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Resina: uma actividade dura e incerta, por detrás do brilho do verniz

Resina: uma actividade dura e incerta, por detrás do brilho do verniz

O brilho de um soalho encerado, a sedosidade da pele depilada ou a cor das unhas após uma ida à esteticista escondem a rudeza do intenso labor que está nos aditivos utilizados para estes fins. A actividade resineira e a indústria de primeira transfo

“A resina é um produto com futuro”. A frase dá mote ao capítulo “Resinagem”, constante num dossier dedicado à fileira do pinheiro-bravo em Portugal elaborado pelo Centro Pinus, uma associação que reúne representantes do sector da madeira ao papel, da investigação e do ensino.

A realidade, porém, mostra o contrário. Pelo menos em Portugal. Apesar de a resina nacional ter “propriedades únicas e uma elevada qualidade, que são valorizadas por vários mercados”. O presidente da Resipinus – Associação dos Destiladores e Exploradores de Resina garante que o sector está a atravessar “um período difícil”, devido à “escassez de matéria-prima e de mão-de-obra” no país, à “desvalorização da actividade” e à “concorrência internacional” dos países da América Latina (Brasil e Argentina, sobretudo).

O Centro Pinus diz que, em Portugal, em 2019, existiam sete empresas de primeira transformação de resina, mas Hilário Costa, presidente da Resipinus, que é dono da firma Costa & Irmãos, Lda, de Leiria, diz que agora são seis. Em conjunto, são responsáveis por “cerca de mil postos de trabalho”.

As unidades de segunda transformação são “seis, sete fábricas” em Portugal, diz o presidente da Resipinus. “É uma indústria pujante”, que emprega “centenas de pessoas, mais de quinhentas” e deverá representar um volume de negócios “na casa dos 300 milhões de euros”.

Às duas grandes componentes extraídas da resina na primeira transformação – a colofónia e a aguarrás –, nessas fábricas são-lhes acrescentados novos aditivos para posterior utilização em vários fins industriais de elevado valor acrescentado (fabrico de colas, tintas, vernizes, tintas de impressão, agentes de colagem para papel, borrachas, adesivos, ceras depilatórias, cosméticos, indústria farmacêutica e alimentar – pastilhas elásticas –, entre outros).

Na base, no pinhal, a matéria-prima – a resina, extraída do pinheiro – “geralmente é negociada a um preço por bica/ano, que pode ir desde 10 cêntimos em locais menos produtivos e mais afastados das unidades de consumo a 60 a 70 cêntimos em condições mais favoráveis”, informa o Centro Pinus. Em todo o caso, “a resinagem pode representar para o produtor uma receita adicional anual de 50 a 500 euros por hectare”. Um resineiro e um industrial com quem o PÚBLICO falou negoceiam à tonelada. O industrial vai “fazendo pagamentos” ao resineiro sempre que este lhe entrega produto e acertam contas “no final do ano”.

“Mão-de-obra é um problema”

A mão-de-obra na resinagem é “um problema”, diz Hilário Costa. “Andamos a tentar estabelecer parcerias com entidades formadoras e escolas de formação ligadas ao IEFP [Instituto de Emprego e Formação Profissional], mas não é fácil captar jovens para este sector”. O presidente da Resipinus faz notar que “o resineiro é um grande vigilante da floresta, exerce um serviço público, trabalha numa actividade que cria riqueza e podia também ter uma função preciosa na prevenção de incêndios”. Mas logo a seguir constata: “Os políticos não são sensíveis a estas coisas”.

A prova está à vista: “Ainda não foi renovado” o protocolo assinado a 29 de Maio de 2019 em Proença-a-Nova (município que integra a rede Europeia de Territórios Resineiros), na presença do então secretário de Estado das Florestas, Miguel Freitas, entre o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Resipinus. Visava permitir que cerca de uma centena de resineiros pudessem acumular a actividade de resinagem com a vigilância da floresta contra os incêndios florestais.

PÚBLICO - Foto “O resineiro é um grande vigilante da floresta, exerce um serviço público, trabalha numa actividade que cria riqueza e podia também ter uma função preciosa na prevenção de incêndios”, diz Hilário Costa, presidente da Resipinus. “Puramente por inércia”

O PÚBLICO recuperou as declarações do antigo titular da pasta das Florestas, ainda na alçada do então Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, que revelou naquela cerimónia que “as áreas públicas onde existe resinagem e que estão disponíveis para receber esta actividade, na ordem dos 8700 hectares, serão aumentadas sucessivamente nos próximos anos, numa média de 10%/ano”.

