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DGAV, para que te quero?

DGAV, para que te quero?

A desarticulação da DGAV seria um grave atentado às necessidades da economia da saúde pública nacional e viola os compromissos do Estado com a União Europeia e as regras internacionalmente aceites de boa governança em saúde animal.

Num momento em que a DGAV (Direção Geral da Alimentação e Veterinária) está debaixo do fogo de alguma opinião pública e se fala na sua desarticulação, em jeito de execução sumária, é preciso deixar claro que este organismo do Estado é vital para país! Pelo serviço inestimável que presta à saúde das pessoas e pelo importante papel que desempenha na economia enquanto entidade garante da saúde animal, vegetal e, note-se, do bem-estar animal.

A DGAV é uma organização com muitas funções, mas com uma coerência organizacional e funcional aperfeiçoada ao longo de décadas, em governos de diversas tendências políticas. A estrutura e organização atuais respondem às necessidades do País. Responde aos compromissos comunitários do Estado Português e aos modelos internacionais de boa governança. O que não responde às necessidades do país é o modelo de financiamento que, sendo cronicamente insuficiente e manifestamente desadequado, impede a DGAV de desempenhar plenamente a sua função.

A primeira missão da DGAV é a proteção da saúde humana através do controlo de zoonoses e da proteção integrada da cadeia alimentar. Desta forma, garante-se a segurança sanitária dos alimentos (SSA) e contribui-se para a transparência e bom funcionamento do mercado. Em todo o mundo, cerca de 600 milhões de pessoas adoecem anualmente – quase 10% da população mundial – e 500 mil morrem pela ingestão de alimentos contaminados. Em contrapartida, na União Europeia, os casos confirmados de doença de origem alimentar não chegam aos 400 mil, menos de um por mil da população. Estes números evidenciam um sucesso impressionante e tornam a União Europeia (UE) a região mais segura do mundo em matéria de SSA. Dentro da UE, Portugal encontra-se posicionado entre os países mais seguros. Isto não acontece por acaso: é fruto também do trabalho persistente e denodado dos trabalhadores da DGAV, na aplicação da regulamentação comunitária e legislação nacional.

A DGAV é um importante pilar da economia nacional na medida em que viabiliza a colocação no mercado dos produtos do setor agroalimentar. Portugal produz mais de dez mil milhões de Euros de alimentos, importa dez mil milhões e exporta mais de seis mil milhões. O setor emprega mais de 500 mil pessoas. O controlo da produção e transformação, a certificação para exportação e a inspeção são uma função da DGAV, que é a autoridade nacional competente.

A imagem da DGAV está associada ao controlo, erradicação e vigilância de doenças animais: BSE, tuberculose, raiva e muitas outras. E bem, porque essa função nobre protege a saúde humana, protege a saúde animal e viabiliza os sistemas de produção agropecuária. Portugal tem de ter capacidade de vigilância e prontidão para responder a epidemias animais, algumas com potencial zoonótico, e cabe à DGAV esse papel e responsabilidade.

A confiança é a base do comércio internacional e do turismo. Quando falham as estruturas oficiais de controlo e proteção contra doença, os consumidores perdem a confiança e a nossa oferta deixa de ser atrativa. Veja-se o caso da covid e o turismo. A internacionalização dos produtos agroalimentares assenta em negociações exigentes, bilaterais. Os avaliadores inspecionam a fileira integral e avaliam a formação dos técnicos envolvidos, dos recursos disponíveis e veracidade do que o país atesta, com enorme rigor. Os fatores críticos para a acreditação pelos avaliadores: organização, pessoas, financiamento e legislação. Para certificar exigem-se garantias de saúde animal e de segurança sanitária dos alimentos. Atrás de cada certificado para exportação, assinado pessoalmente por um certificador médico veterinário, está uma cadeia de rastreabilidade e uma estrutura de serviços que tem de demonstrar solidez. Tem também que haver uma estrutura de licenciamento exigente e fiável. A DGAV abriu mercados em mais de 60 países, nos últimos anos, para mais de 200 produtos alimentares: de origem animal, vegetal e alimentos para animais. Um trabalho bem feito! Teriam sido abertos mais se houvesse, na DGAV, capacidade humana para tal!

