observador.ptObservador - 1 ago. 00:04

Autocracia (II)

Autocracia (II)

É necessário retirar a esquerda e a extrema-esquerda do poder. Mas a solução política para tal não pode incluir a extrema-direita. Substituir a extrema-esquerda pela extrema-direita é mais do mesmo.

No artigo anterior referi que as democracias não são perenes, podendo implodir devido á acção dos agentes democráticos, incluindo aqueles que exercem funções de soberania.

Uma das melhores formas de preservar a democracia é manter os demagogos e extremistas fora do poder e do interior dos partidos democráticos. É essencial isolar e afastar aqueles que pretendem destruir a democracia por dentro. E, quando os extremistas demagogos emergem como sérios candidatos, a solução passa por formar uma coligação única para os derrotar, porque o valor e a preservação da democracia têm de ser superiores aos interesses partidários.

A história está repleta de exemplos que demonstram precisamente isto Steven Levitsky e Daniel Ziblatt referem-nos no seu livro “How Democracies Die”. Eis alguns:

  1. Em 1929, a frágil democracia finlandesa foi posta à prova com o aparecimento do Movimento Luapa, de extrema-direita, que defendia a erradicação do comunismo sem olhar a meios, advogando abertamente o uso da violência para esse efeito. Vendo ganho político nesta posição, os governantes da União Agrária, de centro-direita, acederam às exigências e não só toleraram a violência da extrema-direita, como também negaram direitos políticos aos comunistas. Em 1930, o conservador P. E. Svinhufvud, chegou a Primeiro-ministro e deu duas pastas no Governo aos extremistas. Um ano mais tarde, Svinhufvud tornou-se Presidente da Finlândia. Contudo, mesmo após a eliminação do partido comunista, o Movimento Luapa mantinha a sua postura radical e virava-se agora contra os sociais-democratas. Perante o aumento desta atitude extremista e intolerante, os partidos finlandeses tradicionais romperam com o Movimento Luapa. Numa inequívoca demonstração de apoio à democracia, a União Agrária, os Liberais do Partido Progressista e o Partido do Povo Sueco uniram-se aos seus rivais, os Sociais Democratas, numa coligação contra os extremistas de direita. Até Svinhufvud apoiou esta solução. Daqui resultou o isolamento e os posterior desaparecimento político do Movimento Luapa.
  2. Em 1936, durante as eleições gerais da Bélgica, dois partidos autoritários de extrema-direita, o Partido Rexista, e o Partido Flamengo Nacionalista (VNV), que rejeitavam o valor da democracia desafiaram o domínio histórico dos partidos tradicionais belgas: O Partido Católico, o Partido Socialista e o Partido Liberal. O Partido Socialista ganhou as eleições, mas ficou aquém do apoio parlamentar suficiente para formar governo. Cientes da antidemocracia que grassava a Itália e a Alemanha, com a mediação do rei, e apesar de algumas desconfianças, Socialistas, Católicos e Liberais colocaram a democracia à frente de seus próprios interesses e formaram um governo de coligação. Até à invasão alemã, a democracia subsistiu.
  3. Mais recentemente, a Áustria e a França deram exemplos semelhantes. Em 2016, os conservadores austríacos apoiaram Alexander Van der Bellen (Partido Verde), obstando à eleição do radical de extrema-direita Norbert Hofer. Em 2017, o conservador francês François Fillon incentivou ao voto em Emmanuel Macron para manter Marine Le Pen fora do poder. Em ambos os casos, os políticos de direita endossaram rivais ideológicos. Foram criticados pelas próprias bases partidárias, mas incentivaram um número substancial de seus eleitores para manter os extremistas fora do poder.

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Mas a história também registou episódios em que os políticos validaram demagogos autocráticos. Rafael Caldera, por exemplo, um dos fundadores da democracia venezuelana, foi indispensável para a subida de Hugo Chávez ao poder. A crise económica da década de 1980, corroeu a democracia venezuelana e. em 1992, liderados por Chávez, um grupo de militares, autodenominados os “bolivarianos”, tentaram depor o Presidente Andrés Pérez. Caldera, que estava no ocaso da sua carreira política, fez, na noite da tentativa do golpe, um discurso de apoio a causa dos rebeldes que ressuscitou a sua imagem. Abandonou o Partido Social Cristão de centro-direita (COPEI) que ajudou a fundar e, em 1993, lançou uma candidatura presidencial independente bem-sucedida. Contudo, ao optar por credibilizar os golpistas, em vez de os denunciar, Caldera abriu o caminho de Chávez à Presidência. O perdão presidencial a Chávez foi instrumental para esse fim. Após a sua libertação, questionado sobre para onde se dirigia, Chávez respondeu: “Ao poder”. Cinco anos depois, Chávez sucedia a Caldera na Presidência da Venezuela. As coisas teriam sido diferentes se Caldera tivesse deixado que Chávez fosse julgado para só depois o indultar.

E, obviamente, convém não esquecer o que aconteceu na Alemanha em 1933. A instabilidade política, económica e social levou ao poder o maior demagogo da história, o torcionário racista Adolf Hitler, como líder de um governo que, no início, contou com o apoio de políticos influentes, como Franz von Papen e Alfred Hugenberg, e de fações conservadoras, como forma, também, de combater o marxismo.

António Costa seguiu precisamente este caminho. Há vinte e dois anos que os demagogos da extrema-esquerda estão no Parlamento Português. Mas sem António Costa, o BE não passaria duma franja política radical sem importância. Infelizmente, foram validados pelos socialistas e aproveitaram para minar a democracia através da doutrinação, do sectarismo e da discriminação, abusando até ao ponto da extrema-direita se materializar partidariamente.

É urgente retirar a esquerda do poder e afastar os demagogos. Mas não a todo o custo. O que significa encontrar uma solução sem incluir a extrema-direita. Os extremos partilham as mesmas características. São antidemocráticos, anticapitalistas, antiliberais, estatistas e ditatoriais. Logo, não se pode compactuar com ambos. Substituir a extrema-esquerda pela extrema-direita como solução governativa não afastará o espectro duma autocracia ou duma ditadura. Antes pelo contrário.

Só o liberalismo dará futuro a Portugal.

A Iniciativa Liberal, que recusa todo e qualquer extremismo, jamais comprometerá as suas convicções, persistindo, sem hesitação, na defesa da liberdade através de reformas e de políticas que potenciem a capacidade individual, que reforcem o espaço democrático e moderado, e que garantam crescimento económico e estabilidade social e política.

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