sol.sapo.ptsol.sapo.pt - 8 jul. 13:14

Escola Nacional de Saúde Pública: 'Portugal está a ser penalizado por uma métrica que não reflete corretamente a gravidade da epidemia do país'

Escola Nacional de Saúde Pública: 'Portugal está a ser penalizado por uma métrica que não reflete corretamente a gravidade da epidemia do país'

Nova análise do barómetro covid-19 da ENSP contesta decisão britânica de excluir Portugal dos corredores turísticos, recorrendo a projeções de investigadores do Reino Unido. Quando se tem em conta a estimativa de subnotificação de casos, Portugal não tem tido mais casos do que Inglaterra, concluem os autores.

A Escola Nacional de Saúde Pública contesta, numa nova análise disponibilizada esta quarta-feira, a decisão do Reino Unido de excluir Portugal da lista de países para onde se viajar sem quarentena no regresso. Os investigadores desmontam o indicador que serviu de base à decisão, o número de novos casos reportados nos 14 dias anteriores, para defender que Portugal deveria estar nos corredores turísticos da Europa, o título da análise. Concluem que o país "está a ser penalizado por uma métrica que não reflete corretamente a gravidade da epidemia".

Os autores consideram que além deste indicador, a análise do risco epidemiológico da COVID-19 deve incluir outros elementos como a sub-deteção de casos, a política de testagem, a gravidade dos casos, medida pelas taxas de mortalidade, morbilidade, de internamento geral e em unidades de tratamento intensivo, e ainda a distribuição geográfica dos casos.

Vasco Ricoca Peixoto e Alexandre Abrantes, investigadores da ENSP, usam como ponto de partida para rebater o argumento britânico, e que tem sido usado por outros países, os estudos realizados pelos Imperial College London e pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, que o i já tinha noticiado.

Estas projeções feita regularmente por dois grupos de investigação destas faculdades britânicas, que nos últimos meses têm feito a modelação da epidemia em diferentes países, estimam que Portugal deteta cerca de 80% dos casos reais de COVID 19, uma percentagem de casos muito superior a muitos outros países Europeus. O que os investigadores da ENSP fazem nesta análise é estimar uma incidência real com base na diferente taxa de deteção dos países, que depende do número de testes realizados e políticas de testagem. "Se tomarmos em consideração estas estimativas da % do total de casos que é detetada em diferentes países, a incidência real da COVID-19 por 100.000 habitantes em Portugal aproxima-se de outros países que estão incluídos nos corredores turísticos do Reino Unido e é muito inferior à incidência estimada para o Reino Unido", concluem, apresentando a seguinte tabela com as conclusões.

Nos cálculos do ECDC para a incidência nos últimos 14 dias, Portugal tem tido de facto dos piores indicadores na Europa, mas ajustando então à estimativa de quantos casos estarão a ser apanhados, a incidência continua a ser maior que noutros países europeus, mas a diferença é menor e o Reino Unido, onde os investigadores apontam para maiores níveis de subnotificação maior (um cálculo que tem por base os óbitos reportados), surge com piores indicadores.

"Todas as estimativas têm limitações, mas uma vez que as estatísticas de mortalidade em países desenvolvidos são fiáveis e o padrão de infeções em termos de faixa etária na Europa é semelhante, estas estimativas podem ser considerados como robustas", consideram os autores.

"Só se encontra o que se procura"

