visao.sapo.ptClara Cardoso - 2 ago. 08:48

Visão | Finalmente, a abertura!

Visão | Finalmente, a abertura!

No essencial, parece que é desta que o vírus se tornará endémico, continuando entre nós como outros vírus, mas sem consequências maiores para as nossas vidas

Na passada semana, o governo anunciou, finalmente, o tão esperado plano de desconfinamento total. Foi uma notícia já esperada e que reuniu o consenso dos especialistas, dos políticos, dos empresários e, sobretudo, dos cidadãos em geral. Apesar de estarmos ainda em plena 4ª vaga, à entrada da 75ª semana de Covid em Portugal, os sinais de diminuição de novos casos são já evidentes e os riscos de doença grave ou fatal são cada vez mais diminutos. A forte redução dos riscos, com o robusto sucesso da vacinação, o cansaço das pessoas, os prejuízos para a economia e os exemplos que vêm do estrangeiro, foram determinantes neste passo assumido pelo governo. Nos meses de agosto, setembro e outubro entraremos em etapas sucessivas de redução de medidas de confinamento, culminando na abertura total da sociedade sem especiais limitações, no início do ano-letivo. Espera-se que, entretanto, tenhamos atingido a imunidade de grupo, com mais de 70% da população totalmente vacinada.

Importa referir que não estamos isentos de novos recuos, se o vírus sofrer mutações por esse mundo fora que criem formas de contágio novas e que furem a eficácia das atuais vacinas. A tudo isto e aos fenómenos de novas infeções em pessoas já totalmente vacinadas, o governo terá que responder naturalmente com novas medidas, pelo que deveremos estar conscientes destes riscos e prontos para aceitar estes reveses.

Mas, no essencial, parece que é desta que o vírus se tornará endémico, continuando entre nós como outros vírus, mas sem consequências maiores para as nossas vidas. Curiosamente, atravessamos neste longo processo já com cerca de 20 meses, fases marcadas por palavras-chave que importa recordar: a) “máscaras”, agora reconhecidas como decisivas para travar a contaminação e que até poderão continuar como boa prática de saúde pública nos períodos mais intensos de gripe; b) “testes”, como forma de medir o pulso à “popularidade” do vírus e tentar também antecipar o conhecimento sobre novos casos e assim travar a sua proliferação descontrolada; c) “vacinas”, a única solução efetiva e tranquilizadora para todos nós, cujos resultados são hoje irrefutáveis. Nalgumas fases deste longo combate, fomos tendo a presença de forças de oposição que ora eram contra as máscaras, ora eram contra os testes, ora eram contra as vacinas. Este negacionismo tribal que envolveu até alguns dos nossos partidos políticos com representação parlamentar, não só pelo discurso mas também pelos péssimos exemplos que deram em momentos críticos, ficarão para a história como pequenos incidentes de percurso, mas marcantes para a sua própria credibilidade política.

Ocupamos neste momento a pior posição na EU quanto aos óbitos nos últimos 14 dias por milhão de habitantes (ECDC, 29 de julho), com o valor de 13,31 e a 5ª pior posição no que concerne ao número de casos por 100 mil habitantes (436,22). São, apesar de tudo, valores baixos quando os comparamos com as duas últimas vagas (a de outubro/novembro e a que se seguiu ao Natal). Por isso, penso que o governo andou bem em decidir vincular-se a um plano de retoma da vida normal, mesmo com uma situação ainda de algum risco. Confiou totalmente no processo de vacinação e fez bem, porque será no ritmo com que passaremos à vacinação dos mais novos que o vírus cederá finalmente.

Simultaneamente, com esta decisão, o governo criou um clima generalizado de otimismo e de confiança, propício para reanimar o que resta deste verão, até agora tão pouco movimentado. Esperemos que o turismo se reanime nestes próximos dois meses e a vontade dos portugueses em sair do seu casulo pode estimular um período de euforia bom para a economia, mas que não será tão bom para a prevenção dos riscos da Covid. Bom senso, equilíbrio nos nossos comportamentos e um novo tempo mais livre e descontraído, serão uma janela aberta para a entrada de ar fresco que nos prepare para o próximo ano de trabalho e de estudo, que a todos nos reanime para a vida social após um longo e perturbador interregno.

Entretanto o SNS terá que recuperar o tempo perdido com os doentes não covid, uma fatia importante de portugueses que viram as suas necessidades adiadas, por vezes com o agravamento da sua situação clínica. Será também um novo tempo, após a aprendizagem positiva que resultou de mais trabalho em equipa, menos “balcanização” de recursos hospitalares, mais cuidados na comunidade, um novo impulso na utilização do digital para acompanhar os doentes, com mais conforto, mais personalização e menos deslocações.

Os milhões que agora vêm com a bazuca europeia devem ser bem orientados no SNS, promovendo mais organização, mais consistência na prestação e menos desperdício de recursos humanos. Investir em cimento armado apenas no indispensável, evitar aquisições de tecnologia, por moda ou para conforto de alguns egos, travar a euforia desmesurada de recrutamento de mais pessoas, por vezes nas áreas aonde são menos necessárias, mas aonde a pressão das corporações é maior, alterar radicalmente os modelos de carreiras, criando incentivos e gerando atratividade para a dedicação plena, sobretudo dos médicos, modernizar os sistemas de informação, criar uma rede única e integrada que sustente os processos clínicos dos doentes, privilegiar a proximidade em vez das instituições, melhorar radicalmente o acesso, com horários de funcionamento dos serviços das 8 às 20h em toda a rede pública, diminuir as urgências e, consequentemente, o valor obsceno de horas de trabalho médico aí gastas, de tudo isto deve ser feita a evolução do nosso SNS. A falta de visão e a aposta sistemática nos mesmos vícios poderão tornar-se em mais uma oportunidade perdida.

Até setembro e boas férias!

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BOLETIM DE RISCO SARS- CoV -2 (74ª semana – 26 de julho a 1 de agosto) (estimativa com os valores registados até sábado – 31 de julho):

  • Índice global de risco: 0,9298 (baixo)
  • Tendência: subida
  • Cor do semáforo: verde
  • Dimensão pior: positividade dos testes (1,70) – risco elevado
  • Dimensão melhor: Número de doentes internados em existência média diária (0,661) – baixo risco.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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