ionline.sapo.ptAntónio Galamba - 25 jan. 09:21

O insustentável estado a que chegámos

O insustentável estado a que chegámos

É tempo de cada um fazer o que lhe compete para domar a besta.Sempre que possível, fique em casa!

O povo, algum povo, terá votado ontem, depois de uma campanha atípica, num contexto sem precedentes no tempo moderno em que se situam os que ainda sobrevivem.

O povo terá escolhido, depois de muito ter sido feito para fustigar quem está no exercício do poder e para aditivar quem a ele pretende aceder. Foi, em muitos casos, uma conjugação de disparates e de oportunidades para agraciar os populistas, saudosos de outros tempos. O desnorte na resposta à escalada pandémica, a incapacidade para preparar nuances previsíveis de uma nova vaga e a inconsistência do discurso e das opções em demasiadas matérias, a última das quais a da notícia de inclusão dos políticos no universo dos prioritários da vacinação em vésperas de eleições, são apenas algumas das expressões do tempo presente.

O exercício não é fácil, mas não tem de ser dificultado pelos protagonistas e pelas opções. Há muito cansaço; contudo, era preciso que estivesse bem presente que o processo tem variantes que não são controláveis, desde logo, nesta fase, a da entrega das vacinas, mas tem outras tantas que podiam ter sido acauteladas – em demasiados casos, em linha com discursos políticos de outrora, já no quadro da pandemia.

Este é um tempo em que a habilidade não chega, como não chega um sentido cívico geral que é formatado há décadas, em democracia, para os direitos, as exceções e a memória curta, sempre num quadro de baixa exigência.

Este é um tempo em que o facilitismo discursivo do “tudo para todos” e uma prática reiterada de exceções e de excecionados fazem emergir, em excesso, comportamentos aquém do necessário.

Este é um tempo em que o compromisso tem de ser com o essencial, nunca com as narrativas de grupo em defesa de quem está no poder ou de quem a ele pretende aceder, demasiadas vezes em narrativas tontas de defesa do inexplicável, de polémicas estéreis nas redes sociais e da futilidade da ordem do dia, quantas vezes alimentadas a carburantes mediáticos, táticos e populistas.

Chegámos a um ponto insustentável da pandemia, nas mortes, nos infetados, no medo e na insuficiência das respostas, apesar do esforço hercúleo de quem está na linha da frente.

No estado a que chegámos, podem pedir-nos para estarmos parados, quietos, confinados, mas não há nenhuma circunstância que justifique um qualquer nevoeiro na liberdade de expressão, no reforço da exigência em relação a quem quis e fez questão de tudo fazer para estar no exercício do poder. É que não há circunstância nem pode haver margem para invocar a dificuldade do exercício de “estar ao volante” ou expressar incómodo com os bitaites. É como se alguém tivesse concretizado um carjacking e, mais à frente, se queixasse por ter de estar a conduzir o carro roubado ou pelo estado de conservação do veículo e do piso da estrada.

Não há computadores e acesso à rede de internet para o ensino à distância do plano B em contexto de emergência – a responsabilidade é de quem? Logo quando Portugal tem empresas líderes mundiais na produção de equipamentos informáticos para essa dimensão pedagógica – um impulso suspenso há mais de uma década depois dos ataques aos computadores Magalhães, em alguns casos perpetrados por quem agora invoca o atraso na transição digital, com um despudorado delete do que andou a dizer no passado.

Não há mais Serviço Nacional de Saúde, médicos, enfermeiros e articulação com os setores sociais e privados porque, apesar do que foi feito, houve outras opções políticas no pós-troika, depois do ataque cerrado e cego concretizado, e a culpa das opções populares e de agrado a nichos é de quem? Do povo?

O que foi feito nos últimos seis anos para começar a inverter a cultura cívica dos portugueses, o sentido de pertença a uma comunidade, com direitos e deveres, a participação na gestão corrente e nos atos eleitorais ou um conceito de compromisso com a construção de soluções e respostas, além dos desabafos nas redes sociais, da letargia das pequenas benesses e do crescente amorfismo? Muito pouco!

Diz-se que em tempo de guerra não se limpam armas. Não sendo entendido em armamento, será meio caminho andado para que estas emperrem, mas acredito que, no mínimo, é tempo de cada um fazer o que lhe compete para domar a besta. Logo uma que entra de mansinho, mas mata ou marca para a vida.

Ataquemos agora esta que mata que depois, aos sobreviventes, não faltará tempo para tratar dos que, não matando, moem demasiado ao persistir nos erros da mera gestão corrente ou de conveniências pessoais ou de grupos.

Sempre que possível, fique em casa!

NOTAS FINAIS

ACABAR COM O “CORRER ATRÁS DO PREJUÍZO”. No plano dos princípios ou das soluções, não há nenhuma razão para que cada cidadão não tenha a possibilidade de participar na gestão corrente (auscultação ou deliberação) do país ou nas eleições através de suporte digital, a partir do local onde estiver. O país do Simplex é, na realidade, de papel azul de 25 linhas em demasiadas áreas.

NÃO FAZER NEM DEIXAR FAZER. A deriva ideológica prossegue, sem senso. Não deixar as escolas privadas prosseguirem com ensino à distância é uma inqualificável arrogância do Estado quando apenas tem legitimidade jurídica para impor o confinamento. É a mesma linha que impede o ensino à distância, gerando, pelo ócio, oportunidades de encontros juvenis potenciadores de contágios.

Escreve à segunda-feira

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