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Hoje volta-se a ouvir em Lisboa: recorde a história do hino da Champions, contada pelo seu 'pai'

Hoje volta-se a ouvir em Lisboa: recorde a história do hino da Champions, contada pelo seu 'pai'

Um jogo de futebol é repleto de grandes momentos: uma enorme defesa, um golo do outro mundo, um passe 'delicioso', o barulho dos adeptos, o corte in extremis. Mas ...

Um jogo de futebol é repleto de grandes momentos: uma enorme defesa, um golo do outro mundo, um passe 'delicioso', o barulho dos adeptos, o corte in extremis. Mas nos jogos da Liga dos Campeões há um grande momento que acontece ainda antes do apito inicial. Diz quem já o viveu que no momento em que o hino da Champions começa a tocar a pele se arrepia e a emoção é grande. E não é para menos, não só um jogo de Champions é sempre um grande jogo, como a própria música no seu tom clássico e coro, ajuda a isso.

Mas afinal de contas de onde surgiu o hino da Liga dos Campeões, um dos mais incríveis e reconhecidos hinos do mundo? Para percebermos tudo, temos de regressar a 1992.

Apesar de atualmente ser um dado adquirido, principalmente pelas gerações mais novas, a Liga dos Campeões nem sempre se chamou Liga dos Campeões. Entre 1955 e 1991 a prova chamava-se Taça dos Campeões Europeus, tendo sido conquistada por dois clubes portugueses nessa altura Benfica (2x) e FC Porto. No ano de '91, a UEFA remodelou a competição e deu-lhe o formato que hoje conhecemos, com o logótipo reconhecido por todo o mundo e o seu hino.

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A música para a competição acabou por ir parar às mãos de Tony Britten, um compositor britânico focado em música para anúncios que, quando aceitou o trabalho, estava longe de imaginar no que se iria tornar. De resto, não ninguém melhor para recordar todo este processo que o  próprio 'pai' do hino mais conhecido do futebol. O SAPO Desporto falou com Tony Britten para perceber tudo o que aconteceu e que culminou na criação desta música.

"Na altura trabalhava com muitos jingles e anúncios e tinha uma agente que olhava por esse lado da minha carreira. Encontraram-na e basicamente [os responsáveis da UEFA] sabiam que queriam algo “clássico” mas não sabiam ao certo o quê. Foi pouco depois dos ‘Três Tenores’ no Mundial [de 1990, em Itália] e a música clássica estava em todo o futebol. Tudo o que sabiam era que não queriam um ‘solo’, queriam um coro. Ela passou-me isso e eu pensei que a única forma de descobrir o que queriam era mandar-lhes vários exemplos de música coral. Mandei-lhes e eles escolheram ‘Zadok The Priest’ de Handel. Disseram 'Nós gostámos disto'. Assim já sabia o caminho por onde seguir", começa por nos contar o compositor britânico.

Bitten afirma que foi um processo muito rápido, algo que hoje em dia leva "meses, anos.. passam por comités e grupos de foco. Na altura não houve nada disso, eramos um grupo de criativos, (...). Foi muito direto ao assunto na verdade", recordou.

A prova estava a ser remodelada numa altura em que o futebol europeu não passava pelo melhor dos seus momentos e a UEFA olhava para a Liga dos Campeões como forma de mudar essa imagem.

"Uma das coisas com as quais a UEFA estava muito preocupada era que naquela altura o futebol não tinha uma boa imagem, havia muita violência, muito ‘hooliganismo’ em toda a Europa, não só no Reino Unido. Eles estavam a tentar restaurar o futebol, o seu ‘status’ – ‘o jogo bonito’ - isso era muito importante para eles", recorda Tony.

Depois de "Zadok The Priest" dar o caminho a seguir, o processo não demorou muito, o que pela experiência do britânico é positivo.

"(...) Não demorou muito, foram dias e isso é bom. Pela minha experiência, quando as coisas fluem naturalmente, normalmente são boas. Se tiveres de trabalhar muito, provavelmente tens um problema", disse.

Depois da música, seguiu-se a letra... algo que a UEFA não pareceu lembrar-se na altura.

"Eles disseram 'Queremos um hino' e eu 'Boa, onde é que estão as palavras?' e eles não tinham. Então disse-lhes que podia tratar disso e perguntei-lhes o que queriam que escrevesse e eles queriam “o melhor, o maior”... Então arranjei traduções literais de todos os superlativos que consegui arranjar para as outras duas línguas oficiais da UEFA - francês e alemão - e juntei tudo. É estranho que tenha funcionado, mas ainda bem que funcionou porque aqui estamos todos estes anos depois e continua a ser usado".

Já agora a letra, se não a sabe toda, é esta:

"Ce sont les meilleures équipes [Estas são as melhores equipas]
Sie sind die allerbesten Mannschaften [Eles são as melhores equipas]
The main event [O evento principal]

Die Meister [Os mestres]
Die Besten [Os melhores]
Les grandes équipes [As grandes equipas]
The champions [Os campeões]

Une grande réunion [Um grande encontro]
Eine große sportliche Veranstaltung [Um grande encontro desportivo]
The main event [O evento principal]

Ils sont les meilleurs [Eles são os melhores]
Sie sind die Besten [Eles são os melhores]
These are the champions [Estes são os campeões]

Die Meister [Os mestres]
Die Besten [Os melhores]
Les grandes équipes [As grandes equipas]
The champions [Os campeões]"

"Sou sincero, acho que ninguém (...) esperava que se tornasse no ‘monstro’ que se tornou"

O hino estava pronto e Tony seguia com a sua vida, como disse numa entrevista longe de imaginar no que a música que tinha composto se ia tornar.

