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Os homens também sofrem e também choram

Os homens também sofrem e também choram

Não tenhamos vergonha de falar e de chorar. É possível até que sejamos mais homens por chorar, porque a lágrima não tem sexo e é a mais sólida prova de um sentimento qualquer. Tal como sorrir.

Também há homens que choram e também há homens que sofrem por amor. As lágrimas e o sofrimento não são um produto exclusivo das mulheres. Aliás, nada é exclusivo de ninguém quando se trata de sentir.

A questão é simples. Há quem demonstre o que sente e há quem não o faça. Pode ter uma enorme vontade de o demonstrar, mas às vezes não consegue. Só por uma razão: porque se é homem, porque há vergonha e pode ficar mal. 

Desconheço as razões por se pensar que os homens não choram por amor ou por outra coisa qualquer, dando a ideia que não sentem. Claro que sentem. E será que sentem as coisas de forma diferentemente mulheres? Serão mais “gélidos”? Não me parece.

Se não há vergonha de rir, também não deveria existir vergonha de chorar. Rir e chorar fazem parte, não só do crescimento e do conhecimento das emoções, como também da existência do ser humano. Se rir pode ser expressão máxima da alegria, chorar pode ser a expressão máxima da tristeza. Se não temos vergonha de exprimir uma reacção que demonstre alegria, por que razão se deverá ocultar uma reacção que demonstre tristeza? 

Não se pode associar a fraqueza e a sua demonstração às mulheres. Todos somos fracos e todos somos feitos de sentidos. Todos sentimos. Só difere o modo como se exprime esse sentimento. Em regra, os homens não o fazem, não o exprimem, pelo menos à frente dos seus pares. Porque homem que é homem não chora, não tem medo, enfrenta, luta e não dá sinais de fraqueza ao exterior na expressão de sentimentos. Se o faz, pode vir a crítica ou a vergonha. 

Nós, homens, também somos fracos e frágeis. Faz parte da condição humana. Mas o que será dos homens do futuro se esta imagem de “macho forte e durão” for passando de geração em geração? Serão menos homens os de amanhã que choram e demonstram o que sentem? Qual é o problema de um homem chorar por amor? Tanta vez o fiz... e o bem que isso me fez.

É esta a imagem que tem que ser desfeita, tendo de haver lugar e espaço para que todos, sejam homens e mulheres, possam sem medo mostrar o que alma dita, alegria ou tristeza. Não pode haver receio de o fazer, porque chorar ou mostrar tristeza não é o antónimo da masculinidade. 

É esta a imagem que tem que ser desfeita, tendo de haver lugar e espaço para que todos, sejam homens e mulheres, possam sem medo mostrar o que alma dita, alegria ou tristeza. Não pode haver receio de o fazer, porque chorar ou mostrar tristeza não é o antónimo da masculinidade.

E o que é isto da masculinidade? É um mero conceito construído socialmente, segundo o qual se atribui ao homem determinadas características. Não se é mais ou menos homem por chorar. A fragilidade humana não tem sexo. Atinge quem tem que atingir e não vale a pena fugir dela. Esconder essa fragilidade por uma questão de virilidade é somente falsear e contribuir para uma evolução retrógrada de uma sociedade que se quer evoluída em valores e chorar também é um enorme e grande valor humano.

A figura do homem esta cada vez mais associada ao corpo esbelto, musculoso e viril, enquadrado na máxima “quanto mais desporto e ginásio, melhor”. Importante é certo, mas esquece-se o essencial: a alma. Não se trabalha os sentimentos, mas trabalha-se o corpo horas a fio. Que espécie de homens e jovens está a sociedade a construir com esta importância exagerada que hoje se dá ao corpo? 

Não mostrando e não expressando a essência humana por qualquer razão, amanhã a humanização das relações tornar-se-á inequivocamente numa utopia. Há homens que choram por amor, mas que ainda têm vergonha de mostrar e de falar disso. Há homens que sofrem de violência doméstica, mas têm vergonha de falar disso.

Sim, também choramos, também sentimos e não pensamos só em sexo. Choramos principalmente por amor, porque somos mais dependentes que as mulheres. Quando uma determinada relação acaba, o homem também sofre, e muito. E não somos menos homens por chorar essa perda. Tal como não somos menos homens por pedir ajudar quando alguma mulher nos agride. Na violência doméstica exercida sobre o homem, ela passa em grande escala pela violência verbal. 

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