visao.sapo.ptsvicente - 14 abr. 12:26

Visão | O meu reino por um café

Visão | O meu reino por um café

A escritora Alice Vieira escreve, com Nelson Mateus, um diário sobre as suas recordações e sobre as memórias entre as diferentes gerações. O Diário de uma Avó e de um Neto, um projeto do site Retratos Contados, a partir desta semana, está também na VISÃO
Querida avó,

Hoje é Dia Internacional do Café.

A seguir à água, o café é a bebida mais importante das nossas vidas (da minha e da tua entenda-se).

Felizmente, após três meses de confinamento, já podemos beber cafés em esplanadas sem medo de estarmos a cometer um crime, ou sem ter que ser de postigo, e de olho para ver se vinha alguém, como se estivéssemos a consumir algo ilegal.

Sabes que o café é uma das bebidas mais consumidas no mundo e a segunda matéria-prima mais comercializada em todo o mundo, a seguir ao petróleo. Os derivados do petróleo servem para pôr os carros a andar. Já o café é fundamental para nos pôr a andar.

A forma como consumimos café em Portugal é completamente diferente dos outros países. Já ouvi pedir cafés de todas as maneiras. Fraco, cheio, sem princípio, pingado, abatanado (em chávena grande), duplo, expresso… No verão alguns pedem-no com uma pedra de gelo… há para todos os gostos.

Quando vou a Itália percebo perfeitamente o significado de “italiana”, olhamos para a chávena e quase não tem nada. Já em Espanha o café vem cheio até ao cimo. Quando estive no Brasil senti ao vivo aquilo que sempre tinha visto nas novelas. Passam a vida a servir-nos café. Vamos a casa de alguém vem logo o café, vamos cortar o cabelo e trazem-nos um café… mas não têm o hábito de beber café como o nosso. O que servem é muito mais fraco. Ainda bem, senão com tanto café apanhávamos uma apoplexia.

Falamos desta curiosidade muitas vezes, mas certamente muitos não sabem de onde vem o nome BICA. Quando começou a ser comercializado em Lisboa, no café A Brasileira, o café não agradou aos lisboetas e, por isso, foi criado o slogan, para que as pessoas adicionassem o açúcar ao café. O acrónimo que significa “Beber Isto Com Açúcar”.

Já no Porto é comum pedir um cimbalino, como referência a La Cimbali, a popular marca de máquinas de café.

Dizem que o café tem benefícios para a saúde e que se for consumido moderadamente, o café tem uma ação antioxidante, atuando no combate aos radicais livres e diminuindo os riscos de desenvolver doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro. Por isso nós consumirmos tantos cafés, apenas fazemos prevenção de certas doenças.

Gosto tanto de ir a lojas que vendem e moem café. Adoro o cheiro do café moído. Remete-me sempre para a infância, quando via as avós a fazerem café de saco, o cheiro que se sentia quando eram abertas as latas de café.

Gosto tanto de ir a lojas que vendem e moem café. Adoro o cheiro do café moído. Remete-me sempre para a infância, quando via as avós a fazerem café de saco, o cheiro que se sentia quando eram abertas as latas de café

Das sopas de café que faziam todas as manhãs. Aproveitando as sobras de pão do dia anterior, colocando leite (do dia) e completando a tijela com o café acabado de fazer.

Não podemos falar de café sem falar do grande Comendador Nabeiro, que celebrou 90 anos recentemente.

Grande Homem! Não me vou alargar a falar muito dele, pois sei que tens muitas coisas para partilhar sobre ele, o contrabando, o empresário, a mulher que tem o mesmo nome que tu e muito mais.

Comecei recentemente a ler o livro Almoço de Domingo, de José Luis Peixoto.

Um romance, uma biografia, uma leitura de Portugal e das várias gerações portuguesas entre 1931 e 2021 inspirada na vida do Comendador Nabeiro. Uma visita guiada ao Alentejo da raia, à resistência perante a pobreza, e às origens humildes do enorme empresário. Um romance sobre a idade, sobre a vida contra a morte, sobre o amor profundo e ancestral de uma família reunida, em torno do patriarca, no seu almoço de domingo.

Depois empresto-te para o leres no teu terraço na Ericeira, acompanhada de várias chávenas de café. Delta, claro!

Apesar de ter máquina de café em casa (a maquina quando “mê vê” fica em pânico com aquele ar de: “Oh, não! Lá vem ele outra vez”.) Nada chega ao café que consumimos num café.

Foram meses penosos estes que passamos sem poder ir à rua tomar café.

