jornaleconomico.sapo.ptAna Pina - 25 jan. 00:07

Os custos da (des)educação

Os custos da (des)educação

A educação aumenta o acesso a informação útil, está relacionada com melhores níveis de saúde, maior participação democrática e maior capital social. Responder à pandemia não pode pôr em causa o motor do progresso futuro.

Educação e saúde são, desde há muito, objeto de preocupação dos decisores e analistas da economia portuguesa. São um tema recorrente de diferentes campanhas políticas, com argumentos esgrimidos entre o discurso do consenso e acusações e responsabilizações mútuas por má direção no passado.  Malogradamente, voltam a estar juntas em cima da mesa no difícil exercício de gestão da crise Covid-19.

Os problemas que se agudizaram nos últimos dias, se são a consequência da evolução da pandemia, não deixam de constituir também o resultado de muitos anos de fraco investimento público, quando não desinvestimento, nos dois setores e que conduziram, no caso da saúde, a um SNS aquém das necessidades e, no caso da educação, a um burburinho permanente em torno da qualidade e capacidade de resposta da escola pública.

Na situação atual, responder no curto prazo aos problemas de saúde impôs um problema à educação. Encerrar as escolas, pelos efeitos negativos que acarreta a vários níveis, necessita de um plano B para minorá-los. As duas áreas são igualmente imprescindíveis no contexto de uma população envelhecida e com um dos mais baixos níveis de educação da Europa, como é a sociedade portuguesa. Em ambas faltam recursos materiais e, mais grave, recursos humanos.

Os dados são alarmantes. De acordo com o Eurostat, enquanto Portugal é o terceiro país em percentagem de população acima dos 65 anos, surge situado no meio da distribuição quando se considera a despesa em cuidados de saúde por habitante. Em paralelo, é o país que apresenta a maior percentagem de população entre os 25 e os 64 anos sem deter o ensino secundário – cerca de 48.3% em 2019 –, sendo o segundo país com maior número de professores no ensino básico e secundário com 50 ou mais anos por 100 professores com menos de 30 anos. É impreterível contrariar estas tendências

Relativamente ao encerramento de escolas, os custos de perder períodos de educação formal são incomensuráveis e far-se-ão sentir a curto e a longo prazo. Já tem sido amplamente referido como encerrar escolas implica aceitar que uns terão acesso a educação, enquanto outros não, o que acentuará as clivagens sociais e económicas, aprofundando a desigualdade.

A probabilidade de não ter acesso será maior entre o universo da escola pública, com um rendimento médio inferior ao dos alunos da escola privada. Em casa muitos continuarão a não ter computadores, nem pais capazes de os acompanhar e apoiar nos desafios da aprendizagem. Para muitos pais, filhos em casa porá em risco o próprio emprego. Outros, menos desafortunados, estarão em teletrabalho, poderão até ter capacidade formal para apoiar os filhos nas tarefas da escola, mas estarão desesperados e exasperarão ao tentar responder simultaneamente às suas solicitações de trabalho.

A médio e longo prazo, os custos da paragem educativa terão reflexos económicos e sociais adicionais que se manifestarão a nível individual, mas também macroeconómico. Num trabalho elaborado em 2020 para a OCDE, Hanushek e Woessmann estimaram os impactos económicos resultantes das perdas em educação provocadas pelo confinamento. Calcularam em cerca de 3% o efeito negativo que a perda de 1/3 do ano escolar terá no rendimento médio ao longo da vida de um aluno médio. Apontam também para uma quebra do PIB em 1.5% a ser mantida até ao final do presente século.

Estudos de natureza semelhante têm demonstrado que, do ponto de vista individual, mais anos de ensino estão associados a maior empregabilidade, diferentes qualificações são responsáveis por variações significativas no rendimento ao longo da vida ativa, e que a qualidade dos professores é responsável por ganhos elevados nos rendimentos futuros dos estudantes. A nível macroeconómico, os mesmos autores tinham concluído num estudo anterior que maiores pontos nos testes PISA conduzem a um aumento da taxa de crescimento anual do PIB, estimado em 1,74 pontos percentuais nos países da OCDE.

Acresce que as vantagens de uma população com maior educação formal se manifestam em outras facetas da vida em sociedade. A educação aumenta o acesso a informação útil, está relacionada com melhores níveis de saúde, maior participação democrática e maior capital social. Do ponto de vista da gestão dos problemas de saúde, uma população educada é recetiva a mensagens como a importância da vacinação obrigatória e às atitudes de civismo que têm sido requeridas no combate à pandemia.

Por tudo isto, encerrar as escolas tem que ser gerido com muita prudência, acautelando desde já formas de recuperar o tempo perdido pelos estudantes e de apoiar aqueles que ficarão mais desprotegidos. A preocupação com um assunto urgente não pode permitir descuidar o motor do progresso futuro.

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