www.jornaldenegocios.ptjng@negocios.pt (Jornal de Negócios) - 25 out. 21:32

Marques Mendes: Recolher obrigatório em Portugal vai ser inevitável

Marques Mendes: Recolher obrigatório em Portugal vai ser inevitável

As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o estado da pandemia, o Orçamento do Estado e as eleições nos EUA, entre outros temas.

O ESTADO DA PANDEMIA

  1. No plano dos números, a situação começa a ser muito preocupante:
  2. O número de novos infetados está praticamente descontrolado, sobretudo na Região Norte;
  3. O número de internados ultrapassou, pela primeira vez, esta semana o valor da pior semana da primeira vaga;
  4. O número de óbitos está, todavia, a crescer a ritmo acelerado.
  5. Na UE estamos a meio da tabela – temos vários países em situação pior do que a nossa, mas também temos 14 países que estão melhor do que nós.
  1. Mas depois há o plano do terreno. Aí a situação é ainda mais preocupante. Depois de ter falado com médicos e especialistas, cheguei a algumas conclusões:
  2. A situação da Covid 19 está descontrolada dentro da comunidade. As equipas da saúde pública já não conseguem fazer os rastreios. A situação mais crítica no Norte corre o risco de se espalhar para o resto do país.
  3. A situação que se vive nalguns hospitais é de CAOS. Por este andar, o SNS corre o risco iminente de ruptura. O risco de entrar em ruptura dentro de 2, 3 semanas. É o momento de maior pressão que alguma vez teve o SNS. E ainda estamos no início da segunda vaga.
  4. Estamos na iminência de, para evitar o colapso, ficarem de lado os doentes não Covid. Um desastre. Na primeira vaga, ainda se compreendia. Agora é inqualificável.
  5. Se nada for feito para achatar esta segunda onda, ainda corremos o risco de acabar, mais dia, menos dia, naquilo que todos queremos evitar – um novo confinamento geral. Seria uma catástrofe.

AS DECISÕES DO GOVERNO

  1. Reunião do Conselho Nacional de Saúde Pública. Duas conclusões espantosas:
  2. Era suposto reunir antes da segunda vaga para preparar esta nova fase de Outono/Inverno. Afinal, só reuniu agora, quando já estamos em situação caótica. Sempre a correr atrás do prejuízo.
  3. Era suposto aconselhar o Governo quanto a medidas concretas. Pois bem. Quanto a medidas concretas, decidiram não decidir. Vão fazer uma nova reunião. Um órgão assim devia ser rapidamente reformado!
  1. Fórmula 1 no AlgarveNão é preciso ser-se cientista ou epidemiologista para se perceber que no actual estado da arte, ter quase 30 mil pessoas nesta prova é uma loucura. Uma irresponsabilidade da DGS e do Governo. Depois, ter pessoas do Norte, região de contágio alto, a deslocarem-se ao Algarve é agravar o risco de o vírus se propagar ainda mais pela comunidade. Finalmente: que lógica tem proibir a circulação entre concelhos no fim de semana do Dia de Finados e bem, e autorizar toda esta circulação neste fim de semana? São maus exemplos destes que "matam" as instituições.
  1. Confinamentos em três concelhos do Norte do país. Parecem medidas na direcção certa. Mas, como sempre, tardias e insuficientes.
  • TardiasBasta ouvir o testemunho do Presidente da CM de Paços de Ferreira. Dizia ele que o problema no concelho já era grave no início de Outubro. Um atraso de três semanas.
  • InsuficientesBasta ver o estudo do Expresso de ontem. Há pelo menos mais algumas dezenas de concelhos em situação igualmente crítica. Andamos sempre a empurrar os problemas em vez de os enfrentarmos.
  1. Um Sindicato de Enfermeiros anunciou uma greve em Novembro. Parece uma provocação. Por mais legítimas que sejam as reivindicações, este não é o tempo para greves de enfermeiros. Chama-se a isto ter razão e perdê-la.

VAMOS TER ESTADO DE EMERGÊNCIA?

  1. Mais dia, menos dia, será decretado. Até para se estabelecer o recolher obrigatório que se vai tornar inevitável. Mas há questões mais importantes:.
  2. É preciso recriar um ambiente de consenso político, consenso técnico e coesão social no combate à pandemia. Este ambiente existiu na primeira vaga. Mas deixou de existir. Há demasiada divisão, conflito e clivagem. O país não precisa de união nacional. Mas precisa de um mínimo de consenso e de coesão social para enfrentar este tempo difícil.
  3. É preciso falar ao país. Falar sem meias palavras. A situação é muito séria. Falar para explicar a situação que vivemos, os desafios que temos, o plano de acção que existe, as responsabilidades de cada um. E não pode ser a DGS ou a Ministra da Saúde. Desacreditaram-se. Ou é o PR ou o PM. Ou os dois.
  1. Não se pode agir do mesmo modo em todo o país, mas sim de forma diferenciada. Em função da gravidade epidemiológica de cada localidade. Com uma política de semáforos ou um mapa local de riscos. Exemplificando:
  2. Zona Verde, localidades que, por 100 mil habitantes, nos últimos sete dias, tiverem, por exemplo, menos de 60 novos casos, não precisam de medidas especiais; Zona Amarela, localidades que, pelo mesmo critério, tiveram entre 60 e 120 novos casos e que podem precisar de medidas cautelares; Zona vermelha, localidades que, no mesmo período, tiveram mais de 120 casos e que podem precisar de confinamentos pontuais.
  3. Fazer isto não é discriminar ou estigmatizar as populações. Pelo contrário. É dizer a verdade. É fazer o diagnóstico correcto porque sem ele não há terapêutica adequada. É ter indicadores objectivos, públicos e transparentes, porque sem indicadores claros não há combate eficaz.
  1. Finalmente, dois alertas. Primeiro: tudo isto é uma maratona. Por isso, precisa de planeamento. Não basta reagir. É preciso agir e quanto mais cedo melhor. Segundo, a melhor forma de preservar a economia é cuidar a sério da pandemia. Doutra forma, acabamos em novo confinamento geral.