Só me fazia lembrar a canção da Ágata: “Podes ficar com tudo mas não fiques com ele”, eu só pensava: ”Podem ficar com as cervejas, refrigerantes, e até com os bolos e salgados, mas pelos menos deixem-nos beber um café sem correr o risco de termos ordem de prisão.

Tu tens imensas histórias sobre café para partilhares. Não foste tu que ligaste para a Nespresso a pedir para entregarem o George Clooney na tua casa?

Agora, se não te importas, vou beber um café.

Encontramo-nos na esplanada?

Tem um dia feliz.

Viva o café!

Bjs

Querido neto

Das duas, três: ou falo de café, ou falo do Nabeiro, ou falo do Centro Cultura de Campo Maior. Porque, para falar de tudo, preciso de dois jornais. Ou então escrevo meia dúzia de linhas sobre cada assunto e não tem graça nenhuma.

Portanto, fica desde já assente: vou falar de café – o resto, tomo nota mas vou falando noutros diários. Não faltarão ocasiões, vais ver.

Vamos lá ao café.

Sempre me lembro de beber café, mesmo em criança.

Claro que não era café de máquina – onde é que elas  ainda vinham… – era café feito numa cafeteira, para onde se deitava depois uma brasa, e mexia-se. Tu já não és desse tempo, mas a tua mãe lembra-se de certeza. Era um sabor e um cheiro como nunca mais houve. Quer dizer, há anos, numa das minhas idas à Bulgária, encontrei um café muito parecido, aquilo a que eles chamavam ”café turco” (a Bulgária tem fronteira próxima com a Turquia).

Depois veio o café de balão, as máquinas, as cápsulas – e temos de acompanhar o nosso tempo.

Prefiro comprar café em grão e moê-lo depois. Durante uns anos foi sempre isso que fiz: porque o meu neto Pedro, então para aí com 5 ou 6 anos, adorava pôr o grão na máquina e ficar ali horas e horas a moê-lo. Mas confesso que agora recorro mais às cápsulas, é mais rápido

Como todos os que me conhecem sabem, eu bebo muitos, muitos cafés por dia. Na Feira do Livro de Lisboa, há uma funcionária da editora que está ali só para me trazer cafés para a mesa. Eu acabo de beber um, ela põe logo outro a minha frente.

Bebo tantos cafés que um dia a nossa comum amiga Fernanda Freitas, à época a dirigir o programa Sociedade Civil, convidou um médico para lá ir e levou-me com ela. Então o diálogo foi assim:

Ela: “Ó Doutor, fale aqui com esta minha amiga, que bebe – imagine! – 20 cafés por dia!”

O médico (para mim)—“E dorme?”

Eu—“Ó Doutor não durmo mais porque não tenho tempo! E nunca me lembro de ter tido uma insónia!”

O médico (para mim)—“E põe açúcar?”

Então disse-lhe, “Ó querida, eu bebo tanto, mas tanto Nespresso, que vocês já há muito me deviam ter dado o George Clooney de brinde!” E ela, muito séria: “Quer então que eu tome nota da sua reclamação?” “Ó querida, se acha que me dão o George Clooney, é para já!”

Eu—” Nunca, doutor!, Se o café já vem com açúcar ( o que acontece muito no Brasil) sou incapaz de o beber.”

O médico (para mim)—”Então ,faça contas aos quilos de açúcar que não consome… E se dorme a noite toda é porque o seu organismo absorve imediatamente a cafeína. Por isso não lhe faz mal nenhum.”

Ora tomem, embrulhem!

E como encomendo muitas caixas de Nespresso todas as semanas, (sim, não tomo só Delta…), um dia apeteceu-me fazer rir a menina do call-center. Coitadinhas, tenho pena delas, sempre a dizerem a mesma coisa, horas a fio.

Era naquela altura em que na televisão passava imensas vezes por dia o anúncio do George Clooney a fazer publicidade à Nespresso.

Então disse-lhe, “Ó querida, eu bebo tanto, mas tanto Nespresso, que vocês já há muito me deviam ter dado o George Clooney de brinde!”

E ela, muito séria: “Quer então que eu tome nota da sua reclamação?”

“Ó querida, se acha que me dão o George Clooney, é para já!”

Ela ainda levou uns minutos a entender.

Aqui há uns tempos, na primeira vez que vi o George Clooney ao vivo e a cores, num festival de cinema em Toronto, até me apeteceu contar-lhe… Mas se calhar ele também não tem sentido de humor…E eu não queria perder as ilusões a seu respeito.

Dos outros assuntos, falarei depois.

Vou para a esplanada beber cafés.

Vem ter comigo para metermos a conversa em dia.

Bjs

O Diário de uma Avó e de um Neto é um projeto do site Retratos Contados

Os textos de opinião refletem apenas a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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