visao.sapo.ptsvicente - 25 jan. 09:00

Visão | A saúde que temos o dever de proteger não é uma coisa abstrata

Visão | A saúde que temos o dever de proteger não é uma coisa abstrata

Bem pode André Ventura vociferar contra o facto de seres humanos que não tem por “pessoas de bem” terem, em Portugal, direito à saúde, mas o facto não está sujeito a debate e convinha que a comunicação social, desde logo, soubesse disso. Deveria aprender-se na escola, aliás, que dignidade da pessoa humana é também assegurar que a pobreza nunca é causa de recusa de serviços de saúde

O artigo 64º da Constituição, todo ele dedicado à saúde, tem significado e alcance, isolado e em conjugação com outros preceitos constitucionais. Temos, todas e todos, direito à proteção da saúde e temos, também, o dever de a defender e promover. Independentemente das visões diferenciadas que existem acerca do maior ou menor grau de liberdade de conformação do poder legislativo em matéria de proteção da saúde, é inegável que há limpidez em aspetos essenciais já decididos pela lei das leis, pelo que alguns discursos extremistas que rompem com o que nos une estão fora da República.
Não há discussão quanto ao facto de ser constitucionalmente obrigatório garantir a universalidade e a generalidade do SNS

Não há discussão quanto ao facto de ser constitucionalmente obrigatório garantir a igualdade no acesso aos cuidados de saúde

Não há discussão quanto ao facto, portanto, de ninguém poder ser deixado para trás. A universalidade é isso mesmo, pelo que a Constituição decidiu rejeitar visões desumanas, utilitaristas, que possam, por exemplo em nome do lucro, resultar em modelos que destratem os mais frágeis, como os idosos

Não há discussão quanto ao facto de ser constitucionalmente obrigatório, por força do princípio geral da equiparação consagrado no artigo 15º, aplicar o direito universal à saúde aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, pelo que bem pode André Ventura vociferar contra o facto de seres humanos que não tem por “pessoas de bem” terem, em Portugal, direito à saúde, mas o facto não está sujeito a debate e convinha que a comunicação social, desde logo, soubesse disso. Deveria aprender-se na escola, aliás, que dignidade da pessoa humana é também assegurar que a pobreza nunca é causa de recusa de serviços de saúde

A saúde que temos o dever de proteger quer dizer muitas coisas, algumas das quais estão decididas, ali, na Constituição que o/a Presidente jura cumprir e fazer cumprir

A quem se candidata ao cargo, convém estar de bem com a lei fundamental

A nós, num momento em que a pressão sobre a maior conquista da democracia é avassaladora, compete-nos ter presente que temos direito à saúde, que é também a de todos e todas, sem discriminações, e que para ser assim, de todos e de todas, numa República decente, temos mesmo de fazer a nossa parte, o melhor que conseguirmos

É que a saúde que temos o dever de proteger não é uma coisa abstrata e, sem ela, deixamos de ser quem somos.

(Opinião publicada na VISÃO 1455 de 21 de janeiro)

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