www.dinheirovivo.ptAna Rita Guerra - 7 jul. 08:54

Boicote ao Facebook

Boicote ao Facebook

É pouco provável que os grandes anunciantes que se juntaram ao boicote tenham tido uma epifania racial

Mais de 500 empresas adicionaram os seus nomes à campanha “Stop Hate for Profit”, que apela aos anunciantes que boicotem o Facebook durante o mês de Julho. Mais concretamente, que suspendam as campanhas de publicidade na rede social durante estes 31 dias, de forma a criar pressão sobre Mark Zuckerberg para que enderece o problema do discurso de ódio.

A causa surge embalada pelo movimento de protesto contra a injustiça racial que foi gerado pelo assassinato de George Floyd, no final de Maio. Desta vez, parece haver força suficiente para gerar mudanças reais numa sociedade que sistematicamente discrimina minorias étnicas.

E é por sentirem que não podem ignorar o clamor social que muitas grandes empresas anuíram ao apelo do boicote. Da lista constam a Coca-Cola, Starbucks, Adidas, Ford, Lego, Volkswagen, Unilever, Puma, Levi’s e outras empresas que contribuem para o bolo anual de 70,7 mil milhões de dólares de receitas publicitárias do Facebook.

As entidades organizadoras mais proeminentes, Color of Change, Anti-Defamation League e NAACP, congratularam-se com a adesão rápida e inequívoca que o movimento está a ter por parte de nomes tão grandes. Mas aquela que parece uma posição de peso talvez esteja ferida de morte desde o início.

Mark Zuckerberg pareceu reagir ao movimento e fez uma transmissão ao vivo, durante a qual enumerou diversas medidas que a rede social está a tomar para reduzir o discurso de ódio – como banir anúncios problemáticos e colocar a etiqueta “prejudicial” em publicações de figuras públicas que pisem o risco. No entanto, quem espera que o boicote publicitário de umas centenas de empresas leve Zuckerberg a repensar o seu posicionamento pode voltar para a quarentena, porque isto não vai a lado nenhum.

O próprio CEO disse isso em declarações ao site “The Information” no final da semana passada. “Não vamos mudar as nossas políticas ou abordagens em nada por causa da ameaça de uma pequena percentagem das nossas receitas, ou qualquer percentagem das nossas receitas”, disse. Desafiante, ponderado, calculista. “Penso que todos esses anunciantes estarão de volta à plataforma em breve”.

Tem, provavelmente, razão. Mesmo que não tenha, não são estas empresas que compõem o grosso das receitas do Facebook. A gigante depende muito mais dos milhões de pequenos empresários que investem na plataforma diariamente e compõem 80% do bolo anual de receitas publicitárias. E esses não ganham muito em juntar-se a listas deste tipo.

Convenhamos, é pouco provável que os grandes anunciantes que se juntaram ao boicote tenham tido uma epifania racial. Os orçamentos publicitários já estavam a ser reduzidos por causa da pandemia e no meio do Verão, quando ainda há restrições aos movimentos e tanta gente desempregada, é irrealista pensar que fossem investir muito em anúncios. Este boicote parece ser utilitário: as empresas aderem e somam pontos porque estão “do lado certo da História”, ao mesmo tempo que não arriscam muito em fazê-lo. Assim é fácil lutar pelo que é justo

Para o Facebook, como Zuckerberg disse, trata-se de um desvio mínimo das receitas num ano que já é atípico. Tudo o que aconteceu nos últimos anos provou que o Facebook resiste aos escândalos mais escabrosos e não é preciso sequer que vença a guerra das relações públicas. A reputação de Zuckerberg é maleável, melhora e piora constantemente, e não afecta sobremaneira a taxa de utilização do Facebook nem as receitas que daí advêm. A rede social tornou-se demasiado importante para toda a gente, não obstante o consenso de que é um poço de desinformação e uma latrina de discurso nocivo.

À luz de tudo isto, percebe-se porque é que Zuckerberg vem expressando, cada vez mais abertamente, uma vontade de que seja promulgada legislação que regule as questões do discurso e da censura. Isso vai oferecer-lhe uma forma concreta de pôr a responsabilidade nos ombros de outrem.

Até lá, o Facebook não perde muito com o boicote e as empresas que aderem ao mesmo só têm a ganhar. A luta contra o discurso de ódio vai continuar, por ora, a cair em saco roto.

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