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A União Europeia e a América Latina no pós-pandemia

A União Europeia e a América Latina no pós-pandemia

Numa conjuntura ainda marcada pela presente pandemia mas já caracterizada por uma profunda precarização social e económica, coloco a hipótese de ser possível a negociação e a operacionalização de uma parceria estratégica entre a Europa Ocidental e

Pelo menos desde 1900, a Europa Ocidental e a América Latina são reconhecidas como e encaram-se a si próprias enquanto actores geoestratégicos relevantes. No entanto, neste último século, mau grado as frequentes proclamações de afinidade histórica e cultural, os laços entre países europeus, os laços entre países latino-americanos e o relacionamento entre a Europa Ocidental e a América Latina foram, essencialmente, assimétricos e/ou superficiais (baseados numa lógica de “egoísmo irracional” — unilateral, de pequena escala e de curto prazo).

Daí resultaram, nomeadamente, dois conflitos militares generalizados (a Primeira Grande Guerra e a Segunda Guerra Mundial, provocadas por Estados europeus), o timorato desenvolvimento intermédio dos países da Europa do Sul, o sub-desenvolvimento dos países da América Latina, a menor autonomia e relevância estratégicas tanto da Europa Ocidental como da América Latina. Face às implicações não positivas da referida hegemonia do “egoísmo irracional”, proponho que consideremos a possibilidade de adopção futura dos pressupostos do “egoísmo racional” (multilateral, de escala glocal, de curto/médio/longo prazos).

Nas décadas de 1940 a 1980 assistiu-se, em parte, à demonstração da viabilidade e das potencialidades de políticas racionalmente egoístas. Evoco, a este propósito, o papel desempenhado pelos EUA na Conferência de Bretton Woods e na generalização do modelo de “Estado-Providência” a todos os países capitalistas desenvolvidos e de desenvolvimento intermédio; na criação da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) e do “Plano Marshall”; na criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), da European Free Trade Association (EFTA) e, mesmo, da União Europeia (UE).

Focando a atenção no tempo presente — nos anos posteriores ao fim da “Guerra Fria” —, deparamo-nos com uma América Latina que, por um lado, apresenta dimensão e importância político-institucional e económico-financeira, diversidade cultural e competências técnicas correspondentes a países de desenvolvimento intermédio; que, por outro lado, reproduz sub-desenvolvimento e desigualdades sociais extremas, elevados níveis de violência e de corrupção ou nepotismo, precariedade dos processos de integração sub-continental e limitada eficácia geoestratégica.

Quanto à Europa Ocidental, mau grado a permanência de comparativamente elevados níveis de desenvolvimento e o relativo sucesso do respectivo processo de integração sub-continental (OECE, CEE e EFTA, UE), desde que perdeu o patrocínio dos EUA não tem pretendido ou conseguido evitar múltiplos fenómenos inequivocamente desagregadores. Destaco a crise da democracia em diversos países membros, o agravamento dos bloqueios político-institucionais da União Europeia, a permanência de assimetrias significativas entre a Europa do Sul e a Europa do Centro/Norte, a redução do peso percentual da economia europeia na economia mundial, a insuficiente capacidade de intervenção global da UE nos planos diplomático e militar.

Numa conjuntura ainda marcada pela presente pandemia mas já caracterizada por uma profunda precarização social e económica — depois da “Crise de 2008”, do intensificar dos problemas ambientais, dos processos de radicalização ideológica e cultural, da acrescida instabilidade política e diplomático-militar —, coloco a hipótese de ser possível e do interesse de ambas as partes — manifestação de “egoísmo racional” — a negociação e a operacionalização de uma parceria estratégica entre a Europa Ocidental e a América Latina. Visar-se-ia, por um lado, apoiar a superação de limitações e a valorização de potencialidades de cada um dos espaços; por outro, reforçar a capacidade conjunta de influenciar a governação do sistema de relações internacionais.

Ao contrário da caracterização proposta por muitas personalidades europeias e latino-americanas, penso, enquanto investigador e como cidadão, que a UE não é intrinsecamente promotora de mundividências e políticas, legislação e práticas geradoras de mais desigualdades, desequilíbrios e crises. Mesmo depois de 1991, quando nos EUA e no Japão, na Europa Ocidental e em outras regiões do mundo o monetarismo e a globalização capitalista neoliberal se foram tornando hegemónicos, a UE e os seus Estados-membros mantiveram parcelas significativas dos mecanismos do “Estado-Providência”, do apoio ao desenvolvimento dos países da Europa do Sul, da disponibilidade para promover modalidades de cooperação com países subdesenvolvidos.

Defendo, também, que a América Latina não é inevitavelmente subdesenvolvida em resultado da etapa de colonização ibérica ou da posterior vinculação pós-colonial a grandes potências como a Inglaterra e os EUA. Se o contexto envolvente tem imposto limitações indiscutíveis, tem igualmente proporcionado oportunidades de crescimento económico e de desenvolvimento. Outros obstáculos e virtualidades decorrem, ainda, das opções assumidas pelas elites e pelas populações dos países latino-americanos.

Sobretudo se, convergindo com a defesa da democracia e do multilateralismo, voltarem a adotar os pressupostos do keynesianismo e do estruturalismo, a Europa Ocidental e a América Latina poderão cooperar no sentido, tanto da mais rápida e equitativa superação da presente crise, como da promoção do desenvolvimento integrado e sustentável. Entre os objetivos de médio prazo a alcançar, destaco a diminuição do peso das atividades económicas baseadas na sobre-exploração dos trabalhadores e na destruição dos equilíbrios ambientais, a disseminação de tecnologias geradoras de mais riqueza e de melhor qualidade de vida, o combate ao dumping social e ambiental. Saliento, finalmente, o consolidar de uma convergência global entre países empenhados, por um lado, no apoio a processos de transição de ditaduras (formais e informais, totalitárias e autoritárias) para democracias; por outro, no combate a estratégias económico-sociais — de Estados e de empresas — injustas e/ou não sustentáveis.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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