jornaleconomico.sapo.ptAna Pina - 14 abr. 14:05

O caso Marquês no capitalismo

O caso Marquês no capitalismo

O bem-estar comum é a razão de ser dos decisores públicos – eleitos ou não. No ato de corrupção, o decisor público renega a sua obrigação para com o interesse geral da sociedade, tornando-se cúmplice do interesse privado.

É possível discutir corrupção sem discutir o sistema económico vigente? À luz de mais um episódio do caso Marquês, as análises afunilam-se na competência dos juízes e procuradores, no papel dos partidos, na burocratização, na cultura judiciária, na reforma jurídica, na promiscuidade, nos prazos jurídicos, nos recursos, etc. Todos estes fatores poderão ser interessantes, mas pouco nos dizem enquanto não nos debruçarmos sobre a dinâmica económica que germina a corrupção, explícita na tensão entre o lucro e o interesse comum.

As decisões políticas incidem sobre diversos setores, citando apenas alguns: as infraestruturas públicas, os contratos de prestação de serviços, licenças ambientais, regulação laboral, o espaço digital. Ao zelar pelo interesse comum, as políticas responderiam às necessidades da sociedade como um todo. No entanto, não existindo tal coisa como decisões políticas isoladas de pressões sociais, qualquer agente almejará impactá-las.

É de menor relevância quais os mecanismos que são usados, ou se estes correspondem a uma definição formal de corrupção. Desde as portas giratórias aos patrocínios, a deturpação de políticas públicas a favor de empresários é persistente e lesiva. Mecanismos como a formalização do lobbying não a eliminam, seja em que parte do mundo for. O fosso entre o capitalismo e a democracia é ocupado pela subversão do bem comum por parte dos lucros privados, sendo a corrupção a forma mais descarada.

Quando historiadores de outros tempos discutiam o sucesso de governantes, frequentemente apontavam para as suas qualidades morais, a sua adesão à fé e até à castidade das suas mulheres. Hoje cometemos um erro parecido quando estudamos a corrupção, negligenciando a sua raiz económica e sobre-enfatizando a moral dos indivíduos (ou a ausência dela).

Este erro não é inócuo: serve o propósito de esterilizar o debate, transformando-o numa telenovela. A questão essencial é o interesse da elite que corrompe para avançar os seus lucros. Outras formas de subversão do interesse público existem e são nocivas. Saltar estes fatores é um serviço à corrupção.

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