Até agora nada. Mais de um ano depois, e apesar da “insistência, quase todas as semanas”, da Resipinus junto do ICNF, o referido protocolo não foi renovado. “Não está assinado puramente por inércia, porque desde Fevereiro até agora, pedimos a renovação e tem havido uma inércia que é de bradar aos céus”, diz Hilário. Trata-se, defende, da “renovação quase do protocolo anterior e de um valor insignificante, uma migalha, mas os senhores que estão lá no ICNF protelam a situação semana após semana”.

O apoio financeiro prevê que, “por cada dia de vigilância que uma equipa de resineiros faz, receba uma compensação de 50 euros”, explica Hilário Costa. O apoio financeiro provém do Fundo Florestal Permanente. O PÚBLICO questionou o ICNF sobre se, para 2020/2021, haverá, ou não, renovação daquele protocolo. Não obteve resposta.

PÚBLICO - Foto A resina em bruto chega à Prorresina em bidões, que são vazados para reservatórios com mais de 3 metros de profundidade, consoante a proveniência. "A resina nacional nunca é misturada com a quem vem do estrangeiro", sublinha o dono da fábrica. Do bidão ao tanque

Da lenta extracção da resina no pinhal durante meses à sua recepção em bidões nas fábricas e posterior primeira e segunda transformações, vai muito esforço e suor. O fim último da resina é apelativo e útil, e altamente valorizado na economia, mas a sua transformação industrial obriga a um processo longo, exigente em termos físicos e tudo menos belo.

Que o digam Paula e Fátima, que operam na Prorresina – empresa de Góis (distrito de Coimbra) de primeira transformação fundada em 1928 – há 24 e 26 anos, respectivamente. Diariamente fazem rolar pelo chão cimentado negro e viscoso pesadíssimos bidões contendo o líquido translúcido, que há-de ser vazado consoante a proveniência da resina para cada reservatório com mais de três metros de profundidade. “Este bidão azul veio da África do Sul”, nota Amílcar Aleixo, o patrão, sublinhando que “a resina nacional nunca é misturada com a que vem do estrangeiro”.

“E já lhes aconteceu ficarem agarradas ao chão?”, perguntámos. Fátima e Paula respondem prontas e em uníssono, sorriso rasgado e sem nunca deixar de laborar: “Mais de quantas vezes!” A cara e as mãos – sem luvas – enegrecidas, as batas manchadas e as botas de camurça “à trolha” embrenhadas de sucessivas camadas de resina fazem adivinhar a rudeza da profissão.

A resina recebida do monte que é vazada para os tanques “está em bruto, conforme saiu do pinhal. Traz tudo: lixo, caruma, impurezas várias”, diz o director-geral da Prorresina. Passa depois para um malaxador, onde vai ferver e dissolver “para filtrar todas as impurezas”, após o que é crivada através de “um sistema de filtro a pressão”. Francisco Santos é filtrador. Trabalha ali há 16 anos e é ele quem, exposto a altas temperaturas, assegura aquele processo.

A resina derretida fica, depois, “a decantar no mínimo 24 horas” e, “através de injecção, vai para o destilador”, onde permanece “cerca de 45 minutos”. É através desse processo, a 180 graus, que se liberta a aguarrás, uma das componentes da resina. Amílcar retira um copo cheio de líquido e mostra-nos: “Está a ver? A aguarrás é como o azeite: vem sempre ao de cima.” José Domingos é o destilador. Trabalha na fábrica há seis anos. A mulher também ali labora, noutra secção.

Segue-se um processo de arrefecimento. A aguarrás é armazenada e a água libertada do processo é reconduzida para o tanque para refrigeração e reutilização.

Do processo industrial é também extraída a colofónia. É canalizada para uma larga e longa tela, que vai rolando e sendo refrigerada e a faz solidificar – qual película de vidro em andamento –, acabando por cair no fim do processo, seca e estilhaçada, sendo ensacada para os clientes. A validade “pode ir até um ano”, explica o dono da Prorresina.

Correr a Europa à procura de madeira

Na resinagem e na indústria de transformação de madeira e de resina, os dois grandes problemas são a escassez de matéria-prima, derivada da diminuição das áreas de plantação, sobretudo de pinhal, em Portugal, e a falta de mão-de-obra.

E os alertas têm sido mais do que muitos. Em Junho, a revista científica Nature dava conta que Portugal está entre os países da União Europeia com “desflorestação abrupta” desde 2015. Por sua vez, as Estatísticas de Uso e Ocupação do Solo referentes a 2018 publicadas no mesmo mês pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e baseadas na Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS) produzida pela Direcção-Geral do Território (DGT) concluíram: a área preenchida com floresta, pastagens e matos está a regredir em Portugal, país onde se deu uma variação de 56% no ritmo da área desflorestada no período 2016-2018 em relação a 2004-2015.

