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MSF e Sea Watch anunciam regresso ao Mediterrâneo acusando a UE de inacção

MSF e Sea Watch anunciam regresso ao Mediterrâneo acusando a UE de inacção

“Enquanto o problema não estiver do lado da União Europeia, vai ser ignorado”, diz Hassiba Hadj Sahraoui, dos Médicos Sem Fronteiras. A covid-19 tem sido uma desculpa para evitar mais resgates de migrantes, acusam.

“Porque ninguém deve morrer no mar”  essa é a razão para as organizações não-governamentais Médicos Sem Fronteiras (MSF) e Sea Watch se juntarem para ter um navio, o Sea Watch 4, a fazer salvamentos no Mediterrâneo Central: “Temos a profunda convicção que ninguém deve ser deixado a afogar-se, independentemente das razões para sair do seu país”, como disse na apresentação da iniciativa Oliver Behn, director de operações da organização.

Se a razão para a MSF regressar às operações de salvamento, que deverão começar “em meados de Agosto”, é simples (a organização terminou recentemente a sua cooperação com a SOS Mediterrâneo e começa agora uma parceria com a alemã Sea Watch), o quadro actual é complexo. Behn diz que a União Europeia não está apenas a falhar na sua missão de não deixar ninguém morrer no mar, como está a levar a cabo uma obstrução e bloqueio do trabalho de resgates das organizações não-governamentais. 

A isto junta-se uma pandemia que, diz a organização, está a servir de pretexto para fazer ainda menos operações de salvamento. “A covid-19 deu um argumento para paralisar as nossas operações de salvamento no mar, que são politicamente inconvenientes”, acusou Behn.

Nas palavras de Aloys Vimard, enfermeiro que esteve a bordo do navio de salvamento Aquarius e que faz agora parte da equipa de resposta à covid-19 da MSF na Europa, há “uma enorme deslocação de meios para assegurar que as pessoas que estão a arriscar as suas vidas nunca consigam chegar à Europa”. A questão é que “com ou sem covid, as pessoas vão continuar a tentar.”

Relatório após relatório tem detalhado condições terríveis na Líbia — o último, do ACNUR, é da semana passada —, onde migrantes e refugiados são sujeitos a condições de detenção sem o mais básico (não há casas de banho, nem sempre há comida ou água, há doenças como tuberculose), e ainda violação e tortura por traficantes que querem mais dinheiro ou até pelas forças de segurança do país.

Entre o início de Janeiro e o fim de Julho deste ano, saíram 14.481 pessoas da Líbia tentando chegar à Europa  um aumento de 91% em relação ao mesmo período do ano anterior.

A rota do Mediterrâneo é ainda a rota marítima mais mortífera para refugiados de todo o mundo, lembrou Behn.

Ainda que o número de pessoas a chegar à Europa tenha diminuído nos últimos anos, o número de mortos no Mediterrâneo tem-se mantido sempre acima dos mil por ano: em 2019, mais de 1200 pessoas morreram na travessia, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). E a travessia da Líbia para Itália, a mais perigosa das três rotas do Mediterrâneo, está cada vez mais letal: se em 2017 morriam em média uma em cada 51 pessoas a fazer essa rota, em 2019 a média foi de 1 em cada 33, diz a OIM.

Na apresentação da missão, um jornalista perguntou se era responsável iniciar uma operação de salvamento se pode não haver um porto para levar as pessoas resgatadas, lembrando casos recentes de navios que não tiveram onde aportar. Hassiba Hadj Sahraoui, conselheira para questões humanitárias da MSF, respondeu que enquanto não há ainda garantias de que haverá um porto, entendimentos anteriores de vários países (incluindo Portugal) para receber migrantes e refugiados nos resgates mais recentes podem ser o início de uma resposta.

Mais, Hadj Sahraoui diz que “enquanto o problema não estiver do lado da União Europeia, será ignorado a todo o custo”.

A União Europeia é acusada de fazer “outsourcing” do trabalho de resgate para a guarda costeira líbia e assim mandar as pessoas de volta para os horrores de onde estavam a tentar fugir.

Kemo Kebbe, 26 anos, da Gâmbia, foi salvo numa das últimas operações de resgate do Ocean Viking (pela MSF e SOS Mediterrâneo, o navio continua em Itália, impedido de navegar). 

Na conferência de imprensa online, Kebbe, que passou pela Líbia, tentou explicar quão mau era: “não é um país onde se possa viver”. Na primeira tentativa de sair, o seu barco foi interceptado pela guarda costeira líbia e levado de volta. Kebbe foi então levado para um centro oficial, ou preso, como ele diz.

Na segunda tentativa, o tempo estava terrível, e a dada altura da viagem tornou-se óbvio que o barco não ia chegar ao destino. “Éramos 61 pessoas no barco. E todos concordaram numa coisa: não íamos pedir ajuda à guarda costeira líbia. Entre morrer ali no mar ou numa prisão na Líbia, toda a gente preferia morrer ali”, disse Kebbe, que está actualmente na Alemanha, onde decorre o seu processo de pedido de asilo.

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