visao.sapo.ptsvicente - 21 abr. 19:27

Visão | Menores em fuga

Visão | Menores em fuga

Um miúdo, que conheceu por acaso devido à sua profissão e por breves minutos, veio ao seu encontro desesperado. Trata-se dum menor do Kuwait, à guarda do Estado Português e que fugiu da instituição onde estava. Depois de ter dormido ao relento e cheio de fome, foi esperá-la à porta do trabalho e pediu ajuda

Os crimes mais ignóbeis nem sempre são cometidos à margem da lei.

Pelo contrário usam-na para sustentar as suas ações e até muitas vezes conseguem revesti-las de uma aura de mecenato, bem-fazer, caridade, serviço-público… talvez por isso sejam duplamente ignóbeis.

Ontem, à hora do jantar, recebo um telefonema de alguém que diz ter “uma bomba nas mãos” e não sabe o que fazer!

.

O rapaz está naquela idade entre os 16 e os 18 anos em que é difícil saber-se ao certo que idade tem. Passou pelo tribunal e foi sujeito a testes médicos que provaram a sua condição de menor, uma vez que não tem um único documento consigo.

Foi entregue a uma instituição há cerca de seis meses e prali está, sem saber o que o destino lhe reserva.

Diz que tentou suicidar-se nestes tempos de rua. Que não aguenta mais. Que está completamente só. Não tem ninguém à sua espera, nem no país que deixou nem na Europa. Sozinho no mundo!!! Eventualmente algum tio distante que ficou para trás, mas, de resto, nada a não ser o vazio mais completo.

A gota de água terá sido o início do Ramadão.

Sem qualquer laço afetivo, mesmo o mais empedernido se volta para uma entidade divina em busca de esperança. Na instituição não querem saber do Ramadão nem dos preceitos religiosos. Como se entre nós não houvesse também a Quaresma onde muitos jejuam e outros se abstêm de carne. Mas isso somos nós.

Este meu contacto pede-me conselho e eu não sei o que lhe responder a não ser que o convença a voltar à instituição, que as coisas hão-de resolver-se (andem lá com isso!!!), que tudo é melhor que estar na rua sem proteção.

Estas crianças já viveram horrores que nenhum de nós algum dia (felizmente!) viverá! Já viram cenas que ficarão com eles para sempre. Já experienciaram o inferno.
Acolhê-los mantendo-nos em instituições é mais do mesmo. O que estes jovens e crianças precisam é daquilo que não têm: uma família!

Menti!!! Talvez para o proteger a ele e a mim. Talvez apenas para adiar um desfecho mais trágico.

Este problema dos menores não acompanhados e do seu acolhimento e integração não é apenas nosso e o que se passa em Portugal passa-se, infelizmente, na grande maioria dos países da União Europeia.

Trata-se de dividir um subsídio dado por cada um destes pobres desgraçados, pelas diferentes instituições, que os mantêm segundo uma escala à sua guarda e passam-nos à seguinte.

Um negócio, nem mais nem menos!

Ora, estas crianças já viveram horrores que nenhum de nós algum dia (felizmente!) viverá! Já viram cenas que ficarão com eles para sempre. Já experienciaram o inferno.

Acolhê-los mantendo-nos em instituições é mais do mesmo. O que estes jovens e crianças precisam é daquilo que não têm: uma família!

Há exemplos de projetos com famílias tutoriais ou de acolhimento, noutros países com resultados muitíssimo bons.

Entre nós, e com a ajuda das autarquias, seria fácil de implementar uma vez que detemos já este modelo de famílias para outros casos de crianças em situação de risco ou abandonadas.

Trata-se apenas de selecionar e identificar as famílias através de critérios básicos: idoneidade, que pelo menos um dos membros fale inglês ou francês (há crianças francófonas, embora em menor número), de preferência com filhos na mesma faixa etária e entregar estas crianças, sob supervisão, a estas famílias que, naturalmente, não poderão adoptá-las.

O subsídio seria também, e à imagem de outros países, entregue pelo organismo responsável, à medida que se fosse vendo da capacidade de adaptação da família ao novo membro e vice-versa. Nos países onde isto acontece, o montante mensal começa por ser dividido em tranches semanais, que passam a quinzenais e, por fim, a mensais.

Mas podem tudo o resto: acompanhá-las na escola, envolvê-las num ambiente familiar, dar-lhes carinho, acompanhá-las no seu percurso de integração, vê-las crescer ou, em alternativa, e, se for o caso, ajudar a encontrar, juntamente com as autoridades, ao reagrupamento com a família.

Isto é humanismo e isto era o que devia estar a ser feito.

Somos ótimos a arranjar instituições e leis e procedimentos e… esquecemo-nos do essencial: as pessoas.

A integração e o acolhimento tem que deixar de ser um mercadejar de fatias do bolo dos subsídios, para passar a ser um processo de pessoas para pessoas.

Não há tempo a perder!

O caso relatado não é o único e não será certa e infelizmente o último.

Os textos de opinião refletem apenas a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

NewsItem [
pubDate=2021-04-21 20:27:25.0
, url=https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/igualmente-desiguais/2021-04-21-menores-em-fuga/
, host=visao.sapo.pt
, wordCount=735
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2021_04_21_459406913_visao-menores-em-fuga
, topics=[manuela niza ribeiro, opinião, igualmente desiguais]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]