Quando pisamos o terreno e falamos com os proprietários florestais, os madeireiros ou os industriais da madeira e do mobiliário em qualquer ponto do país, repete-se a queixa: “Nos últimos 20 anos, perdemos 60% da área florestal e a perspectiva é que este ano isso continue”, lamenta Paulo Verdasca, administrador da Madeca, empresa que detém cinco unidades industriais na região Centro (entre serrações e unidades de transformação de madeira de pinho para vários fins) e que é especializada na produção automatizada de paletes.

O PÚBLICO falou com o industrial na fábrica de Tomar. Quando se lhe pergunta pelas dificuldades no acesso à madeira de pinho, Paulo não hesita: “Andamos a correr a Europa toda à procura de solução, porque em Portugal não temos matéria-prima”, lamenta, levantando o tema da “sobre-exploração de recursos” florestais. “Estamos a replantar, mas a velocidade da desflorestação é preocupante.”

Um estudo recente do Centro Pinus referia que, em meio século, mais de metade da floresta de pinho desapareceu no nosso país e que, só entre 2005 e 2019, o volume em crescimento daquela espécie arbórea registou um decréscimo “impressionante” de 37%. Perdeu-se 27% da área plantada no período de 1995 a 2015. A associação estima, aliás, que, para cumprir com as metas da Estratégia Nacional para as Florestas, o sector vá precisar de 564 milhões de euros de investimento até 2034.

PÚBLICO - Foto Numa fábrica de primeira transformação, a resina em bruto passa por um malaxador, onde é fervida e dissolvida para filtrar todas as impurezas. Desde Porter, “não se fez nada”

O administrador da Madeca é lapidar: “Estamos para o pinhal como estamos para os aeroportos: já fizemos três projectos e não se constrói nada.” E prossegue dizendo, “Desde Michael Porter, que definiu a floresta como um cluster importante para Portugal – eu fiz parte da equipa – e que fez um plano sério para este sector, não se fez nada. Aliás, se tivéssemos investido na floresta o dinheiro que se pagou pelos estudos, éramos um país rico”, diz o empresário, que tem dois filhos licenciados que optaram por trabalhar no estrangeiro e não se interessam pelo negócio das madeiras no seu país.

O estudo, recorde-se, encomendado em 1994 ao docente da Universidade de Harvard e especialista em estratégia empresarial pelo ex-ministro da Indústria Luís Mira Amaral, identificou como estratégicos para o nosso país, para além do turismo, do sector automóvel, do calçado, dos têxteis e do vinho, os clusters da exploração e indústria da madeira e da cortiça (gestão florestal incluída).

Em Alvares, concelho de Góis, o dono da Prorresina partilha da mesma preocupação. “Falta rentabilidade ao pinheiro, que é o que leva à proliferação do eucalipto. É que, num incêndio, o pinheiro morre e o eucalipto regenera.” Isto não falando na rapidez de crescimento de ambas as espécies: “Um pinheiro demora 40/45 anos a crescer – e ninguém acredita que nesse tempo não passe um incêndio – e um eucalipto demora 10 anos”, realça Amílcar Aleixo.

Na actividade resineira há outro problema: “Quando um incêndio passa num pinhal, a resina arde e desaparece”, refere o empresário. Aliás, fruto da redução da área de pinho em Portugal e dos incêndios que deflagram todos os anos, “o negócio da resinagem está a enfraquecer”. Só nos grandes incêndios de Junho e Outubro de 2017, Amílcar perdeu “cerca de 300 toneladas de resina”, sobretudo na Mata Nacional de Leiria.

Mas há mais causas para a degradação da actividade. “O ICNF pouco ou nada tem feito pela produção de resina, não melhorando as espécies de pinheiro como faz com o eucalipto, por exemplo”, lamenta o empresário de Góis.

Em Portugal, compra a resina aos resineiros sobretudo na região Centro – onde há mais área de pinheiro-bravo – e também em Mondim de Basto, mas 50% das suas necessidades industriais (cerca de 2000 toneladas por ano) são supridas com a importação de matéria-prima.

