expresso.ptCatarina Nunes - 24 out. 18:20

Como é que algumas marcas de luxo vendem mais nos últimos três meses?

Como é que algumas marcas de luxo vendem mais nos últimos três meses?

Hermès, Louis Vuitton, Dior e Bottega Veneta são estrelas na pandemia, escreve a jornalista Catarina Nunes na crónica ‘Sem Preço’ desta semana

É uma surpresa. Ou nem por isso. Há marcas de luxo que aumentam as vendas nos mais recentes últimos três meses, com a covid-19 a não dar tréguas e uma crise global instalada. Também há as que deixam de brilhar, enquanto as concorrentes prosperam neste cenário. Vamos à análise mais fina do que se passa nos dois maiores grupos e marcas de luxo, que acabam de divulgar os resultados financeiros.

Contribui para o aumento das vendas de Moda e Acessórios em Pele do grupo LVMH, a carteira Capucine da Louis Vuitton, reinterpretada por seis artistas contemporâneos…

Contribui para o aumento das vendas de Moda e Acessórios em Pele do grupo LVMH, a carteira Capucine da Louis Vuitton, reinterpretada por seis artistas contemporâneos…

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Comecemos pelo maior de todos. O grupo LVMH perde 7% das receitas no terceiro trimestre de 2020, face ao mesmo período em 2019, para um total de €11,955 mil milhões. Não julgue que isto é um contrassenso com o tom geral do arranque desta crónica. É que dentro deste grupo francês, a divisão de moda e os artigos em pele crescem a dois dígitos (12%), em particular com as vendas da Louis Vuitton e da Dior. Isto prova (para quem tinha dúvidas) que as marcas de luxo mais históricas e aspiracionais resistem melhor às turbulências. E prosperam mesmo em épocas de contração generalizada do consumo.

Roupa, carteiras e acessórios (que são a ‘bandeira’ do LVMH) são, aliás, a única área de negócio a crescer nos meses de julho, agosto e setembro, o que significa que a ida às compras em lojas de luxo é, para alguns, uma terapia anti-covid. Olhando para os produtos que contribuíram para o aumento (todos lançados no terceiro trimestre), fica claro o que os consumidores procuram: novidades ancoradas em referências históricas, nos clássicos reinterpretados, na arte e em artigos sem género.

… e também a nova versão em malha do Dior Bar, casaco criado por Christian Dior em 1947

… e também a nova versão em malha do Dior Bar, casaco criado por Christian Dior em 1947

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A coleção de roupa e acessórios ‘Since 1854’ (com o padrão que remete para a data de origem da Louis Vuiton), a edição da carteira Capucine reinterpretada por seis artistas contemporâneos e a coleção de joias unissexo LV Volt são, segundo o LVMH, as causas da ‘corrida’ à marca de luxo francesa. Na Dior, outra das insígnias de referência do grupo, é o resgatar do passado que estimula o desejo. A nova carteira de tiracolo Dior Bobby (nome do cão do falecido Christian Dior) e o casaco Dior Bar (versão em malha de um casaco de 1947) são os artigos que impulsionam as vendas nos últimos três meses. Tudo artigos com preços acima dos quatro dígtitos.

Fazendo uma análise pelas restantes áreas de negócio que perdem vendas, as bebidas são as menos afetadas, com uma diminuição de 3%, seguidas por relógios e joias (-14%), perfumes e cosmética (-16%) e o retalho seletivo (-29%), onde se enquadram as perfumarias Sephora e as lojas Duty Free Shopers. A desgraça só não é maior nesta divisão porque o crescimento das vendas online da Sephora compensa o desaparecimento de turistas nos aeroportos. O segmento das bebidas, curiosamente, tem uma maior resistência à covid-19, com a Hennessy a ser apontada como a responsável, graças às vendas do Hennessy VS, conhaque de entrada (mais barato) e com um perfil mais jovem.

O segmento de bebidas do LVMH tem maior resistência à covid-19, graças às vendas do Hennessy VS, conhaque de entrada (mais barato) e com um perfil mais jovem

O segmento de bebidas do LVMH tem maior resistência à covid-19, graças às vendas do Hennessy VS, conhaque de entrada (mais barato) e com um perfil mais jovem

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No grupo Kering (arquirrival do LVMH), a queda é menor (-4,3%) e o volume de negócios no trimestre também (€3,717 mil milhões), mas há marcas que se saem bem. Ao contrário do que se passa no LVMH, a divisão de moda e artigos em pele perde 4,7%, com a Gucci a recuar 12,1%, o que analistas do sector atribuem a uma eventual perda de interesse nas criações de Alessandro Michele, que desde 2015 lidera o bem-sucedido rejuvenescimento da marca italiana. A clássica Bottega Veneta é a estrela do Kering, vendendo mais 17% em julho, agosto e setembro. A justificação? Os fãs fiéis e os novos clientes (em particular nas regiões Ásia Pacífico e América do Norte) e a expansão a três dígitos do comércio eletrónico.

A Yves Saint Laurent tem uma variação de 0,8%, enquanto a divisão da Kering onde se enquadra as marcas de nicho e de alta-costura também recupera (9,3%), na qual se destacam a Alexander McQueen e a Balenciaga, ambas a crescer a dois dígitos no oriente e América do Norte. Em termos gerais (e sem surpresas), o comércio eletrónico, a China e os Estados Unidos são os motores das marcas de luxo, com o consumo na Europa a cair a dois dígitos, devido à forte dependência do turismo internacional e das compras em viagem. Esta constatação aplica-se, em grande medida, aos resultados da Hermès, que, não estando integrada num grande grupo multimarcas, cresce sozinha 7% no terceiro trimestre de 2020. Perde 29% nos Estados Unidos, que compensa com o aumento de 4% na Ásia e em categorias onde a Hermès se ‘alimenta’ do coronavírus. A que mais cresce é a divisão onde se encontram as joias e os artigos para o lar (mais 42%), que beneficiam da procura de peças que não percam valor e do ‘fique em casa’.

A clássica Bottega Veneta é a estrela do grupo Kering, vendendo mais 17% em julho, agosto e setembro.

A clássica Bottega Veneta é a estrela do grupo Kering, vendendo mais 17% em julho, agosto e setembro.

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Nesta lógica, os relógios têm o segundo maior crescimento (13%), seguidos pelos artigos em pele e selas (8%) e de pronto-a-vestir e acessórios (7%), segmentos que são parte da identidade da Hermès e que reforçam a constatação do que são as opções dos consumidores de luxo em épocas de crise: produtos com um legado. Mas nesta insígnia francesa, fundada em 1837 como fabricante de arreios para cavalos, nem tudo são boas notícias. Sedas e têxteis (-32%) e perfumes (-22%) são os segmentos que mais perdem com a covid-19 e a redefinição de prioridades de compras. As contas das marcas de referências aos três meses mais recentes, porém, não aferem os possíveis efeitos da segunda vaga da pandemia. Mas são a clareza possível.

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