospitais. Na segunda-feira, a Ordem dos Médicos (OM) alertou que havia "47 doentes em macas nos corredores" do serviço de urgência do Hospital de Setúbal (São Bernardo) devido à "carência crónica de clínicos". Mas o problema estende-se a outras unidades hospitalares.

"Ainda este fim de semana, as maternidades de Lisboa estiveram em contingência, nenhuma conseguiu transferir grávidas de um lado para o outro, porque as equipas estavam todas insuficientes", disse ao DN o presidente do Conselho Regional do Sul da OM, Alexandre Valentim Lourenço. "Não foi notícia porque já é tão frequente", lamentou, enquanto sublinha que a carência de recursos humanos "acontece em todos os hospitais".

Foi essa escassez que levou as maternidades da Grande Lisboa, como a Alfredo da Costa, a de Santa Maria, a do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora/Sintra), Beatriz Ângelo, em Loures, as dos hospitais de Vila Franca de Xira e Garcia de Orta, a ativar planos de contingência, conta Alexandre Valentim Lourenço. "Quando têm insuficiência de recursos comunicam ao INEM e depois não há desvios de doentes que não sejam da própria área do CODU", explica.

Maternidades estavam com menos pessoal do que é recomendado, diz Ordem dos Médicos

No sábado e domingo (18 e 19 de setembro), as maternidades de Lisboa estiveram "todas em contingência" e "nenhuma recebeu ninguém porque estavam todas com falta de médicos, quer da anestesia quer obstetras", detalhou o presidente do Conselho Regional do Sul da OM.

Com a falta de clínicos, as maternidades acionam os planos de contingência, o que significa que limitam o número de camas para trabalho de parto de acordo com o número de médicos. No fim de semana, as maternidades de Lisboa "não conseguiam deslocar doentes, se tivessem doentes a mais, de um sitio para o outro, porque estavam todas com menos pessoal do que é recomendado", explicou. "Continuaram a funcionar, não aconteceu nada de anormal, não morreu ninguém, e como já estão em contingência frequentemente ninguém ligou muito", lamentou Alexandre Valentim Lourenço.

"Sei que os médicos resolveram todos os problemas, estavam lá, porque as maternidades não deixam de ter ter médicos. Só que em vez de terem quatro ou cinco têm três ou dois e, por isso, os médicos trabalham mais, correm mais riscos, mas conseguiram resolver os problemas", afirmou. "Nunca é bom estarmos a trabalhar sem as condições de seguranças mínimas garantidas", acrescentou.

Há cada vez mais tarefeiros nas urgências a "ganhar muito mais e com menos qualificação"

"Estamos a acabar o verão, as férias ainda continuam a persistir e, por isso, neste momento continua a haver dificuldades em preencher as escalas", considerou. Uma situação recorrente, disse, referindo que continuam a existir problemas noutras escalas. "As pediatrias continuam todas da mesma maneira, nas urgências há cada vez menos médicos do hospital e estão cada vez mais tarefeiros que veem de fora a ganhar muito mais e com menos qualificação", pormenorizou.

No início da semana, a OM constatou no terreno a escassez "crónica de clínicos" no Hospital de Setúbal, que tinha mais de 40 doentes em macas nos corredores dos serviços de urgência. "A situação era muito grave", considerou o médico, sublinhando que todos os médicos manifestaram o problema e que "estão unidos na vontade de melhorar o hospital, mas não têm meios para o fazer".

Por ocasião da visita a esta unidade hospitalar, Alexandre Valentim Lourenço referiu à Lusa que o hospital confronta-se com uma "carência crónica de médicos que tem piorado cada vez mais", ao mesmo tempo que as "obras que estão previstas há mais de cinco anos no serviço de urgência ainda não começaram".

"Esta pandemia apenas mascarou as graves deficiências do hospital", disse. Referiu que nos últimos dois anos, o hospital "não tem conseguido captar" os médicos que terminam a especialidade na própria unidade de saúde e que, "por dificuldade de contratação imediata", acabam para ir para outros hospitais públicos ou privados.

De acordo com Alexandre Valentim Lourenço, o hospital "contrata sistematicamente empresas externas que enviam tarefeiros que não têm nenhuma ligação ao hospital" e que não resolvem a falta de clínicos em algumas especialidades.

A 25 de agosto, o Hospital de Setúbal reconheceu dificuldades na contratação de médicos para as escalas das urgências, mas garantiu que o serviço estava a funcionar normalmente.

Segundo informação dada à Lusa pelo gabinete de comunicação do centro hospitalar, o número de médicos no hospital tem aumentado nos últimos três anos e passou de 393 mais 82 em regime de "prestação em regime individual" em 2018, para 400 mais 100 prestadores de serviços em 2020, não tendo fornecido números relativos a 2021.

