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Editorial: A esperança e os seus fantasmas

Editorial: A esperança e os seus fantasmas

Contido, sempre sozinho nos momentos em que se deu a ver, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se, apesar de reforçado e legitimado no seu papel, plenamente consciente da situação do país. Consciente, desde logo, das dificuldades de contenção da pandemia, que elegeu como prioridade absoluta para podermos entrar nos passos seguintes, de reconstrução e recriação económica e social.

Consciente, além do mais, dos fantasmas do fundamentalismo e da xenofobia, apontando a defesa da democracia e da inclusão como caminho a seguir nos próximos anos, à medida que nos aproximamos de meio século em liberdade.

Não foi preciso usar nomes para todos percebermos as referências do presidente reeleito. Até agora uma espécie de elefante na sala, sobre o qual nunca sabíamos bem como falar, André Ventura atingiu uma expressão de dois dígitos e segurou o segundo lugar no Alentejo e Algarve. De pouco importa o seu número de circo, fingindo que falhou o objetivo de superar Ana Gomes e colocando o lugar à disposição. O Chega é tudo menos um derrotado, mas mais derrotado ainda sai o país quando se percebe que meio milhão de portugueses se revê no seu discurso racista, agressivo e que nesta campanha atingiu um baixo nível nunca visto.

A reconfiguração da direita é um dos factos destas eleições. E se o CDS já vive há muito um lento esvaziamento, também o PSD tem no crescimento do Chega uma séria ameaça, mais uma vez interpretada de forma desastrosa pelo líder, Rui Rio, na intervenção em que se referiu às vitórias da extrema-direita em terreno habitualmente da esquerda.

Ainda que o eleitorado do PS se tenha manifestado, na generalidade das sondagens, bastante confortável com a opção do partido de não apresentar candidato próprio, não deixa de ser confrangedor perceber quanto valem, todas juntas, as três candidaturas à esquerda. Ana Gomes conseguiu conter um crescimento ainda mais avassalador de André Ventura, mas ficou muito aquém dos objetivos. Marisa Matias assumiu a derrota e ao resultado não terá sido alheio o preço pago pelo BE devido ao comportamento errático na negociação do Orçamento do Estado. E o PCP não poderá deixar de olhar atentamente para o que se passa nos territórios que foram durante tantos anos seus.

A abstenção não foi, em termos reais, tão elevada como chegou a temer-se. Mas nem por isso a noite eleitoral é isenta de riscos para a democracia. Olhando para os desafios de futuro, para um Governo em erosão que poderá enfrentar uma crise política até final do ano, para uma hecatombe económica e social que exige receitas musculadas e eficazes, não abundam os motivos de esperança. Na sua solidão, Marcelo precisará de muito mais do que proximidade e afetos para mobilizar o país e ajudar a recriá-lo.

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