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A bagagem para as férias, ou um futuro complexo e sombrio…

A bagagem para as férias, ou um futuro complexo e sombrio…

Como vamos ser capazes de superar esse futuro que se vislumbra escuro?

No dia em que escrevo este texto, o último do mês de Julho de 2020, quando estamos já a fechar as malas para irmos para uns particularmente merecidos dias de férias, ficámos todos a saber aquilo que já adivinhávamos. Que o impacto da pandemia nas nossas vidas está a ser muito pesado. E, mais do que isso, que muito provavelmente poderá vir a ficar ainda mais pesado. Pelo menos enquanto não for conhecida uma verdadeira solução para o problema, designadamente uma vacina que nos ajude a desenvolver os anticorpos adequados para anular ou pelo menos para controlar os efeitos nefastos que este vírus provoca no ser humano.

Ficámos nomeadamente a saber, pela divulgação do Relatório da evolução do PIB relativo ao 2.º trimestre de 2020 do Eurostat, que o valor do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre, que o mesmo é dizer que o valor de toda a riqueza que fomos capazes de produzir no país entre Abril e Junho deste ano, foi inferior em 14,1% comparativamente com o valor alcançado no trimestre anterior, ou seja, entre Janeiro e Março, e que o valor desta quebra é ainda superior (16,5%) quando comparado com o trimestre homólogo do ano passado (Abril a Junho de 2019).

Importa recordar que foi em meados de Março, portanto ainda no trimestre anterior, que o país conheceu os primeiros casos positivos por infecção pela covid-19 e que, em função disso e por se saber o que estava a suceder noutros países, designadamente em Itália e Espanha, quanto aos efeitos de não se controlarem devidamente as linhas de contágio, se adoptaram logo as necessárias medidas de confinamento que todos conhecemos. No essencial, essas medidas resumem-se ao encerramento de serviços e estabelecimentos e à adopção dos regimes de teletrabalho e do “lay-off”, ou seja, Todos para casa, rapidamente e em força!, como referi aqui anteriormente em “Crónica da trincheira”. E a adopção dessas medidas suscitou logo a questão dos seus impactos na economia e no PIB, apesar de ninguém ter dúvidas sobre a sua necessidade – exceptuando os dirigentes políticos de alguns países, de entre os quais que se têm destacado o senhor Trump, nos Estados Unidos, e o senhor Bolsonaro, no Brasil.

A adopção dessas medidas, praticamente no final do trimestre, como se referiu, produziu logo impactos sobre a evolução do valor do PIB do primeiro trimestre de 2020, que, de acordo com o mesmo relatório do Eurostat, se traduziram numa quebra de 3,8% relativamente ao trimestre anterior.

Por outro lado, foram divulgados igualmente os dados relativos à evolução das taxas de desemprego registadas nos últimos quatro meses, e, como também se adivinhava, os números revelam um aumento do número de pessoas que se têm visto sem trabalho (Eurostat, valores de desemprego em Julho de 2020), nomeadamente os mais jovens.

No final do texto apresentam-se três quadros elaborados a partir dos dados agora divulgados pelo Eurostat, num esboço comparativo entre os valores registados para Portugal e os valores médios registados para os países da União Europeia e para os países da Zona €uro.

Uma leitura rápida desses dados permite verificar a presença das mesmas tendências em todos eles. Decréscimo do PIB e aumento do desemprego. Todavia, verificam-se algumas nuances que nos suscitam interrogações e até alguma perplexidade. E é justamente sobre elas que pretendo desenvolver esta breve reflexão.

Assim, e em primeiro lugar, como se referiu, verifica-se uma forte quebra do PIB, que os analistas consideram mesmo a pior de todas desde que estes registos se fazem, com Portugal a apresentar valores ligeiramente mais gravosos do que a média da União Europeia e da Zona €uro. Significará isto, por outras palavras, que, neste contexto de crise, Portugal revela uma dificuldade maior em produzir riqueza relativamente à capacidade média dos seus parceiros de contexto geográfico e político (União Europeia) e de contexto económico e financeiro (Zona €uro).

Deste ponto de vista, e com o previsível alongar da crise, perderemos mais do que a maioria dos nossos parceiros, antecipando-se, por isso, que possamos vir a sair particularmente maltratados de tudo isto.

E se a este cenário sombrio adicionarmos ainda o facto de o nosso país ser, no mesmo quadro europeu, um dos que apresenta valores mais elevados da taxa de dívida pública, razões teremos para nos questionarmos com alguma preocupação sobre E a procura de respostas para esta questão, que não é nada fácil, deve ser perspectivada segundo, pelo menos, duas ordens de razões: 1) temos esse dever e essa responsabilidade para connosco e para com os nossos parceiros; e 2) temos também esse dever e essa responsabilidade moral para com os nossos filhos, aos quais não temos o direito de legar uma herança assim tão pesada.

