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Uma má notícia para os Centros Comerciais, uma péssima notícia para o país

Uma má notícia para os Centros Comerciais, uma péssima notícia para o país

A aprovação, pelo Parlamento, da proposta do PCP que determina que as lojas em Centros Comerciais paguem apenas renda variável até ao final do ano é uma má notícia para os proprietários dos Centros – mas é, sobretudo, uma péssima notícia para o país.

Na sexta-feira passada, o Parlamento aprovou uma proposta do PCP que suspende o pagamento de rendas fixas nos Centros Comerciais até ao final do ano. Trata-se de uma medida meramente populista, cujo alcance, quero crer, os legisladores não vislumbraram. Para enquadrar a questão, vale a pena considerar a indústria de Centros Comerciais e como eles são geridos e financiados.

Os Centros Comerciais são uma realidade em Portugal há três décadas. No final dos anos 80, recém-admitido à Comunidade Económica Europeia, e propulsionado por um maior poder de compra, o país estava ávido de ter acesso a produtos e serviços até então escassos ou inexistentes. A oferta de retalho na altura apresentava-se pouco atrativa, ineficiente e, em muitos casos, apenas sustentada graças a uma Lei de Arrendamento que garantia rendas baixas e eternas, pois os contratos não tinham término.

É neste contexto que surgem os Centros Comerciais: espaços modernos, climatizados, com oferta ampla e variada, estacionamento à porta e horários alargados, que se coadunavam com a “vida moderna” e as mudanças de hábitos dos consumidores.

Os consumidores aderiram massivamente (a título de exemplo, no primeiro ano de operação, o Centro Colombo recebeu mais de 40 milhões de visitantes – quatro vezes a população do país inteiro) e os retalhistas também: os conjuntos comerciais foram a porta de entrada em Portugal de muitas cadeias estrangeiras, e a oportunidade de expansão para inúmeros grupos de retalho nacionais, sobretudo face às dificuldades de se estabelecerem no centro das cidades.

Ao longo do tempo, construíram-se 120 Centros Comerciais no país e Ilhas, totalizando 3,8 milhões de metros quadrados, para contentamento de todos: consumidores, comerciantes e proprietários.

Nestes 30 anos, a indústria foi-se aperfeiçoando, mas o fator de sucesso mais importante manteve-se: a forma como os centros são geridos.

Em troca da remuneração mensal paga pelo lojista, o proprietário responsabiliza-se pela gestão do conjunto e pela segurança, limpeza e manutenção, assim como pelo marketing – quanto mais potenciais consumidores a entidade gestora conseguir atrair ao Centro, mais as hipóteses de as lojas conseguirem vendas. Sendo que o poder de atração advém do conjunto de lojas, serviços e fatores de conforto, e é maior que a soma das partes.

É neste contexto que entra o conceito da renda variável. Regra geral, a remuneração do proprietário é composta por um elemento fixo (ou “remuneração mínima mensal”), e uma renda variável, que é uma percentagem sobre as vendas brutas (sem IVA) da loja e uma espécie de ‘pequeno prémio’ para o proprietário por ter proporcionado ao lojista condições para que este vendesse mais do que o mínimo estabelecido. O lojista paga, no entanto, apenas a diferença positiva entre o valor que resulta da aplicação da percentagem e a remuneração mensal mínima. A percentagem em si varia enormemente, de acordo com o setor de atividade e as respetivas margens habituais do negócio: um grande lojista com margens baixas poderá pagar apenas 2% sobre as vendas, enquanto que uma tabacaria poderá pagar 12%.

O Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial é utilizado em todos os Centros Comerciais. Trata-se de um contrato entre entidades privadas, não tipificado na lei, e comumente aceite há 30 anos. A duração do contrato também varia consoante o utilizador: um cinema ou loja-âncora, com investimento inicial avultado, beneficiará de um contrato de dez ou 15 anos, mas uma loja-satélite normalmente de seis. A renovação não é automática, mas regra geral é negociada, dando às partes a possibilidade de ajustar a remuneração mínima, ou de rescindir se assim desejam.

Os Centros Comerciais são, assim, entidades dinâmicas, em que uma gestão profissional e proativa consegue acrescentar muito valor, através do aumento de visitantes e vendas (e, por conseguinte, de rendas) mas também através da remodelação e/ou expansão, de que existem inúmeros exemplos bem conseguidos em Portugal.

A construção de Centros Comerciais envolve capitais muito avultados. O custo total de um Centro de grandes dimensões pode totalizar algumas centenas de milhões de euros. Sendo Portugal, infelizmente, um país com capital escasso, o setor acaba por ter um equilíbrio entre investimento nacional e internacional. Contrariamente a alguma crença popular, não se trata dos chamados fundos “abutre”, que procuram comprar a desconto e sair pouco depois com lucro. Pelo contrário, os investidores em Centros Comerciais são sobretudo companhias de seguro e fundos de pensões, que investem no longo prazo as aplicações e poupanças dos pequenos aforradores. Exemplos recentes são a seguradora Allianz e os fundos de pensões finlandês Elo e holandês APG. Cada um investiu da ordem dos 450 milhões de euros no fundo Sierra Prime, constituído por quatro Centros Comerciais em Portugal e dois em Espanha. Um outro excelente exemplo em Portugal é o fundo CA Património Crescente, gerido pela Square, que tem estado ativa na aquisição de conjuntos comerciais, investindo as poupanças de pequenos aforradores do Crédito Agrícola.

No momento em que o Governo se imiscui numa relação comercial contratualmente estabelecida entre privados, a confiança no país e nas suas instituições é traída. Pois se ontem legislou sobre rendas fixas, qual a garantia de que hoje não queira impor a sua visão sobre a duração dos contratos, e amanhã sobre a cor das fachadas?

Este tipo de investidores preza muito a estabilidade. Pode contentar-se com rentabilidades relativamente baixas, desde que seguras. Ao invés, dá-se muito mal com a imprevisibilidade, sobretudo de natureza fiscal e legal – matéria em que Portugal, infelizmente, não se tem destacado pela positiva.

Desde 1995, no total, investidores estrangeiros aplicaram nove mil milhões de euros em Centros Comerciais em Portugal. Fizeram-no com base em certos pressupostos. Obviamente, aceitam determinados riscos inerentes ao imobiliário, e aos ciclos do mercado. Não podem é aceitar que a essência da contratação seja alterada. Independentemente da razoabilidade do conceito de lojistas mais afetados pagarem temporariamente apenas renda variável (e os proprietários dos Centros Comerciais deram prova, se bem que tardiamente, de acomodarem muitos dos anseios dos lojistas através de perdão total ou parcial de rendas), a suspensão das rendas fixas toca na essência da segurança jurídica. No momento em que o Governo se imiscui numa relação comercial contratualmente estabelecida entre privados, a confiança no país e nas suas instituições é traída. Pois se ontem legislou sobre rendas fixas, qual a garantia de que hoje não queira impor a sua visão sobre a duração dos contratos, e amanhã sobre a cor das fachadas?

Os investidores aplicam os fundos que lhes são confiados pelos aforradores em ativos e em países que lhes transmitem confiança. A aprovação desta medida de suspensão das rendas fixas vai afetar gravemente a confiança do capital estrangeiro no nosso país. E não será demais recordar como precisámos dele aquando da anterior crise… E chamar a atenção para o facto de estes investidores não investirem apenas em imobiliário mas também noutro tipo de ativos (a APG acabou de comprar a Brisa), bem como em dívida soberana.

Por tudo isto, a aprovação desta medida é má para os proprietários dos centros, mas é, sobretudo, péssima para o país.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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