www.jornaldenegocios.ptjng@negocios.pt (Jornal de Negócios) - 25 jan. 21:00

Marques Mendes: “Perder para o Chega no Alentejo era suficiente para a liderança comunista ser colocada em xeque”

Marques Mendes: “Perder para o Chega no Alentejo era suficiente para a liderança comunista ser colocada em xeque”

Leia a análise de Marques Mendes aos resultados das eleições Presidenciais.

O PRESIDENTE REELEITO

Marcelo Rebelo de Sousa teve uma grande vitória. Subiu substancialmente em relação ao resultado de há cinco anos. Superou os resultados das reeleições de Eanes, Sampaio e Cavaco. Vai ser difícil alguma vez uma candidato presidencial á esquerda e á direita conseguir aproximar-se do valor alcançado. Viu o seu primeiro mandato avaliado de forma amplamente positiva. Recebeu um fortíssimo voto de confiança para o futuro. Reforça o seu poder na sociedade portuguesa. É cada vez mais a figura central do regime.

Mesmo assim, apesar deste notável vitória, o Presidente vai precisar de todo o seu imenso talento neste segundo mandato. Vai ser um mandato inegavelmente mais difícil que o primeiro. E este já não tinha sido fácil.

A crise pandémica descontrolada; a crise económica e social que vai prolongar-se; a precária estabilidade governativa; a perigosa ausência de alternativa de centro-direita; e a continuada degradação do estado económico do país, cada vez mais pobre face à Europa e mais distante face aos seus concorrentes mais próximos; tudo são desafios complexos e constrangimentos enormes.

Resta uma consolação colectiva: Marcelo sai desta eleição com uma fortíssima legitimidade. Ganhou no plano das ideias ao ir a jogo nos debates eleitorais e ganhar os dois principais;  teve um resultado que, nas actuais circunstâncias pandémicas, era quase inimaginável; num sistema político cada vez mais decadente e em crise, o Presidente, ganhando ao centro, próximo dos cidadãos e de modo transversal aos vários eleitorados, passa ser o grande factor de esperança e unidade no País. 

O EFEITO VENTURA

  1. A seguir a Marcelo, André Ventura é o grande vencedor da noite eleitoral. Sobe exponencialmente face às eleições legislativas e lança uma brutal perturbação na área da direita. Esta enorme subida do populismo é preocupante mas não surpreendente. Ventura beneficia altamente de três factores:
Do efeito novidade. Nunca o país vira um líder assim, populista, anti-sistema, radical e falando para eleitores que, não sendo racistas nem xenófobos, estão descontentes com a política tradicional;

Da falta de inteligência da esquerda que se alimenta do Chega e alimenta André Ventura. As teses proibicionistas exibidas nesta campanha são de uma brutal falta de inteligência. Só servem para vitimizar o Chega, para lhe dar mais palco,  publicidade e força;

Da ausência de oposição, à direita e à esquerda. Há uma parte grande do país insatisfeita por achar que não há oposição a António Costa. À direita, porque a oposição é pouco assertiva e eficaz. À esquerda, porque a geringonça debilitou qualquer ideia de oposição. Ventura veio preencher este vazio. Para muitos, é o único que faz oposição, que bate o pé, que diz as verdades necessárias.

  1. Milhares de eleitores votam em Ventura não pela tontice das suas ideias radicais. Muito menos por razões de racismo e xenofobia. Votam por protesto e por desilusão. Mal ou bem, vêem Ventura como porta-voz dos seus estados de alma. Enquanto os partidos do sistema e a bolha político-mediática em que vivemos não perceberem isto, Ventura continuará a ter sucesso. A solução não é ilegalizá-lo ou normalizá-lo. É passar a fazer o que não tem sido feito. 

VITÓRIAS SIMBÓLICAS E DERROTAS PESADAS

  1. Ana GomesFicando em segundo lugar, tem uma vitória simbólica. Para a democracia é melhor assim. Mas fica muito aquém de todos os demais objectivos. Na percentagem eleitoral, no objectivo de conseguir chegar á segunda volta e na comparação com Manuel Alegre e Sampaio da Nóvoa, ambos candidatos socialistas que também não tinham apoio oficial do partido. Um epifenómeno.
  2. Tiago MayanFoi uma agradável surpresa. Mais nos debates e nas ideias que no resultado. À partida, de um ilustre desconhecido, não se esperava muito. Mas o candidato mostrou fibra e deu visibilidade às ideias da Iniciativa Liberal.
  1. As pesadas derrotas do PCP e do BEMarisa Matias e João Ferreira têm pesadas derrotas. A esquerda radical é a grande perdedora desta eleição, derrotada por culpa própria.
O BE soma e segue em erros estratégicos: primeiro, o erro da rejeição do Orçamento, difícil de compreender pelos seus eleitores; a seguir, o erro de não perceber que a candidatura de Ana Gomes facilmente conquistaria voto útil à esquerda, esvaziando o seu eleitorado. Ás vezes a arrogância política e intelectual dá nisto.

O PCP ainda não percebeu que, depois de ter entrado na geringonça, é sempre a perder, de eleição em eleição. Os eleitores comunistas não entendem que, tendo passado quarenta anos a catalogar o PS de "partido de direita", o PCP acabe aliado à "direita" e de mãos dadas com ela! E perder para o Chega no Alentejo, era suficiente, se vivêssemos tempos normais, para a liderança comunista ser colocada em xeque. É um pesadelo. 

GANHAR SEM IR A JOGO

  1. Sem ter ido a jogo, António Costa é um ganhador desta eleição. Um ganhador tão óbvio que não precisou sequer de falar na noite eleitoral.
Ganhou porque lançou o apoio a Marcelo no célebre episódio da Auto-Europa. A forma foi esdrúxula e criticável. Mas a ideia estava certa. Passou a estar do lado do vencedor, copiando o espírito cavaquista dos anos noventa do século passado.

Ganhou porque os seus parceiros de geringonça "se estatelaram ao comprido". PCP e BE ficaram mais fracos. Logo, com menor capacidade negocial com o Governo. E sem espaço para abrirem crises.

Ganhou porque a direita tradicional sai enfraquecida com a ascensão do Chega. Se à direita passou a ser ainda mais difícil construir uma alternativa, isso só beneficia o PM e o Governo.
  1. Em qualquer caso não nos iludamos: esta é uma vitória táctica. Uma vitória que não resolve os dois problemas mais sérios que António Costa tem pela frente: o estado do país e o estado do Governo. O estado do País é particularmente grave. O estado do Governo é calamitoso. O primeiro vai levar anos a resolver. O segundo nem com uma remodelação terá solução.
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