O ORÇAMENTO DE ESTADO

  1. Este debate teve encenação e teatro a mais. Há três semanas que a viabilização do OE está garantida. Mas todos continuaram a fazer teatro. Se houvesse riscos de crise, o PR não estaria a receber as pessoas da saúde. Estaria a receber os partidos e a convocar o Conselho de Estado.
  1. A abstenção do PCP. Não há surpresa. Eu próprio a tinha anunciado há três semanas. E ninguém a desmentiu nem podia ter desmentido. Era factual.
  1. O voto do BE também não surpreende. O que surpreende é a imaturidade politica e a incoerência do BE.
  • O BE foi imaturo a negociar. Convenceu-se de que estava sozinho a negociar e desvalorizou o PCP. Um erro.
  • O BE foi imaturo a defender o chumbo do OE e o uso de duodécimos ( seria uma irresponsabilidade); a seguir foi imaturo a defender que, se este OE chumbasse, o Governo devia apresentar um novo OE (qualquer governo que fizesse isto nunca mais era levado a sério).
  • E foi incoerente . Como se compreende que vote contra um OE sem verbas para o NB quando antes aprovou orçamentos com verbas para o NB? E como se explica o voto contra um OE sem Tratado Orçamental quando antes aprovou orçamentos com Tratado Orçamental? O BE pode pagar um preço nas próximas eleições presidenciais.
  1. O voto contra do PSD. Também não tem novidade. O PSD tinha em aberto duas hipóteses: se a esquerda chumbasse o OE, o PSD viabilizava; se a esquerda o viabilizasse, o PSD votaria contra. Foi o que sucedeu. O OE vai passar com 17 abstenções (PCP, PEV, PAN e dois deputados não inscritos).

O PAPA E OS HOMOSSEXUAIS

  1. O Papa Francisco surpreendeu esta semana ao declarar que os cidadãos homossexuais não só não devem ser discriminados como até se devem reconhecer uniões civis de homossexuais.
  1. Por que agiu assim o Papa?
  2. Primeiro: por uma questão de coerência. Jorge Bergoglio é coerente. Defendeu esta orientação antes e durante o seu pontificado. Na Argentina, antes de ser Papa. Em Roma, já durante o seu pontificado.
  3. Segundo: por um imperativo de coragem. O Papa é corajoso. O que na prática está a fazer é a criar as condições para mudar a doutrina da Igreja sobre a questão. Doutrina que vem de 2003, do tempo de João Paulo II e que é profundamente discriminatória em relação aos homossexuais.
  4. Finalmente: por uma nova visão de futuro para a Igreja. Com três objectivos importantes: primeiro, construir uma Igreja mais inclusiva, mais humana e mais tolerante; segundo, reconciliar a Igreja com muitos católicos que dela se divorciaram ao longo dos tempos por posições discriminatórias como esta; terceiro, explicar ao mundo católico que, se a Igreja não mudar nesta e noutras matérias, corre o risco de ficar mais pequena, mais fraca, mais fechada e com menos autoridade moral. Não é uma questão de modernidade. É uma questão de humanidade e de futuro.

ELEIÇÕES NOS EUA

  1. O último debate foi melhor e saldou-se por um empate. O curioso é que todas as sondagens posteriores disseram que Biden ganhou o "duelo". O que é que isto significa? Que as intenções de voto estão consolidadas e que a maioria dos americanos acredita que Biden vai mesmo ganhar. Logo, projectam na conclusão sobre o debate as probabilidades de vitória que estão nas sondagens.
  1. A praticamente uma semana das eleições, a derrota de Trump é o cenário mais provávelas sondagens são-lhe todas amplamente desfavoráveis; o número de indecisos é muito baixo (não chega a 10%); para recuperar do atraso precisava de uma vitória clara no debate e não teve; a gestão da pandemia é um fantasma que o persegue. Só um facto extraordinário pode reverter a situação.
  1. Vive-se agora a síndrome de 2016 – o receio de que se repita o falhanço das sondagens. Não é provável.
  • As empresas de sondagens reforçaram os seus métodos de acção.
  • Esta eleição é diferente da anterior – é mais um plebiscito a Trump e menos uma eleição tradicional. Vota-se, sobretudo, a favor ou contra Trump.
  • Nas actuais circunstâncias, Biden é melhor candidato que Hillary Clinton. Não no talento. Mas num aspecto essencial em política – não tem anticorpos. Não é fácil atacá-lo: nem pelo esquerdismo (é um moderado); nem pelos negócios (é uma pessoa decente).
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