A DGAV tem um orçamento de menos de 60 milhões de Euros e metade são receitas próprias. Contas simples mostram que esta estrutura custa 3€/cidadão/ano ao Orçamento do Estado. Só por comparação, longe dos 1200€ por pessoa/ano que custa o Sistema Nacional de Saúde (SNS)

A responsabilidade da DGAV começa nas fábricas de alimentos para animais, nas explorações pecuárias, nos barcos de pesca e lotas, nos postos de inspeção fronteiriços e aeroportos. Passa pelos matadouros, centros de classificação de ovos e de recolha de leite, até à indústria, e acompanha a exportação de animais e alimentos. Existem em Portugal, números redondos, mais de 100 mil explorações pecuárias, mais de quatro milhões de ruminantes e dois milhões de suínos e sessenta milhões de aves. Estão registados mais de seis mil estabelecimentos que precisaram se ser aprovados e acompanhados, permanentemente, em diversas frentes. A sua atividade estende-se a todos os matadouros onde um corpo de inspetores sanitários executa planos de inspeção e controlo sistemáticos para todo o sistema de saúde e bem-estar animal e de segurança alimentar. Não serei exaustivo, mas é fácil perceber que, por restrições orçamentais e humanas, podem existir tarefas que deixam de ser executadas e há atividades que podem ser melhor realizadas.

A DGAV tem um orçamento de menos de 60 milhões de Euros e metade são receitas próprias. E aqui trabalham mil funcionários, pouco mais de metade são médicos veterinários. Contas simples mostram que esta estrutura custa 3€/cidadão/ano ao Orçamento do Estado. Só por comparação, longe dos 1200€ por pessoa/ano que custa o Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Sessenta milhões de euros viabilizam exportações no montante de seis mil milhões de euros, garantem importações de dez mil milhões em alimentos e retiram ao SNS um fardo em doenças de origem alimentar que o sobrecarregariam de forma inaceitável, agravando muito os seus custos.

A DGAV é, pois, uma organização que contribui de forma evidente para a proteção da saúde dos Portugueses e para a promoção e desenvolvimento da economia, especificamente do setor agroalimentar. O que parece ser urgente é um reforço de dotação orçamental, tanto para investir (p. ex., em TIC) como para sustentar a dotação em pessoal e equipamentos que permitam assegurar cabalmente as suas atividades.

A atestar a importância da DGAV temos a tomada de posição conjunta de 14 associações de peso do setor agroalimentar em 29 de julho, da CAP e outras associações relevantes, repudiando a possibilidade de desmembramento da DGAV. É porque lhe reconhecem utilidade e sentem necessidade desta! Aliás, de que outra forma viria tal apoio, uma vez que a função da DGAV é controlar a sua atividade?

Tendo como pano de fundo a crise espoletada pelo incêndio de Santo Tirso, criou-se uma tempestade sobre a DGAV. Esta ficou debaixo de um ataque cerrado do PAN, mas já se percebeu, por tudo quanto se escreveu sobre o assunto, que a DGAV é a última responsável pelo sucedido. O próprio ex-diretor geral Fernando Bernardo explicou e demonstrou bem a natureza do problema. E, do incidente, o que deve ser retido é a necessidade de as entidades envolvidas encetarem maior nível de diálogo e decisão, no âmbito das competências de cada um, para a solução de problemas.

O bem-estar animal sempre foi bandeira dos médicos veterinários e continuará a ser. Nos incêndios de 2017, como no incêndio de Monchique, os médicos veterinários estiveram na primeira linha, o que também aconteceu em Santo Tirso. Por isso, em vez de se criar uma nova direção geral, seja do que for, e caso existam verbas para tal, reforçar a DGAV! Isto faria maravilhas em favor do bem-estar dos animais, da economia do país e da saúde dos cidadãos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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