Para os investigadores, as diferenças nas políticas de testagem devem assim ser tidas em conta e este é outros dos tópicos da análise. "Se Portugal tivesse adotado uma política de testagem mais restrita, semelhante à desses países, a sua taxa de incidência de COVID-19 por 100.000 habitantes nos últimos 14 dias seria inferior àquela que é registada. A política de testagem adotada por Portugal leva ao diagnóstico de grande número de casos assintomáticos ou com sintomas ligeiros, que passam despercebidos nos outros países europeus com políticas menos abrangentes", escrevem. "Só se encontra o que se procura. Se, em Portugal, só fossem testadas as pessoas que têm tosse ou febre, não seriam diagnosticados casos de COVID-19 assintomáticos ou com sintomas mais ligeiros.  Se, em Portugal, não fossem testados, todos os contatos assintomáticos em contextos de trabalho, familiar ou social, muitos dos casos agora diagnosticados passariam despercebidos. Se, em Portugal, não se estivessem a realizar rastreios alargados em contexto escolar e de trabalho, muitos dos casos agora diagnosticados passariam despercebidos", escrevem ainda os autores, rejeitando no entanto que não haja alternativa à atual política de testes. "Dirão alguns que isso facilitaria a propagação da epidemia. Não seria necessariamente assim, se esses contactos fossem adequadamente identificados e isolados durante 14 dias, impedindo a transmissão a outras pessoas, como acontece noutros países com políticas de testagem mais restritas", defendem.

"Nas últimas semanas Portugal registou não só uma das taxas mais elevadas de testes por 1.000 habitantes, mas também uma das taxas de positividade mais baixas na Europa e no Mundo, confirmando que a taxa da testagem em Portugal é muito mais alargada e menos focalizada nos grupos de risco do que nos outros países Europeus", acrescentam ainda.

Em terceiro lugar, os investigadores referem os indicadores relativos à severidade e mortalidade causada pela covid-19 no país, considerando que estes indicadores "deveriam ser tão ou mais importantes do que a incidência por 100.000 habitantes nos últimos 14 dias nas tomadas de decisão respeitantes aos movimentos transfronteiriços". De acordo com a análise da ENSP, Portugal tem uma taxa de mortalidade acumulada de 15,8 óbitos por 100.000 habitantes e uma taxa de letalidade de 3,7 % por COVID-19, taxas que são muito mais baixas do que se registam na Espanha, França, Itália ou Reino Unido na Europa. O país tem tido também uma das taxas de ocupação hospitalar e em cuidados intensivos mais baixa da Europa. "Nas últimas semanas o aumento do nº de casos de infeção não foi acompanhado por um aumento do nº de internados ou de óbitos por COVID-19. Isto pode refletir o aumento do diagnóstico de infeções em jovens, assintomáticas ou com queixas ligeiras, e uma proteção eficaz de populações com risco mais elevado de doença grave, nomeadamente as mais idosas ou com certas comorbilidades", lê-se na análise. Nas últimas semanas houve no entanto um ligeiro aumento dos óbitos diários e dos internamentos, que registaram valor mais baixos no início de junho, o que não é referido.

"Turismo implica um risco relativamente baixo de contrair a COVID-19"

Por fim, os investigadores consideram "questionável" a decisão de excluir todo o país do corredor turístico quando a maior incidência tem sido em Lisboa. "Mais de 70% dos novos casos de COVID-19 no País estão concentrados nos 5 concelhos da periferia de Lisboa, onde se localizam as 19 freguesias com contextos de grande vulnerabilidade socioeconómica, e que continuam sujeitas a medidas de mitigação que correspondem ao “estado de calamidade”.  Nenhuma destas freguesias se encontra nos circuitos turísticos de Lisboa", escrevem. 

Os autores defendem mesmo que o "turismo implica um risco relativamente baixo de contrair a COVID-19" e apresentam outros argumentos, como a capacidade de resposta do SNS e até o país ser considerado dos mais seguros, criticando os critérios usados pelo Reino Unido. "Portugal está a ser penalizado por uma métrica (a incidência de COVID-19 por 100.000 habitantes nos últimos 14 dias) que não reflete corretamente a gravidade da epidemia no país, com graves consequências económicas e sociais", concluem. "As decisões unilaterais do Reino Unido e de outros países da União Europeia (Áustria, Dinamarca, Grécia, e República Checa), sem coordenação Europeia, e baseadas em critérios técnico-científicos pouco rigorosos, estão a recompensar economicamente países com baixas taxas de deteção da infeção, com prejuízo daqueles que estão a detetar e reportar uma maior percentagem das infeções através de estratégias de testagem mais abrangentes."

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