ionline.sapo.ptCarlos Carreiras - 14 abr. 10:14

Portugal: o acelerador da vacinação do espaço lusófono

Portugal: o acelerador da vacinação do espaço lusófono

Em completa articulação com o Governo, garantimos recentemente a compra e inclusive a cedência de uma patente que já apresenta excelentes resultados de imunização numa população vastíssima. A pré-condição para essa cedência de patente é que Portugal se assuma como acelerador da vacinação no contexto mais vasto dos Países de Língua Oficial Portuguesa.

Quando, em junho de 2020, a Comissão anunciou o esquema de compra, armazenamento e distribuição conjunta de vacinas contra a covid-19 por todos os Estados-membros, a ideia de Europa parecia ter triunfado mais uma vez num momento de adversidade. Era demasiado cedo para celebrar. O descarrilamento do esquema de vacinação expõe a crescente divergência entre a visão romântica de um mundo eurocêntrico e a dura realidade do sistema internacional no qual a Europa é cada vez mais um ator secundário. Com apenas 18% da sua população vacinada, a Europa compara muito mal com os Estados Unidos (36%), com o Reino Unido (48%) e com Israel (60%). 

Como é que as coisas correram e continuam a correr tão mal? Ursula von der Leyen explica: a EMA, a autoridade do medicamento da União, foi demasiado lenta nas autorizações para uso da vacina (o regulador britânico despachou a vacina da Pfizer três semanas antes da EMA); a Europa foi demasiado otimista na escalabilidade de produção; a equipa negocial foi demasiado confiante na execução dos prazos acordados com as farmacêuticas. Por outras palavras, parece que houve muita gente que não leu as letrinhas pequeninas no rodapé dos contratos. A polémica com a vacina da AstraZeneca só veio acrescentar mais problemas a um processo inquinado desde o princípio. Com uma nova vaga de infeções, mortes, confinamentos e devastação económica a varrer vários Estados-membros, a Comissão está a pagar o preço da sua inaptidão junto da opinião pública europeia. A Europa tarda em reagir.

Mas Portugal, sendo um dos países económica e socialmente mais frágeis da União, não pode conformar-se com resultados medíocres do processo de vacinação europeu nem, tão pouco, ser pendura nos interesses de terceiros. Temos de arregaçar as mangas e adaptar a nossa estratégia aos melhores interesses e necessidades da população portuguesa. Isso não significa sair do consenso europeu estabelecido nesta matéria – países individualmente considerados não podem comprar vacinas às farmacêuticas em nome dos quais a UE fez negociações em bloco. Implica, isso sim, procurar soluções complementares que reforcem a nossa resposta conjunta. Pela primeira vez na vida, a questão é menos “o que pode a Europa fazer por nós?” e mais “o que pode Portugal fazer pela Europa?” 

A pergunta não é retórica. Tendo a presidência do Conselho, Portugal pode transformar a moldura em que temos vindo a conduzir o debate. Precisamos, desde logo, de mapear todas as vacinas no mercado. E, dentro destas, selecionar as que tenham obtido bons resultados na imunização de populações nacionais e nos ensaios científicos internacionais. Se determinada vacina é validada pela comunidade científica e é boa para os outros, por que razão não é boa para nós, europeus? 

Depois, é preciso obrigar a EMA a ser célere no método e despreconceituosa no julgamento. A Europa precisa, como de pão para a boca, de mais certificações que acelerem o processo de imunização. Conhecido por ser um país com um peso diplomático muito superior à sua dimensão geográfica, Portugal tem poder suave suficiente para separar a questão geopolítica da questão de saúde pública na negociação de futuras compras com farmacêuticas ou Estados com quem as relações europeias tendam a ser mais tensas.

Dentro deste quadro, Cascais procurou desde sempre alternativas. Como já tive oportunidade de referir, utilizámos a nossa rede de cidades geminadas para chegar ao contacto de países, laboratórios e multinacionais. Para que esse objetivo, que nos entusiasma, seja alcançado, identificámos uma unidade de produção em Portugal, na Área Metropolitana de Lisboa, de uma farmacêutica que tem capacidade instalada para a produção de dezenas de milhões de doses anualmente.

A “vacina portuguesa” pode alterar a dinâmica da batalha contra a covid-19 não só no nosso limitado contexto nacional, mas sobretudo no espaço mais vasto da lusofonia. Estando as liberdades de movimento crescentemente associadas a passaportes verdes de vacinação, esta é uma janela de oportunidade e de esperança para o nosso espaço comum.
Como acelerador do processo de vacinação interna, deve também ser considerada a vontade manifesta por empresas que querem imunizar gratuitamente toda a sua força de trabalho. Falamos de grandes empresas, com recursos humanos, médicos e técnicos mais do que suficientes para vacinar as suas populações laborais. Ultrapassadas que sejam as questões de prioridades na vacinação, não creio que haja desigualdade quando todos os trabalhadores de uma empresa, do topo à sua base, são tratados por igual. 

A permissão de entrada do setor privado na compra de injetáveis aliviaria muito significativamente o esforço do Serviço Nacional de Saúde. E por falar no SNS, no país do simplex e das vacas que voam, na era do 5G e da inteligência artificial, continuamos a ter serviços partilhados no Ministério da Saúde que têm uma organização primitiva. Tão primitiva que as listagens convocam pessoas mortas há 25 anos. A desorganização do Ministério da Saúde, a filosofia de quintal na administração pública, está a boicotar o esforço das autarquias – Cascais, por exemplo, teve de abandonar temporariamente a convocatória com base nas listagens da saúde pública –, e o excelente serviço da task force. O Almirante Gouveia e Melo trouxe foco, organização e objetivo ao plano de vacinação. Trouxe confiança. E, num processo como este, não há valor mais sagrado e indispensável do que esse.

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