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Reino Unido: da irritação ao encolher de ombros

Reino Unido: da irritação ao encolher de ombros

Depois da surpresa e irritação com a decisão britânica, talvez uma eventual inclusão futura de Portugal nos corredores turísticos só possa agora ser recebida com um encolher de ombros.

Dizia Nietzsche que a ironia apenas era oportuna se fosse utilizada como pedagogia. E não deixa de ser irónico que o Governo de Boris Johnson mandasse os seus cidadãos para Espanha e agora os obrigue a fazer quarentena, incluindo o próprio ministro dos Transportes que criou as listas discriminatórias. Em contrapartida, Portugal tem feito um combate determinado à pandemia, com transparência e resultados visíveis, levantando por isso muitas dúvidas as razões invocadas pelos britânicos para excluírem dos corredores turísticos pelo menos algumas regiões como o Algarve, a Madeira e os Açores.

As listas vermelhas têm surgido como uma forma de marketing nacional implícito que reivindica uma suposta superioridade perante outros países, à mistura com o argumento da necessidade de proteção para evitar a propagação do vírus. Mas nestes tempos de incerteza e vulnerabilidade generalizada, facilmente esta suposta superioridade se transforma numa forma de arrogância, sobretudo se faltar moral nas decisões.

Dizia também Nietzsche sobre a arrogância que ela é a condição de quem quer dar a si próprio mais importância do que lhe é reconhecida. Pois pode muito bem ser esse o caso do Reino Unido, que tem feito uma gestão errática da pandemia, com consequências dramáticas para muitos milhares de britânicos.

E apesar dos momentos muito difíceis que o Reino Unido viveu, Portugal nunca fechou as fronteiras aos britânicos nem impôs qualquer tipo de restrições aos residentes em Portugal, o mesmo não acontecendo em sentido inverso. Triste ironia, em que o Governo britânico parece não ter aprendido nada, ensimesmado sobre si próprio, sem olhar à história nem ao bom senso. Existirá mesmo essa coisa a que se chama “a mais antiga aliança”?

É certamente uma decisão arrogante a que nem sequer o argumento da defesa dos seus cidadãos resiste, nem tão pouco o embaixador britânico consegue explicar satisfatoriamente, parecendo mais que está a pedir desculpa pela posição do Governo que é obrigado a defender e proteger, desafiando a razão e a coerência.

Numa mensagem enviada no seu Twitter, o embaixador Chris Sainty até deu os parabéns a Portugal “por conter com sucesso o vírus e manter as taxas de hospitalização e mortes muito baixas”. E evocou ainda como critérios os dados regionais, o número de testes e a respetiva estratégia, entre outras coisas. Aparentemente, por razões desconhecidas, o Governo britânico apenas considerou o número de novos infetados por 100 mil habitantes, ignorando os outros parâmetros e o facto de as belas ilhas da Madeira e dos Açores e o Algarve quase não terem casos ativos. Portanto, das duas uma: ou o Governo britânico tomou a decisão por outras razões que não os critérios referidos ou o seu embaixador em Lisboa foi totalmente ignorado.

I have said many times that I think ???? has done tremendous work in fighting the pandemic and the ???? Government and health authorities should be congratulated for successfully containing the spread of the virus, keeping hospitalisation and death rates very low. 6/9

— Chris Sainty (@ChrisSaintyFCO) July 24, 2020

Mas a vida tem de continuar, mesmo que seja aos tropeções enquanto o maldito vírus andar por aí, a aparecer e desaparecer quando e onde menos se espera. O que hoje é, amanhã pode deixar de ser. Só é triste, porque pouco eficaz, que os países se entretenham a fazer listas discriminatórias que nenhumas medidas de testagem e controlo efetivo de novos surtos podem substituir.

Como, na Europa, os países não querem fechar as suas fronteiras, a situação só se resolve quando decidirem assumir a partilha dos riscos. Quem envia turistas pode estar a ativar casos no país de destino e a importá-los, o que é válido para todos. Portanto, a questão essencial é fazer cumprir as regras de saúde pública e robustecer os sistemas de controlo e acompanhamento da situação pandémica, porque ninguém resiste a manter as economias paralisadas.

As quarentenas funcionam muito mais como uma forma de direcionar a mobilidade para certos destinos turísticos do que para travar a propagação do vírus. Se há fenómenos que não se combatem com nacionalismos e fecho de fronteiras, este é um deles. Pelo contrário, devia haver mais solidariedade e cooperação entre países, mais verdade e transparência na divulgação da informação, mais medidas conjuntas e confiança mútua, o que seria bem melhor para proteger as economias e os valores europeus.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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