Brasil, Argentina e África do Sul são os países de origem da resina que vai buscar e, paradoxalmente, apesar dos vários milhares de quilómetros que separam de Portugal a América Latina ou o extremo sul de África, “essa resina chega cá mais barata cerca de 300 euros por tonelada do que a nossa”. O produto chega de barco a Sines, vem de comboio em contentores para Torres Novas e, de lá, vem em camião para aqui [Alvares]”.

Em Portugal, Amílcar compra a resina para a sua fábrica a “1,10 euros por quilo no pinhal”. Cada pinheiro produz em média “2 a 2,5 quilos de resina” por ano. São seus os custos de transporte. Vende-a já limpa e pré-transformada à indústria de segunda transformação a “1,25 euros o quilo”.

Fomos ao terreno falar com um dos fornecedores da Prorresina. A meio daquela tarde quente do início de Julho, o dono da empresa fez-se à estrada no seu carro, o PÚBLICO acompanhou-o em viatura própria, atrás. O mapa diz que são cerca de 35 quilómetros dali à Sertã e Amílcar calculou: “É meia horita daqui lá”.

PÚBLICO - Foto "Antes sobrevivíamos da resina, todos construíamos uma casa e púnhamos os filhos a estudar", lembra o resineiro João Cardoso Antunes, para quem, no presente, "a resinagem não é uma actividade rentável". Isto morre tudo”

Saímos da Estrada Nacional 2 para uma via secundária e paramos na bifurcação com outra estrada secundária e um caminho de terra batida.

João Cardoso Antunes aparece sorridente e vagaroso, botas de camurça bem coçadas. É resineiro. “Comecei com 13 anos, tenho 61 e cá ando. Também tiro cortiça e faço outros trabalhos na agricultura. A resina dá para a gente se entreter”, diz ao PÚBLICO, comprovando que a vende a “1,10 euros o quilo” à Prorresina.

Cada pinheiro que explora dá à volta de 2,5 quilos de resina por ano, “se correr bem”. João tem pinhal próprio, mas faz contratos de exploração de resina com outros proprietários florestais. “Agora exploro cerca de três mil pinheiros – cerca de 200 são meus –, mas já cheguei a ter oito mil [árvores em exploração].”

“Antes sobrevivíamos da resina, todos construíamos uma casa e púnhamos os filhos a estudar. Eu fiz a minha casa em 1991, quando casei. Tudo com o suor do meu trabalho”, diz o resineiro, lembrando não só a escassez de matéria-prima nos dias que correm, como a escassez de mão-de-obra.

O resineiro da Sertã tem dois filhos. A filha, 27 anos, já está licenciada, em Contabilidade de Gestão. O filho, 24 anos, está a tirar Engenharia Electrotécnica. O pai não acredita que, quando se reformar, o rapaz queira seguir as suas pisadas. “Alguém hoje quer seguir isto?”, ri-se. “A resinagem não é uma actividade rentável”, diz, a escorrer suor.

Durante a caminhada pelo monte, entre pinheiros e vasos de resina, sob um sol tórrido, Amílcar Aleixo vai ouvindo e concordando. Também tem dois filhos e nenhum parece querer enveredar pela indústria fundada pelo avô em 1928. A filha tirou Enfermagem em Lisboa e o filho acabou de tirar Gestão. É o genro, que tirou Design de Comunicação também em Lisboa, que está há três anos na fábrica a tentar tomar as rédeas do negócio.

“Aqui na região há umas casas de xisto muito bonitas, mas, lá está… [as pessoas] só lá vão ao fim-de-semana. Ninguém se quer fixar aqui. Mas uma coisa lhe digo: se ninguém se fixar aqui, isto morre tudo.”

PÚBLICO - Foto Cada pinheiro produz, em média, 2 a 2,5 quilos de resina por ano. Segundo informação da Centro Pinus, a resinagem pode representar uma receita anual de 50 a 500 euros por hectare. Reitor da UTAD : Floresta é estruturante para o país”

Perante as queixas, de norte a sul e transversais a toda fileira, o PÚBLICO questionou o reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) sobre o que está a falhar nesta vertente.

António Fontaínhas Fernandes adverte que, do lado das universidades, a UTAD, a norte, e o Instituto Superior de Agronomia (ISA), a sul, são as duas únicas instituições de ensino superior que oferecem vagas de Engenharia Florestal.

E reconhece que “a mão-de-obra no sector florestal tem vindo a escassear, em especial a qualificada, nos diferentes contextos de trabalho”. Considera que é “um problema que tem vindo a acentuar-se, desde logo porque é uma área com baixa capacidade de atracção de jovens”.

“Provavelmente, o enfoque na problemática dos incêndios florestais tem passado uma imagem muito centrada em aspectos negativos e não nas conhecidas vantagens económicas e de sustentabilidade ambiental da floresta”, diz o reitor.