Depois, em segundo lugar, verifica-se que a redução do PIB é acompanhada por um aumento, ainda que ligeiro, das taxas brutas de desemprego, o que significará que as medidas de confinamento social que têm sido adoptadas acabam por ter o efeito, que também era esperado, de reduzir a necessidade de mão-de-obra.

Os valores registados nos últimos quatro meses assinalam que a taxa de desemprego em Portugal se manteve ligeiramente inferior aos valores médios dos países da União Europeia e da Zona €uro. Todavia, e em função do agravamento considerável (de 1,1%) registado entre Maio e Junho, importa ficarmos atentos relativamente à evolução que venha a ser registada nos próximos meses, não sendo de afastar a possibilidade de se acentuar a tendência de aumento.

As análises sobre as taxas de desemprego são importantes e necessárias por permitirem estudar a evolução do fenómeno e conhecer os principais elementos que o contextualizam, determinam e influenciam. Só o conhecimento desses factores possibilita a adopção de medidas potencialmente adequadas para o enfrentar de uma forma tão adequada quanto possível.

O desemprego é um problema social com impactos profundos de diversa ordem. A redução do poder de compra e dos índices de consumo, o aumento dos custos do Estado com a atribuição de apoios sociais públicos aos desempregados e a experiência pessoal de alguma frustração associada a sentimentos de inutilidade e de incapacidade por quem está nestas circunstâncias contam-se entre os principais impactos associados ao desemprego.

Independentemente do valor que a taxa de desemprego tenha e das leituras que sobre ela se possam fazer, do ponto de vista de quem está desempregado e daqueles que dependem económica e emocionalmente de si, a taxa de desemprego será sempre de 100%.

Mas há um dado do Eurostat relativo ao desemprego que parece revelar-se num sintoma de maior preocupação e complexidade dada a dimensão que apresenta e, sobretudo, a população que atinge. Trata-se do designado desemprego jovem ou desemprego associado a quem procura o primeiro emprego.

Os dados relativos ao desemprego de quem tem até 25 anos de idade, o grupo em causa, apresentam taxas bem mais elevadas do que a taxa global (15 a 25% da população nessa faixa etária está desempregada). E, neste particular, Portugal apresenta valores substancialmente mais elevados (piores) do que as médias europeias aqui em comparação, com a agravante de os valores de Portugal estarem a revelar sinais para uma tendência de subida (18,3% dos jovens com idade até 25 anos estavam nesta circunstância em Março, 20,6% em Abril, 21,4% em Maio e 25,6% em Junho) face à aparente estabilização dos valores médios dos países europeus em torno de 16 a 17%.

Não temos o direito moral de deixar de herança aos nossos filhos um fardo tão pesado como parece ser aquele que o futuro está a esboçar

Este é um cenário muito preocupante. As taxas de desemprego estão a revelar sinais de crescimento e atingem particularmente os mais novos. Atingem aqueles que legitimamente aspiram a uma vida autónoma própria. Atingem aqueles que têm anseios e sonhos e os querem concretizar. Atingem aqueles que, pela ordem natural das coisas, se preparam para assumir a sua participação mais activa no contexto da vida e da dinâmica social e que têm todo o direito a essa concretização. Mas uma taxa de 25%, como a que se registou em Junho, é uma machadada muito forte nessas aspirações. Esta taxa diz-nos muito cruamente que um em cada quatro jovens está com grandes dificuldades logo à partida para poder concretizar adequadamente essas suas legítimas aspirações.

Esta questão, que é verdadeiramente um problema profundo, tem de ser objecto de uma reflexão ampla, que envolva as lideranças políticas e económica e toda a sociedade civil. Como referi anteriormente, não temos o direito moral de deixar de herança aos nossos filhos um fardo tão pesado como parece ser aquele que o futuro está a esboçar.

Há, todavia, em todo este contexto um elemento que pode de algum modo revelar-se facilitador. O facto de estarmos globalmente a enfrentar o mesmo problema, de estarmos todos no mesmo barco (que se chama pandemia), pode ser um factor que estimule mais a entreajuda e a cooperação entre os Estados. Esta é uma variável de grande importância em todo este contexto. Mas seremos capazes de perceber a sua importância e, percebendo-a, de fazer uma utilização adequada dela?

O futuro dirá sobre essa capacidade e sobre a forma como este cenário venha a ser ultrapassado.

Até lá, terminemos para já o fecho das malas e sigamos em direcção às tão merecidas férias, sem esquecermos de levar na bagagem as máscaras de protecção e o gel desinfectante e de cumprirmos as regras de cuidado e de distanciamento social.

Boas férias! 

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