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Uma avó ao piano no meio da destruição, a enfermeira “com uma força oculta” e outras histórias de resiliência e bravura: Beirute, 08/2020

Uma avó ao piano no meio da destruição, a enfermeira “com uma força oculta” e outras histórias de resiliência e bravura: Beirute, 08/2020

Vão surgindo do meio dos escombros histórias de gente que teve calma na adversidade ou que se colocou em risco para ajudar os outros. Neste texto há uma avô pianista, uma enfermeira heroína e um parto feito com a luz de um telemóvel - o bebé recebeu o nome do hospital

Todos os relatos recolhidos até agora junto de quem sobreviveu à enorme explosão no porto de Beirute falam da força da onda de choque que em segundos destruiu prédios, deitou abaixo candeeiros e fez voar automóveis como se fosse um tornado. Em poucos segundos, os pedidos de ajuda agoniados de quem foi atingido pelos estilhaços encheram as ruas e o hospital mais perto da explosão atingiu a sua capacidade máxima menos de uma hora depois da explosão.

No meio de uma das mais graves tragédias desde o fim da guerra civil (1975-1990) começam a surgir histórias de coragem, altruísmo, resiliência - e outras tão improváveis que parecem milagres. Nesta última categoria está a da enfermeira que salvou três recém-nascidos do hospital de St.George (Al Raum), o mais perto do impacto, mesmo tendo ficado inconsciente. “Não sei o que se passou, acho que perdi momentaneamente a consciência e quando voltei a mim tinha os bebés nos braços”, contou a enfermeira, que ainda não foi identificada, ao fotojornalista Bilal Marie Jawish, que acompanhava a chegada dos feridos ao hospital universitário.

“Já cobri muitas guerras mas em 16 anos de profissão nunca vi um cenário como aquele a que assisti no dia 4 de agosto, em Ashrafi”, escreveu o fotógrafo no texto que acompanha a fotografia. À CNN contou que o que mais o impressionou foi a calma da enfermeira. “Fiquei surpreendido quando vi a enfermeira a segurar os três recém-nascidos. “Notei a calma da enfermeira, que contrastava com a atmosfera circundante a apenas um metro de distância.” Jawish diz que se viam feridos e mortos por todo o lado. "No entanto, a enfermeira parecia possuir uma força oculta para o autocontrolo. As pessoas destacam-se pela forma como agem em situações violentas, tristes, vis, mas esta enfermeira esteve à altura da tarefa", disse o fotógrafo.

O hospital perdeu paredes, alas inteiras ficaram arrasadas. George Saad, um dos médicos nas urgências, contou também à CNN que 12 pacientes, duas visitas e quatro enfermeiros morreram com ferimentos provocados pela explosão. Metade de todo o material médico está destruído, tal como 80% da infraestrutura do próprio hospital.

No mesmo cenário de caos, neste mesmo hospital, passava-se ao mesmo tempo outra coisa extraordinária: um parto. O pai da criança, Eddy Khnaisser, estava a filmar o parto da mulher e acabou por captar o momento em que o hospital é atingido pela explosão. A sala de parto fica totalmente coberta de vidro, as janelas caem em cima da maca da sua mulher e depois tudo fica negro, porque a luz vai abaixo. Nas fotos seguintes vê-se a equipa médica a realizar o parto com a luz dos próprios telemóveis. "Ontem, o meu filho George nasceu sob uma explosão catastrófica! Foi uma loucura! Não acreditei que saímos vivos. A minha mulher está ótima e o bebé George está incrível!", escreveu no texto que acompanha a partilha do momento nas redes sociais. O bebé recebeu o nome do hospital.

Há mais histórias de sobrevivência que estão a dar alento a quem nas últimas horas tem procurado por sobreviventes ou procurado simplesmente encontrar forma de tapar os buracos onde um dia estiveram as janelas das suas casas. Uma avó libanesa, talvez sem saber, é agora famosa no mundo depois de a sua neta, Hoda Melki, ter partilhado um vídeo da senhora sentada ao piano a tocar Auld Lang Syne no meio de uma sala totalmente destruída. Há vidros espalhados pelo chão, o varão das cortinas caído por cima do sofá, todas as grandes janelas da sala e os respetivos caixilhos foram arrancados pela força do impacto. E a senhora, a quem nunca vemos o rosto, continua a sua melodia. O poema que normalmente acompanha a música é do poeta escocês Robert Burns e fala do passado e do tempo perdido.

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