www.jn.ptjn.pt - 15 abr. 01:00

Aos muros altos

Aos muros altos

Era tão lindo o pequeno muro da minha rua. Aliás, toda a minha rua. As árvores da minha rua. O passeio, em quadradinhos, da minha rua. As paredes das casas, contra as que eu mandava bolas nas tardes em que mais ninguém podia jogar comigo à bola.

Que linda era a minha rua! Virada para o comboio, o pôr-do-sol à esquerda, lá ao fundo. Lembrando-me, a praia será sempre por ali.

O murinho, cheio de triângulos onde eu espreitava para ver melhor o comboio a passar. O comboio bonito que passava na minha rua.

Que linda era a minha rua quando eu me encostava a uma árvore para o meu pai me fotografar com a minha irmã, ele que andava em ziguezague às vezes para contornar com graça a porcaria dos cães.

E quando deitaram abaixo aquele muro, para erigir um outro muro, muito alto, era na tentativa de nos proteger contra o ruído dos novos comboios, que seriam muito mais velozes e invasivos, disseram. A força do progresso passará na vossa rua.

E assim invadiram a minha rua com um muro enorme.

Foi aí, nesse momento, que deixei de sentir que aquela rua era minha.

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Porque lhe arrancaram as árvores que eram as minhas árvores favoritas do Mundo. Eram aquelas as minhas árvores. E subiram o muro mais alto que, em troca de alegada protecção auditiva, nos roubou a vista imensa sobre o verbo viajar.

Que mania, erigir muros altos. Que nos separam da vida e dos outros e às vezes de nós mesmos.

Alguém fica feliz com muros altos? Não.

NÃO! aos muros altos do Mundo inteiro.

Artista

o autor escreve segundo a antiga ortografia

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