Ordem dos Médicos começou a receber pedidos de escusa de responsabilidade de médicos do Hospital de Vila Franca de Xira

Para o presidente do Conselho Regional do Sul da OM, na origem do problema da escassez de de clínicos está, por exemplo, o facto de o número de médicos que se tem reformado ao sair dos hospitais ser muito superior ao de médicos que entram com contratos efetivos. Alexandre Valentim Lourenço refere ao DN que "não é com contratos de tarefeiros ou com contratos de seis horas ou de 20 horas" que o problema se resolve.

Um problema que se estende a outros hospitais, reforçou Alexandre Valentim Lourenço, indicando, por exemplo, a urgência do Hospital Amadora/Sintra que "continua a ser muito difícil".

"Não havia problemas no Hospital de Vila Franca de Xira nos anos anteriores, desde que deixou de ser uma parceria público-privada [PPP] começamos a receber novamente pedidos de escusa de responsabilidade profissional por parte dos médicos dizendo que as equipas são insuficientes", revelou ao DN.

Pedidos de escusa que a Ordem começou a receber no início do verão, "porque antes o hospital tinha autonomia para contratar". "A partir do momento em que deixou de ser uma PPP há médicos que estão a sair e as condições estão a degradar-se", disse Alexandre Valentim Lourenço, referindo que a Ordem tem recebido pedidos de escusa de outros hospitais. "Mas do Hospital de Vila Franca de Xira não recebíamos há sete ou oito anos. É mais um que se junta ao rol de problemas".

E o presidente do Conselho Regional do Sul da OM manifesta o receio de que aconteça o mesmo nos hospitais de Cascais e Beatriz Ângelo, quando deixarem de serem geridos por uma parceria público-privada, o que deverá acontecer no inicio do próximo ano.

Urgência de Torres Vedras teve de encaminhar doentes críticos para outras unidades

Também confrontada com problemas na capacidade de resposta, a Urgência Geral do Hospital de Torres Vedras teve de reencaminhar os doentes críticos para outras unidades, devido à elevada afluência de pessoas, o que provocou o congestionamento do serviço, informou na terça-feira a administração do Centro Hospitalar do Oeste (CHO).

Os doentes críticos foram "reencaminhados pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) para outras unidades hospitalares, de acordo com a situação clínica", confirmou à Lusa o conselho de administração (CA) do CHO, onde se insere o Hospital de Torres Vedras.

De acordo com a administração, a Urgência Geral da Unidade de Torres Vedras "tem estado muito congestionada nos últimos dias, devido à elevada afluência de doentes", situação que motivou o reencaminhamento dos pacientes críticos.

Num mail enviado à Lusa, o CHO clarificou que as urgências não foram encerradas, mas apenas "bloqueadas para o CODU/INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica)".

Nesta quarta-feira, em declarações à RTP, a presidente do Conselho de Administração do CHO, Elsa Baião, referiu que a situação no serviço de urgência já se encontra normalizada, após o pico de afluência registado na terça-feira.

A situação foi denunciada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM) num comunicado em que afirmava que o Serviço de Urgência estaria "encerrado às ambulâncias e aos cidadãos".

"Desde ontem [segunda-feira] à noite, dezenas de macas acumulam-se, com equipas que chegam a ser um especialista e um interno e que ainda têm de assegurar a urgência interna", refere o comunicado publicado no 'site' do sindicato.

O SIM divulgou ainda um ofício enviado à presidente do Conselho de Administração do CHO, Elsa Baião, em que exige a contratação de médicos, depois de ter tido conhecimento de que "as equipas do Serviço de Urgência de Torres Vedras não cumprem os níveis de segurança necessários, exigidos pelos critérios mínimos definidos pela Ordem dos Médicos".

O SIM considera tratar-se de "uma situação inadmissível, que coloca em risco a segurança na prestação de cuidados à população abrangida por esta instituição".

No ofício, o sindicato apela ao CA, ao Governo e à Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo para que "contrate médicos, ou que crie condições que facilitem a sua contratação, para agilizar a resolução desta situação quanto antes".

O Centro Hospitalar do Oeste integra os hospitais das Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche, tendo uma área de influência constituída pelas populações dos concelhos das Caldas da Rainha, Óbidos, Peniche, Bombarral, Torres Vedras, Cadaval e Lourinhã e de parte dos concelhos de Alcobaça e de Mafra.

Estes concelhos dividem-se entre os distritos de Lisboa e Leiria e representam uma população de cerca de 293 mil pessoas.

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