observador.ptObservador - 15 abr. 00:01

Os partidocratas

Os partidocratas

Se não existir renovação, corremos o risco de um ainda maior fraccionamento do sistema partidário ou até do colapso de alguns partidos.

Em Portugal, ouve-se muito que não há insubstituíveis e que o cemitério está cheio deles (dos insubstituíveis). Sei, por experiência própria, que tal é verdade no mundo empresarial. Ao contrário, nos partidos políticos, encontra-se amiúde quem assim não pense, preferindo tal gente, em alternativa, o orgulhoso – e presunçoso – adágio popular: depois de mim virá quem bom de mim fará.

De fora, os que assistem ao espectáculo – indecoroso – de adultos a espernear para não serem substituídos nos seus cargos partidários, ganham aversão a algo que é nobre – a política. Em consequência, concluem que o mal está nos partidos políticos. Mas não está. A culpa é das pessoas. Há que separar entre partidos e partidocratas.

É, assim, minha intenção, tentar elucidar o leitor para o seguinte: os partidos não nasceram para albergar quem não sabe fazer mais nada, ou para criar uma casta, mas sim para responder a anseios e necessidades da sociedade. Vamos, então, por partes.

Os partidos nascem, basicamente, de clivagens (Lipset). Estas clivagens (patrões vs. trabalhadores, p.ex.) produziram – no mundo ocidental em particular – partidos e, consequentemente, sistemas partidários bastante estáveis. No entanto, é perceptível que algo tem vindo a mudar.

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Em Espanha, o sistema partidário transfigurou-se com o Podemos, o Ciudadanos, o Vox, etc. Em Itália, um comediante funda e baralha o espectro eleitoral com o Movimento 5 Estrelas. Na Grécia, o PASOK – em seis anos – passou de partido mais votado (44%, em 2009) para 4º lugar (6,3%, em 2015) e, em 2019, coligado, não passou dos 8%. Em França, a Frente Nacional cresceu como nunca e os partidos tradicionais desapareceram.

Em Portugal, no rescaldo da troika, PS e PSD perdem votos, levando o PS a construir uma solução com a extrema-esquerda, que, até então, nunca tinha sido chamada a fazer parte de uma solução.

Que factores explicam estas mudanças e esta instabilidade em sistemas partidários até agora vistos como consolidados?

Em primeiro lugar, existem momentos históricos críticos que alteram radicalmente o cenário político. Um bom exemplo foram os resgates financeiros que ocorreram em alguns países europeus entre 2010 e 2012.

Em segundo lugar, existe o papel da transformação social. Processos de mudança social desembocam em novos partidos e em mudanças eleitorais, ainda que nem sempre de forma imediata. Por exemplo, o aparecimento de partidos liberais tout court, ecologistas ou de defesa dos animais, reflectem o surgimento de novas clivagens sociais, através de um eleitorado que valoriza questões ambientais, estilos de vida alternativos ou valores libertários no domínio individual e social.

Em terceiro lugar, podem referir-se os “empreendedores políticos”, que formam novos partidos (ou dinamizam partidos mais antigos, mas secundários), colocando em cima da mesa temas que os partidos estabelecidos negligenciaram. A Frente Nacional, o UKIP e o Chega são disso exemplos.

Em quarto lugar, há que considerar o crescimento do populismo. Na base do conceito de populismo, está a noção da oposição entre o povo – honesto, esforçado e trabalhador – e uma elite corrupta.

Em quinto lugar, e trazendo de volta o assunto que aqui nos trouxe, temos, em Portugal, um conjunto de políticos que pensam apenas em si próprios e que, com a sua postura, afastam as pessoas da vida partidária. São os partidocratas. E são estes que bloqueiam um recrutamento mais qualificado e mais diversificado dentro dos partidos, usando um grande controlo oligárquico no acesso de novos elementos a posições de destaque. Tal acontece por orgulho (nas suas capacidades – normalmente desproporcionado) e preconceito (para com quem os vai substituir) mas, igualmente, por receio (do desconhecido) e presunção (sem eles, o desastre é certo).

No nosso país e em apenas 15 anos – 2000 a 2015 –, segundo o Eurobarómetro, a confiança dos Portugueses nos seus partidos políticos caiu de 18% (já de si baixa) para 11%. Esta situação de insatisfação continua e deu lugar ao aparecimento de novos actores – PAN, IL, Chega – que captaram os votos dos descontentes. Talvez estes dados fizessem estes políticos tentar perceber o porquê do afastamento da sociedade face aos partidos, mas a verdade é que o orgulho cega e o preconceito não é bom conselheiro.

Quem se quer agarrar a lugares, não consegue compreender que a reacção ao fechamento dos partidos a caras novas, provoca: 1) a acomodação de quem fica — perdendo o partido a garra daqueles que querem fazer diferente; e/ou 2) a saída dos mais motivados, levando à multiplicação de partidos. Esta última situação não é saudável para a governabilidade do país, especialmente em face do nosso sistema eleitoral – que beneficia a proliferação dos pequenos partidos no Parlamento. Se não existir renovação, corremos o risco de um – ainda maior – fraccionamento do sistema partidário ou até do colapso de alguns partidos.

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