ionline.sapo.ptCarlos Carreiras - 8 jul. 10:25

Podemos fazer mais e melhor no combate à covid-19

Podemos fazer mais e melhor no combate à covid-19

Como costumo dizer às equipas, copiar o que é bom não é errado. Errado é ignorar os melhores ou copiar mal o que os outros fazem bem.

Com quatro meses de pandemia, os decisores políticos têm de ser humildes e fazer um esforço para aprender com os melhores e com a experiência já adquirida.

Quando nos comparamos com alguns dos países mais bem-sucedidos no combate à pandemia, percebemos que ainda há muitas coisas que não estamos a fazer bem – ou, pior, que não estamos a fazer de todo.

Poderíamos, por exemplo, ter absorvido as melhores políticas do sistema sul-coreano. Para além de correr um programa de testes em massa, a Coreia do Sul tem como prioritária a vigilância contínua dos infetados e a garantia de isolamento durante o tratamento. Tal como Singapura, aliás, que criou centros de acolhimento capazes de estancar as cadeias de transmissão em ambiente familiar. Com mais de 44 mil casos confirmados, as autoridades de saúde nacionais devem reconhecer que o tratamento em casa não é possível em muitos contextos familiares e, mesmo que o seja, teremos sempre quem pura e simplesmente não aceite ou não possa ficar fechado em casa – como devia. É hoje claro que muitos infetados não estão a cumprir as regras de isolamento e confinamento obrigatório. Uns temem perder o emprego ou não podem dar-se ao luxo de perder rendimentos. Outros têm noções difusas dos seus deveres de cidadania.

Resultado: a lei está a ser ignorada, com enormes prejuízos para a comunidade. Não podemos confiar que a PSP e a GNR chegarão a tudo. Não é humanamente possível. Basta fazer contas: 7,5 agentes das forças policiais (PSP, GNR e PJ) contra mais de 400 casos de covid-19 por 100 mil habitantes.

Criar abrigos de retaguarda, em que o Estado assuma o alojamento e a alimentação das pessoas que não tenham condições para o isolamento, a troco do controlo efetivo da doença é crítico se queremos tirar Portugal da lista negra.

Precisamos de ações rápidas. Como na Nova Zelândia, é prioritário criar programas de apoio social que criem uma rede a partir da qual ninguém é deixado para trás. Quando olhamos para a incidência da pandemia na AML, não é por acaso que descobrimos entre as freguesias mais afetadas: (1) aquelas onde prevalece uma maior desigualdade de rendimentos face ao todo regional; (2) os concelhos de maior interconexão com a capital, os maiores eixos pendulares, os mais interconectados por redes capilares de transporte público.

A pandemia é um teste ao Estado-providência. É importante que sejam criados programas, de âmbito local, regional ou nacional, de apoio às famílias em necessidade. Cabem aqui não apenas aqueles que já tinham dificuldades antes da pandemia, mas também todos os que caíram recentemente na armadilha da pobreza. Mantenhamos em perspetiva que uma das condições de sobrevivência das democracias constitucionais é a prosperidade de uma classe média forte e numerosa. Nunca é demais recordar que a ausência das classes médias pode lançar as democracias num caminho de degeneração que invariavelmente acaba em plutocracias ou regimes populistas. Por ter extinguido dezenas de milhares de postos de trabalho e varrido do mapa linhas de negócio, a pandemia está a debelar profundamente a classe média, pondo em causa a própria sustentabilidade democrática. As forças políticas moderadas têm o dever de travar rapidamente este processo, que alimenta o sentimento de desigualdade e de ódio.

Como a Alemanha, precisamos de uma informação pública transparente, honesta e escrutinável. Angela Merkel sai muito reforçada da crise porque disse a verdade aos alemães. Manteve as pessoas cientes da gravidade das circunstâncias. Não infantilizou o povo alemão pintando os lábios à crise. Os portugueses têm razões para ficar profundamente preocupados quando a DGS ainda não tem o seu sistema de tratamento de dados a funcionar em pleno – ao ponto de ter informado que voltará a não dar a evolução da pandemia por concelho por via das ineficiências do seu sistema. Isto não é compreensível porque ninguém, no Governo central ou local, pode tomar boas decisões políticas tendo por base maus dados. Não se pode gerir o que não se pode medir.

Continuamos também a aguardar pela luz verde à aplicação. Há um mês. E o contador continua. Os tempos da pandemia não são os tempos da burocracia. Enquanto noutros países a app salva vidas, aqui continuamos à espera.

Do ponto de vista da operação, é inaceitável que os protocolos da saúde pública – e da Saúde 24 – face à pandemia sejam ainda tão lassos e discricionários. Chegam-me relatos de pessoas que estiveram em contacto direto com infetados que não são testadas e não são inquiridas, sendo até aconselhadas a ir trabalhar se não tiverem sintomas. Isto contraria as melhores práticas, ignora a prudência e potencia o contágio. É brincar com coisas sérias. Porque, ao fim de 12 dias, quem não tinha sintomas passou a ter. E o teste que não foi feito no tempo certo deu positivo. Quantos contágios podiam ter sido evitados com o protocolo certo? Quanto esforço do SNS poderia ser poupado com a prudência no lugar certo?

Volto a dizer: um euro investido hoje no combate à covid-19 é multiplicado em poupança amanhã.

Por último, estamos a combater não uma mas três pandemias: a de saúde pública, a social e a económica.

Para debelar a pandemia económica, o Governo não pode esperar apenas pelos dinheiros europeus. O processo de aprovação do pacote de 750 mil milhões de euros será demorado. Como dizia Adam Smith, no longo prazo estaremos todos mortos. Recuperar a economia exige pacotes de estímulo imediato e de grandes proporções como os que estão a ser postos em prática pela Austrália, por Singapura e por vários países europeus que estão a ter sucesso no combate à pandemia.

Do global para o local, não deixamos de aprender com quem faz bem. E, em Cascais, estamos a combater a pandemia em todos os tabuleiros. No domínio da saúde pública, testando mais do que qualquer município do país, correndo um programa de testes serológicos gratuito e distribuindo EPI por quem mais precisa ou, a preços muito baixos, por todos os cidadãos. No domínio da pandemia social, entrando em 42 bairros mais fragilizados, onde já começámos a distribuir alimentos e EPI, para além de “empoderarmos” a população. No tabuleiro da pandemia económica, cortando taxas ao comércio, estimulando o consumo e criando condições para atrair investimento estrangeiro.

Atuamos em todas estas frentes, em simultâneo e em profundidade, porque sabemos que não se trata apenas de uma pandemia. Não é só a nossa saúde que está em causa. É o nosso estilo de vida, o nosso regime democrático e os nossos valores que estão a ser atacados por um vírus cobarde. E pelos cobardes que, na política, se aproveitam de um vírus para espalhar o medo nas nossas sociedades.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira

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