expresso.ptexpresso.pt - 27 set. 12:14

Braço-de-ferro entre os 27 e o Parlamento Europeu pode atrasar fundos

Braço-de-ferro entre os 27 e o Parlamento Europeu pode atrasar fundos

A presidência alemã da UE pressiona o Parlamento Europeu e fala em lentidão das negociações para aprovação do próximo quadro comunitário. Eurodeputados respondem que são os 27 que ainda não aprovaram a decisão que permite avançar com o Fundo de Recuperação.

O impasse arrasta-se e no centro da polémica volta a estar o respeito pelo Estado de Direito como condição para o uso dos fundos europeus. Mas não é único ponto em aberto nas negociações sobre o próximo quadro financeiro plurianual que decorrem entre os 27 governos (Conselho da UE) e o Parlamento Europeu (PE). Os parlamentares querem também um aumento de verbas nos programas europeus ligados à investigação, saúde ou ao Erasmus.

A Alemanha pressiona e numa declaração enviada a vários jornalistas em Bruxelas, o embaixador alemão junto da UE afirma estar "muito preocupado com o facto de as negociações estarem a progredir muito lentamente". Sem o consentimento do PE, o Orçamento 21-27 não entra em vigor em janeiro e o tempo até lá é cada vez mais curto.

"Precisamos urgentemente de um acordo sobre o pacote que inclui o Quadro Financeiro Plurianual e o Fundo de Recuperação", diz Michael Clauß, sublinhando que é preciso "aumentar significativamente" o ritmo das negociações com os parlamentares e disponibilizando-se para negociar também aos fins-de-semana.

Mas o Parlamento Europeu não encaixa a crítica nem a culpa. A eurodeputada do PS, Margarida Marques, que faz parte da equipa de negociações, diz que "não há nenhuma responsabilidade " do lado do PE.

"O Conselho está a atrasar o processo", acusa José Manuel Fernandes. O social democrata, que está também na equipa negocial, lembra que são os 27 que ainda não aprovaram a chamada decisão sobre os recursos próprios, que permite à Comissão ir aos mercados buscar 750 mil milhões de euros do Fundo de Recuperação. Do lado do Parlamento Europeu, o parecer positivo foi dado há já uma semana.

Sem esta decisão sobre os recursos próprios, o processo não pode passar para a ratificação nos parlamentos nacionais e essa é, aliás, a fase mais demorada.

A decisão em si não é polémica. Todos os países estão de acordo com ela. Porém, Hungria e Polónia têm dito que não dão o "ok", sem saberem antes qual vai ser o resultado de uma outra negociação em curso: a do mecanismo sobre o Estado de Direito que faz parte das negociações do Quadro Financeiro Plurianual.

Ou seja, a ratificação do Fundo de Recuperação não avança, enquanto não ficar fechada essa questão polémica. E isso implica ultrapassar divergências com o Parlamento Europeu.

Bloquear de um lado, para conseguir do outro

"A Hungria e a Polónia estão a fazer chantagem", diz Margarida Marques. Os dois países sabem que, caso não concordem com o desenho do mecanismo de Estado de Direito, não o podem travar, porque a decisão é por maioria qualificada. Por isso, usam o bloqueio da votação sobre os recursos próprios - que é feita por unanimidade - para fazer pressão.

Porém, há mais países envolvidos no bloqueio. "Cerca de um terço das delegações já deixou claro que não apoia a decisão de recursos próprios enquanto não houver clareza sobre a globalidade do orçamento", diz ao Expresso um diplomata europeu.

A questão é que da mesma forma que a Hungria e Polónia não dão luz verde à decisão de recursos próprios se não ficarem satisfeitos com a condicionalidade sobre o Estado de Direito, também a Finlândia, Holanda, Suécia e Dinamarca ameaçam fazer o mesmo (ainda que pelas razões contrárias às dos húngaros e polacos).

A Alemanha, que tem a presidência rotativa da União Europeia, reconhece o problema. "Em relação ao mecanismo do Estado de Direito, estamos em conversações intensas com os estados membros. As negociações são extremamente complicadas", diz Michael Clauß, adiantando que "em breve" apresentará uma proposta para pôr de acordo os 27.

Em julho, os chefes de Estado e de Governo concordaram com a criação deste Mecanismo, mas o texto das conclusões ficou suficientemente vago para poder ser aceite por todos. Agora, que é preciso transformá-lo em legislação, o conteúdo torna-se novamente um problema. Não só entre os 27, mas também porque é preciso que o Parlamento Europeu dê o aval.

"Queremos um mecanismo que permita e assegure o cumprimento do Estado de Direito em todos os Estados Membros", defende Margarida Marques, acrescentando que é preciso "proteger os valores europeus".

No entanto, o que a presidência alemã tem em mente é algo menos rígido, em linha com o que os líderes decidiram em julho.

"É claro que o mecanismo do Estado de direito no orçamento da UE não pode ser um procedimento igual ao do Artigo 7, mas com outro nome", diz o embaixador alemão. E com isto quer dizer que não se pode resolver com este mecanismo, o que está encalhado desde 2017. O artigo 7 foi ativado quer para a Polónia quer para a Hungria, por alegadas violações do Estado de Direito (sistema judicial, liberdade de imprensa e académica, etc), mas a discussão continua parada no Conselho.

O que os líderes decidiram em julho é mais um mecanismo para castigar fraudes relacionadas com o uso de fundos europeus, do que para garantir derivas autoritárias e antidemocráticas.

Parlamento ainda tenta aumentar verbas

O Parlamento Europeu não tem poder para negociar em detalhe as verbas do Orçamento para 21-27. Essa decisão cabe aos países e já foi tomada, sendo agora submetida à aprovação global dos eurodeputados. Em teoria, só podem dizer "sim" ou não". Mas na prática, têm ameaçado dizer "não" caso não haja algumas alterações. Para além da questão do Estado de Direito, pedem também um aumento de verbas nos programas europeus de mais de 100 mil milhões de euros, algo que para os 27 é impensável.

Nas negociações de julho, os líderes salvaram sobretudo os envelopes nacionais, cortando nos programas de gestão em Bruxelas, ligados à saúde, investigação, inovação e até segurança e defesa.

No que diz respeito ao Fundo de Recuperação de 750 mil milhões, o poder do Parlamento Europeu é ainda menor. Têm de dar parecer - algo que já fizeram - e que não é vinculativo. Porém, na prática, tudo está ligado, o que arrasta o impasse.

"O QFP e o Fundo de Recuperação são política e tecnicamente inseparáveis. Sem um rápido acordo global entre o Conselho e o Parlamento Europeu sobre o Quadro Financeiro Plurianual, corremos o risco de atrasar também o Fundo de Recuperação. O tempo urge", volta a insistir o embaixador alemão.

"O embaixador está a desviar a atenção", diz José Manuel Fernandes. "Bem sabemos que ainda não encontraram uma solução para o Estado de Direito e o PE está à espera desde 2018. Faz-me lembrar um ditado minhoto: chama-lhe nomes antes que ele te chame a ti".

O debate entrou num ciclo vicioso, com as duas instituições a trocarem acusações e a atirarem para a outra a responsabilidade pela derrapagem na entrada em vigor de novos fundos. A próxima reunião para tentarem resolver divergências é esta segunda-feira.

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