dinheirovivo.pt - 14 abr. 17:30
Quantas vidas tem José Sócrates?
Quantas vidas tem José Sócrates?
A marca Sócrates foi afrontada / questionada / posta em causa durante sete anos. Durante este tempo, assistimos através das televisões à prisão do antigo primeiro-ministro, milhares de horas foram dedicadas ao tema, milhões de carateres e gigabytes de comentários invadiram as redes sociais.
Nunca um ex-governante tinha ficado preso preventivamente. Pode uma marca sobreviver a isto?
José Sócrates é provavelmente o político com mais poder de comunicação desde Mário Soares. Agressivo, incisivo e sem medo de jogar ao ataque. Enquanto político ativo, Sócrates foi tenaz com a oposição, resistiu até ao último segundo, deu o peito às balas, e nunca admitiu erros. Usou toda a narrativa, toda a capacidade oratória para defender os seus argumentos. Astuto, acutilante, estratega e arrogante, conquistou maiorias absolutas, reposicionou o PS numa social-democracia de centro quase direita e aniquilou as fações esquerdistas que, praticamente, não tiveram voz durante a sua liderança.
A marca Sócrates construiu valores que o levaram à vitória.
Depois de deixar o poder, tudo mudou. O ataque concertado começou na imprensa, a governação falida de Sócrates deixou rasto e contas por ajustar. O mito do dinossauro socialista, o possível candidato presidencial, caía por terra com a prisão preventiva e a Operação Marquês. O "menino de ouro" transformou-se em bête noire do PS. Uma bola de neve crescente de acusações, julgadas na opinião pública, que deixou pouca margem de manobra, mesmo para um hábil comunicador. Pelo menos até sexta-feira passada.
Vai Sócrates renascer das cinzas? É possível voltar a criar uma marca de confiança capaz de chegar a Belém?
Se vamos ter um confronto entre Paulo Portas e José Sócrates nas próximas presidenciais não sei, apesar de apostar alto nesta probabilidade, mas, até lá, muito precisa de fazer Sócrates para voltar a entrar em jogo. E não o consegue fazer sozinho. Será fundamental a resposta do PS, algo em que já não aposto tanto.
Sócrates vai correr as televisões, ganhar tempo de antena, utilizar palavras-chave como inocência, perseguição política, motivações ideológicas, julgamento em praça pública, e outros clichês que vai repetir até ao cansaço dos jornalistas. Que, na ânsia de enterrar a pandemia, lhe vão dar o palco que precisa.
Nunca subestimem a capacidade de uma marca para se reinventar, adaptar ao mercado e inovar.
Sócrates não é acusado de corrupção, não é arguido por associação criminosa e vai defender-se, do que ele chama "empréstimos de um amigo".
A carreira política do ex-líder do PS não está acabada. Vão chegar argumentos do Brasil, exemplos de como a justiça foi reposta, e temos que confiar nas instituições, para acreditar na democracia.
As relações públicas são uma arma poderosa e José Sócrates é um mestre nesta área. Assistimos ao momento zero de uma nova estratégia presidencial. À saída do tribunal, numa sexta-feira 9, em direto nas televisões, num caso de estudo que vamos analisar daqui a uns anos.
A marca Sócrates está de volta, com o mesmo storytelling de perseguição política, mas com novos argumentos. Será ele capaz de voltar a criar valor?
*Presidente Grupo GCI