sol.sapo.ptSofia Vala Rocha - 24 out. 19:13

O Presidente Marcelo vai despido

O Presidente Marcelo vai despido

O corpo dos políticos sempre foi matéria política, nos homens para exibir força física e vigor, nas mulheres para exaltação de beleza e graça. Cavaco Silva a trepar coqueiros ou Mário Soares montado numa tartaruga, de entre as mais vulgares fotos de fato banho na praia, veem logo à memória.

A nudez do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa causou comoção.

Mas porque se destina em última instância a uma manobra de propaganda, os políticos mostram-se habitualmente no auge dessas qualidades físicas para demonstrar as virtudes morais que querem sublinhar. Mostram-se novos e espadaúdos, não se mostram velhos e decrépitos.

Marcelo Rebelo de Sousa faz 72 anos em dezembro, é um idoso ou um velho. Ao despir-se e mostrar-se em toda a sua glória, fez mais pela dignidade e beleza da velhice do que todos os discursos juntos sobre a ‘terceira idade’. Discursos bacocos, vazios e ocos geralmente escritos por jovens assessores para assinalar uma qualquer data ou efeméride.

Em 1990, aos 42 anos enquanto candidato à câmara municipal de Lisboa foi taxista, lutador de Jiu-jitsu, nadador no Tejo, era um homem na força da idade. Continuou a mostrar-se de calções na praia fosse verão ou inverno. O Presidente esteve sempre sob o nosso olhar e envelheceu enquanto olhávamos para ele.

Em 1981 havia 45 idosos por cada 100 jovens; em 2001 havia 101 idosos por cada 100 jovens; em 2011 eram 125 idosos por cada 100 jovens e em 2018 já tínhamos atingido os 157 idosos por cada 100 jovens. 
Em 2011, havia dois milhões de pessoas com mais de 65 anos e apenas um milhão e meio de crianças (até 14 anos). 

Isto quer dizer que o corpo de Marcelo Rebelo de Sousa é a regra em Portugal. A velhice é o nosso novo normal. Os corpos Danone são uma invenção publicitária, mas já não existem fora da realidade ‘fotoshopada’ das redes sociais.

E se era assim antes da pandemia, a condição da velhice piorou depois dela. Em sofrimento, isolamento e morte. Graça Freitas declarou esta semana que das 2149 mortes por covid, 860 mortes eram de utentes institucionalizados em lares – cerca de 40% das vítimas mortais. 

Quer dizer, a geração que nasceu nos anos 40 do século XX português é a mais sacrificada de todas: nascida no rescaldo da segunda guerra mundial, cresceu na ditadura, fugiu à fome, foi mandada para a guerra em África, emigrou, sustentou filhos e netos durante a troika e agora definha e morre confinada. 

O Presidente obrigou-nos a olhar a velhice de frente, sem desviar o olhar. Marcelo Rebelo de Sousa encarnou Portugal. E vai a votos em janeiro de 2021.

(os dados demográficos foram todos retirados do Portal Pordata)

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