À parte disso, aponta Fontaínhas Fernandes, “as instituições não têm conseguido passar a mensagem da relevância da formação nesta área”. Defende, por isso, que “a ideia de que as profissões associadas ao sector primário são pouco apelativas deve ser desconstruída pelos órgãos centrais”. Porque, ao contrário do que possa parecer, elas são “estruturantes para o país”.

No interior norte, tal como na região Centro, a escassez de mão-de-obra confirma-se. Mesmo para funções indiferenciadas, sem qualificações.

O PÚBLICO foi a Paradela, Fervença (concelho de Celorico de Basto), e falou com um madeireiro. António Camelo dedica-se a cortar árvores, “em verde ou queimadas”, transporta-as para o seu estaleiro e traça-as em cavacos para aquecimento. Vende para “todo o tipo de clientes”.

“A mais usada é o eucalipto, mas é o que aparece”, diz, queixando-se da “falta de pessoal” para o ajudar. “O que me vale é o tractor e as máquinas. Às vezes ainda aparece alguém, mas a gente ainda tem de perder tempo para os ensinar”, diz António, revelando que paga aos proprietários “entre 30 a 35 euros por tonelada de pinheiro verde para a construção”. “Isto se houver bons acessos.” Se não for o caso, o preço cai para “15 euros a tonelada”.

Por vezes, também o contratam para “‘derreter’ a madeira no monte”, como forma de limpar os terrenos da vegetação invasora ou da lenha queimada que não tem aproveitamento comercial. Aí, o preço dispara. “É muito mais caro. Trabalhamos com uma trituradora e anda à volta de 200 euros por hectare. É caro porque os acessos são maus e estraga-se muito o material.”

PÚBLICO - Foto A falta de matéria-prima no mercado nacional é um dos problemas da actividade de transformação de resina. Amílcar Aleixo admite que tem de importar duas mil toneladas por ano para suprir 50% das necessidades da Prorresina. Estado nã o é exemplo para ninguém”

Noutro ponto do concelho de Celorico de Basto, a escassos dois quilómetros do centro da vila, Luís Camelo, primo de António, também é madeireiro. Mas opera com maior volume de madeira e para outros fins. Tem estaleiro em Vila Real.

Vende a madeira cortada na floresta – pinheiro, eucalipto e outras espécies – por grosso, em toros, para cortar para aquecimento, mas, sobretudo, para a indústria (pellets, paletes e para as celuloses). “Vendo à Altri”, conta, revelando que compra a madeira, “em pé”, a “mais ou menos 20 euros a tonelada”. “Mas o preço varia conforme o sítio de onde a vamos tirar”. O empresário diz que tem “olho”  “Olho para uma árvore e sei quanto é que ela vai pesar”, diz.

O problema é a diminuição das áreas florestais. “Os incêndios destroem tudo, é difícil arranjar madeira.” E a queimada não serve. “Não ganhamos nada com ela, é uma madeira desclassificada, não tem qualidade, não tem peso”, diz Luís, que corta “cerca de 60 a 70 toneladas por dia”. Opera com “três camiões diariamente” e emprega cinco pessoas a tempo inteiro. “Já trabalham comigo há muitos anos, já sei que conto com eles, mas se tivesse de meter gente nova agora sei que seria difícil”, assume.

“Andamos neste momento em Valpaços [a cortar madeira] e acabei há dias em Lamego”, diz o madeireiro, lamentando que o Estado não seja “exemplo” no que respeita à limpeza das matas que gere. “O Estado não é exemplo para ninguém”, desabafa, dando como exemplo “quando houve um incêndio em Paradança, Ermelo, há sete anos”. Na altura, o empresário negociou com os serviços florestais “dois lotes de madeira” para cortar, “cerca de mil toneladas”. “Cortámos e levámos a madeira para os nossos clientes, tudo acompanhado do respectivo manifesto, e limpámos o terreno todo, porque é obrigatório deixar tudo limpo por causa das contaminações.” Aliás: “Só depois de deixarmos tudo limpo é que nos devolvem a caução que temos de entregar à cabeça”, acrescenta o madeireiro.

Por que motivo diz, então, que “o Estado não é exemplo”?, insistimos. “Passados estes sete anos, os serviços florestais ainda têm lá tudo, no lote que ficou para eles. A madeira queimada está lá a apodrecer”. O Estado, lamenta o madeireiro, “é bom impor as regras aos outros, mas eles, que são os nossos polícias, não cumprem”.

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