Opinião de Francisco Sarsfield Cabral - 9 abr 07:06
A UE e a Turquia
A UE e a Turquia
O Presidente da Turquia, Erdogan, é hoje um autocrata que não respeita as liberdades democráticas nem os direitos humanos. Por isso não parece provável que aceite as propostas da UE, que exigem respeito por essas liberdades e direitos.
O presidente do Conselho da União Europeia (UE), Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foram a Ancara encontrar-se com o Presidente da Turquia, Erdogan.
Tinham abrandado, nas últimas semanas, as provocações turcas no Mediterrâneo Oriental, em particular contra a Grécia e Chipre, numa tentativa para fazer valer as pretensões da Turquia sobre o acesso a prováveis jazidas de petróleo e gás natural.
Os dois líderes da UE entenderam ser oportuno apresentar a Erdogan a disposição europeia para aprofundar a união aduaneira entre a Europa comunitária e a Turquia, desde que neste país sejam respeitados os direitos humanos e a democracia.
Para já, foi prolongado o controverso acordo de 2016, segundo o qual a Turquia se comprometeu a bloquear a saída de migrantes para a UE, pelo que Bruxelas lhe paga 6 mil milhões de euros anuais.
Dias antes deste encontro, Erdogan tinha acusado de “golpistas” um grupo de almirantes reformados que ousaram criticar o canal de Istambul, um projeto faraónico do Presidente.
Por outro lado, o equivalente turco ao nosso Ministério Público solicitou a ilegalização do terceiro maior partido do parlamento da Turquia.
Não menos significativa foi a recente saída da Turquia da Convenção do Conselho da Europa que protege mulheres e crianças da violência doméstica – Convenção que, por ironia do destino, havia sido assinada em Istambul em 2011.

“Para nós, os direitos humanos são inegociáveis”, afirmou Ursula von der Leyen. Tudo indica, porém, que para Erdogan inegociável é a sua evolução em direção ao autoritarismo antidemocrático e a uma teocracia islâmica. Quando ainda corriam negociações visando uma eventual futura adesão da Turquia à UE foi possível que este país abolisse a pena de morte. Agora, sem qualquer perspectiva de aderir à UE, Erdogan quer regressar à pena de morte e mostra desprezo pelos direitos humanos.
Há poucos anos parecia possível o Governo de Ancara chegar a um entendimento com a minoria curda. Tal possiblidade desapareceu, mantendo na Turquia uma espécie de guerra civil de baixa intensidade, mas mortífera.
A liberdade de expressão é muito limitada na Turquia, país onde um grande número de jornalistas está na cadeia. Milhares de presos permanecem a aguardar indefinidamente um julgamento. Outros, vêm o seu julgamento repetido até dele resultar uma sentença que agrade ao poder unipessoal do Presidente.
Em parte, porque a hipótese de a Turquia entrar para a UE se desvaneceu, Erdogan promove a gradual islamização do país. Ele quer ser uma personalidade política com peso nos assuntos e conflitos do Médio Oriente. Ora a aceitação da lei islâmica nos assuntos políticos contraria a laicidade imposta depois da I guerra mundial pelo fundador do país, Ataturk, um militar prestigiado.
Não se pode dizer que os militares turcos, nas décadas que se sucederam a Ataturk, se tenham comportado como impecáveis democratas – foram vários os golpes de Estado organizados por eles. Mas sempre rejeitaram misturar a religião – no caso, o Islão – com a política. Que Erdogan tenha conseguido impor-se à vontade dos militares é revelador do enorme poder que ele alcançou.
Desde 2016 tem havido uma clara aproximação entre Putin e Erdogan, dois autocratas e dois adversários do chamado Ocidente. Ancara comprou mísseis russos S-400, uma decisão muito criticada pelos seus aliados da NATO.
Sim, a Turquia é um país membro da NATO e até possui as mais fortes forças armadas da aliança, logo a seguir aos EUA.
É um problema bicudo que Joe Biden terá de enfrentar.