sol.sapo.ptLuís Paulino Pereira - 13 abr. 22:28

Memórias de um confinamento penoso

Memórias de um confinamento penoso

Parar o país é sempre uma medida arriscada e perigosa, por tudo o que ela acarreta; por isso, tem de ser criteriosamente ponderada, e utilizada apenas como último recurso

Apesar de estarmos já numa nova etapa das nossas vidas, não deve haver ninguém que não recorde as dificuldades por que passou e não tenha uma história para contar deste desgastante confinamento que tivemos de suportar. 

De ‘regresso à liberdade’, pela qual tanto suspirámos, é altura de fazer um balanço de tudo aquilo que aconteceu. Como foi o nosso comportamento? E como devemos avaliar as normas impostas pelos nossos governantes para nos precavermos devidamente, não vá acontecer sermos de novo massacrados com uma quarta vaga, como alguns já admitem?

Não estou a criticar a necessidade do confinamento recente. Acho mesmo que, perante o número assustador de novos infetados diariamente, de internamentos hospitalares (com ou sem recurso aos cuidados intensivos) e de vítimas mortais sempre a aumentar, pondo em risco a capacidade de resposta do SNS, não havia outra alternativa, por muito que isso nos custasse. 

Neste contexto, reconheço que a aposta foi ganha e os objetivos atingidos plenamente. Porém, esta solução, por muito necessária que tenha sido, não deixa de ter os seus efeitos adversos, de tal forma que a ela se pode aplicar também o ditado popular bem conhecido: «Se não se morre da doença, morre-se da cura».

Sem falar já no setor económico, onde os efeitos são devastadores, um confinamento muito prolongado acaba com o equilíbrio físico e mental do ser humano – que, aos poucos, por saturação, vai inevitavelmente deixando de cumprir o que está determinado. 

Partilho alguns exemplos reveladores deste tempo que passou – e que dispensam grandes comentários. 

Sabe-se que, durante o confinamento, o consumo de ansiolíticos aumentou muito na população em geral e também nos jovens, conforme a TSF noticiou ainda há bem pouco. Ora, é bom olharmos para essa realidade de forma isenta e tirarmos as devidas conclusões, pois as consequências que se seguem não podem deixar ninguém indiferente.

Lembro também aquele idoso que, já desesperado com o confinamento, agravado pelo facto de viver só, me procurou no centro de saúde invocando a necessidade de ver e de falar com o seu médico de família, apesar de não estar doente. Ao ser informado que, naquele momento, eu já não estava no serviço, os seus olhos encheram-se de lágrimas – ‘contagiando’ o pessoal administrativo presente. 

Recordo ainda outro caso passado com uma utente da minha lista, que, ao telefone, me ‘suplicava’ que lhe pedisse, ao menos, umas análises – para a obrigar a sair de casa, levantar a requisição, ir fazê-las depois ao laboratório e mais tarde mostrá-las na consulta. Teria assim três motivos para não ficar fechada em casa. 

Mas o que mais me tocou passou-se num lar de idosos onde uma das residentes, sem poder sair do quarto, estava numa cadeira de rodas, à porta, virada para o corredor. Quando lhe perguntei por que estava ali, respondeu-me sem hesitar: «Assim, vou vendo pessoas; quanto mais não seja, vejo as empregadas a passar de um lado para o outro».

Entrei depois no quatro de outro residente que, após breves momentos de conversa, me disse: «Não calcula a alegria que me deu em vir aqui falar comigo. Já ganhei o dia com a sua visita».

Conforme se verifica, é preciso ter atenção ‘ao outro lado da barricada’ e perceber que há mais vida para além da pandemia. Todos nós temos a nossa quota-parte de responsabilidade no problema, pelo que não é justo atribuir as culpas só a quem tem a ingrata missão de decretar regras pesadas que nos custam a aceitar e somos forçados a cumprir.

Estamos agora a viver um tempo novo que o desconfinamento nos vai trazendo. Teremos aprendido a lição? O futuro o dirá. Grande parte do que aí vem dependerá de nós próprios. Aproveitemos bem o momento presente com esta lufada de ar fresco que vai soprando nas nossas vidas e não cometamos os mesmos erros do passado.

‘Libertos das tristezas’, vivamos agora com esperança as maravilhas desta ‘Páscoa florida’ para que, finalmente, todos possamos dizer: «Aleluia! Aleluia!». 

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