leitores@sabado.cofina.pt (Sábado) - 7 ago. 15:57
As pedras da vida
As pedras da vida
No verão, a vida era-lhe mais mansa, apesar de corrida – às tantas já fazia Lisboa-Alentejo, Alentejo-Lisboa como se fosse ao pão. - Opinião , Sábado.
Na praia, ela estava em casa. Todos os anos, os meses de verão soavam-lhe a refrão: de junho a setembro, aos fins de semana, ela saía de Lisboa para acordar tarde como uma estrela do rock, passar o dia ao sol como se tivesse jogado a Liga dos Campeões e ser, pela noite, a rainha da brasa, género Chefs on Fire com um grelhador de quinta.
No verão, a vida era-lhe mais mansa, apesar de corrida – às tantas já fazia Lisboa-Alentejo, Alentejo-Lisboa, como se fosse ao pão e rolava pelas portagens como se fossem manteiga. Naqueles dois dias, encontrava felicidade numa bandeira verde e nem reclamava do vento que se levantava ao final da tarde. Ainda assim, humana, tinha sempre de que reclamar.
Num desses fins de semana, tinha também amigas com quem partilhar o paraíso emprestado e as angústias de que era dona. As amigas, bem como o dia de praia perfeito, tinham comparecido, até que, antes de se despedirem do sol, decidiram apanhar pedras como quando eram crianças e não sabiam como o verão fica baço no inverno.
A tarefa corria bem e até a fazia esquecer as agruras da vida mas a vida tinha um conflito reservado para ela. Para fazer uma graça, ela pegara numa pedra de tamanho desproporcionado para o efeito. Ato contínuo, largara-a.
Em pânico, tentava soltar as próprias mãos do corpo, gritando que a pedra tinha "cocó". O termo usado não era usado ao acaso – havia qualquer coisa de infantil naquilo da recolha de pedrinhas, como havia qualquer coisa de primário naquilo de reagir com nojo a fezes. As amigas riam, ela chorava, as amigas choravam de rir e, águas passadas, ficou tudo em pratos limpos: não podia contar com elas.
Naquela noite, queixou-se – e aí já usando a palavra "merda". Para lhe dar uma lição, a vida, que às vezes é um cocó, mostrou-lhe como pode sempre ser pior: na volta da viagem, ela teria um teste de Covid-19 para fazer. Numa citação livre de Nemo Nox (e não Pessoa, pessoas), ela disse: "Pedras no meu caminho? Antes recolhê-las todas."
No verão, a vida era-lhe mais mansa, apesar de corrida – às tantas já fazia Lisboa-Alentejo, Alentejo-Lisboa, como se fosse ao pão e rolava pelas portagens como se fossem manteiga. Naqueles dois dias, encontrava felicidade numa bandeira verde e nem reclamava do vento que se levantava ao final da tarde. Ainda assim, humana, tinha sempre de que reclamar.
Num desses fins de semana, tinha também amigas com quem partilhar o paraíso emprestado e as angústias de que era dona. As amigas, bem como o dia de praia perfeito, tinham comparecido, até que, antes de se despedirem do sol, decidiram apanhar pedras como quando eram crianças e não sabiam como o verão fica baço no inverno.
A tarefa corria bem e até a fazia esquecer as agruras da vida mas a vida tinha um conflito reservado para ela. Para fazer uma graça, ela pegara numa pedra de tamanho desproporcionado para o efeito. Ato contínuo, largara-a.
Em pânico, tentava soltar as próprias mãos do corpo, gritando que a pedra tinha "cocó". O termo usado não era usado ao acaso – havia qualquer coisa de infantil naquilo da recolha de pedrinhas, como havia qualquer coisa de primário naquilo de reagir com nojo a fezes. As amigas riam, ela chorava, as amigas choravam de rir e, águas passadas, ficou tudo em pratos limpos: não podia contar com elas.
Naquela noite, queixou-se – e aí já usando a palavra "merda". Para lhe dar uma lição, a vida, que às vezes é um cocó, mostrou-lhe como pode sempre ser pior: na volta da viagem, ela teria um teste de Covid-19 para fazer. Numa citação livre de Nemo Nox (e não Pessoa, pessoas), ela disse: "Pedras no meu caminho? Antes recolhê-las todas."