"Sou sincero, acho que ninguém na equipa na TEAM [agência de marketing responsável pela imagem da Liga dos Campeões] ou na UEFA esperava que se tornasse no ‘monstro’ que se tornou. É enorme. Eu estava muito ocupado na altura, fazia muitos filmes, muitas partituras, produzia… era um rapaz ocupado. Por isso não dei conta durante anos. Eu via na televisão e pensava ‘boa, continuam a usar a minha música'. Não dei conta durante anos", revela, antes de recordar o momento em que se apercebeu da enormidade que o seu hino tinha assumido.

"Fui conduzir a orquestra ao vivo em San Siro, na final entre Bayern de Munique e Valência [2001]. Basicamente tornamos Milão na 'L'Opera Del Calcio' - a opera do futebol - e foi uma loucura. Dirigi o coro da 'La Scala' de Milão [ndr uma das mais famosas casas de ópera do mundo] no relvado... Nesse momento pensei que sim, realmente isto era importante", recordou.

Uma importância assumida por todos os que jogam, apitam ou vêem, em casa ou no estádio, um jogo da principal prova europeia de clubes. E nem Ronaldo escapa.

Um episódio que o compositor recordou na nossa conversa.

"Isso foi tão engraçado! Fui buscar o jornal de manhã e o jovem da agência virou-se para mim e disse ‘Sr. Britten, você sabe que ficou viral?!’ e eu a pensar ‘o que é isso?’. “Não sabe, o Ronaldo?”, bem eu sabia quem era o Ronaldo… quando vi aquilo tinha milhões de visualizações. É uma loucura, mas é bom", disse sorridente.

Este fã do Crystal Palace, ainda aguarda por ter a oportunidade de ouvir o hino em Selhurst Park, apesar de admitir que não é um fã que acompanhe todos os jogos.

"Cresci em Croydon, de onde é o Crystal Palace, todos eramos fãs e costumava ir aos jogos, mas já não vou há alguns anos, já levei o meu filho mais velho lá. Apoio-os de longe. (...) Mas claro, seria incrível! Até só chegando ás primeiras fases e ouvir o hino. Mas não digo que não seja possível, aconteceu com o Leicester…", um exemplo que usa para realçar um dos aspetos que considera mais importantes na prova.

"Penso que é uma das coisas mais importantes nesta competição. Claro que vamos ter sempre um Bayern, uma ‘Juve’, um Manchester City… Mas é aberto, se jogares um futebol bom o suficiente chegas à Liga dos Campeões. E se jogares mesmo bem, vais avançando, o dinheiro vai aumentando e consegues comprar mais jogadores, vai funcionando. Vais subindo etapas", considera.

Sobre a edição deste ano, uma edição atipica por tudo o que sabemos, Tony Britten considera que a ausência de público vai ter um papel importante na decisão da Liga dos Campeões, recordando um episódio na final de 2001 em que conduziu a orquestra.

"Penso que um dos problemas é que quanto mais avanças, mais o público se torna importante. Quando fizemos o hino ao vivo em San Siro, na altura não tínhamos o som nos auscultadores, tinha um par de colunas a enviarem-me a música e nos ensaios pedi para o técnico de som baixar o volume, porque ia dar cabo de mim… Mas quando chegamos à final, eu não conseguia ouvir. Felizmente aumentaram o volume das colunas e o coro foi fantástico, todos me seguiram e ninguém notou. Mas nunca tinha ouvido um barulho como aquele. Aquela emoção…", relembra.

"É importante que o futebol regresse, para os fãs para todos. (...) É bom para relembrar que a vida vai continuar e o futebol é importante para muita gente, faz muita gente feliz

Apesar isso, o britânico deixou-nos a sua aposta para o campeão europeu desta época, realçando ainda a importância do regresso do futebol"

"(...) Será a equipa que estiver mais confortável, que joga o seu jogo sem se preocupar com o resto. Tenho um felling que o Barcelona é capaz de conseguir. Mas é importante que o futebol regresse, para os fãs, para todos. Para dizer "olhem, as coisas estão complicadas, mas vão melhorar" e isto é bom para relembrar que a vida vai continuar e o futebol é importante para muita gente, faz muita gente feliz", rematou.

28 anos depois da primeira vez que saiu a público o hino da Liga dos Campeões continua como novo, sendo atualmente um dos mais conhecidos hinos do mundo, fazendo vibrar milhões de pessoas à volta do globo e com uma pandemia o mundo bem precisa de momentos destes.

Este ano, por causa da COVID-19, a competição sofreu alterações, com jogos à porta fechada, jogos a uma só mão e numa só cidade. Mas há algo que não muda e que se vai ouvir no Estádio José Alvalade e no Estádio da Luz: ainda que sem público nas bancadas o hino da Liga dos Campeões sai de Lisboa para o mundo.

Especial Liga dos Campeões: Acompanhe todas as decisões com o SAPO Desporto! 

*Artigo originalmente publicado a 7 de Agosto de 2020

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