www.sabado.ptleitores@sabado.cofina.pt (Sábado) - 7 jul. 11:24

Lições do futuro

Lições do futuro

O futuro não pode ser previsto porque é caótico. Existem muitas forças a operar na construção da realidade e as suas interações são tão complexas, que variações mínimas produzem resultados integralmente diferentes. - Opinião , Sábado.

O Impacto da pandemia do COVID 19 abriu um campo imenso de especulação sobre o admirável mundo do amanhã. A pandemia é apresentada como um evento catalisador, cujas consequências começam hoje a ser imaginadas.

Entre nós, por exemplo, até agora, o teletrabalho, o trabalho remoto, a flexibilidade de horários ou a conciliação entre a vida laboral e familiar surgiam sobretudo como chavões ideológicos ou práticas escandinavas, na maioria das organizações dos setores público e privado.

As lideranças inventavam justificações para não aplicarem estas modalidades de organização do trabalho, quando, subitamente, foram forçadas a fazê-lo, contra a sua vontade. Estamos, realmente, na presença de um evento transformador. Práticas e comportamentos que iriam demorar anos a ser implementados são absorvidos em escassas semanas.

Também, decerto, ficámos todos mais interessados e entusiasmados em estudar os futuros geopolíticos. Se houve períodos em que nos sentimos impelidos a estudar direito, tal era a torrente de casos jurídicos mediáticos, outros houve em que nos interessámos por economia, em virtude das crises financeiras. Hoje, graças a um vírus, é a hora de nos consciencializarmos sobre o futuro comum da humanidade e do planeta Terra.

O primeiro problema sobre o futuro é que ninguém nos informa do que aí vem. Os sistemas de alerta nunca nos avisam sobre nada. Ao menos podiam-nos avisar sobre isso?

O segundo problema assenta nas incapacidades ou incompetências dos peritos/especialistas em prever a economia, choques sistémicos, resultados eleitorais, guerras e outros assuntos do quotidiano.

Experiências académicas, levadas a cabo, apontam que, o rigor das previsões dos peritos, ou daqueles que se dedicam a prever o futuro, será equivalente aos "palpites aleatórios". Como ficou sintetizado no cabeçalho jornalístico: "um chimpanzé a atirar dardos ganha aos peritos".

Tal torna-se particularmente grave se aplicado à realidade. Imagine-se, a título de exemplo, a comunidade de informações norte-americana, com um orçamento global a rondar os 50 mil milhões de USD e mais de 100 mil funcionários, a ter um desempenho equivalente ao de um chimpanzé com dardos a fazer tiro ao alvo (arrepiante para o contribuinte americano!).

Kto kogo

Facilmente aferimos que todo o conhecimento que possuímos é sobre o passado, mas que todas as nossas decisões são sobre o futuro, próximo ou distante.

O futuro não pode ser previsto porque é caótico. Existem muitas forças a operar na construção da realidade e as suas interações são tão complexas, que variações mínimas na musculatura dessas forças produzem resultados integralmente diferentes.

Disso tomámos conhecimento quando em 1972, o meteorologista Edward Lorenz escreveu um artigo intitulado "Previsibilidade: Será que o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode provocar um tornado no Texas?". Dez anos antes Lorenz descobrira acidentalmente, que uma ligeira alteração na introdução de dados num computador, que ajudava a calcular o estado do tempo, do tipo 0,407131 e 0,407, poderia provocar previsões de longo prazo muito distintas.

Esta análise viria a inspirar a teoria do caos, indicando que existiam limites sérios para as previsões. Até aqui, pensava-se que, quanto mais conhecimento se obtivesse sobre a realidade, maiores as capacidades e probabilidades de previsão. Entendia-se que a realidade tinha um funcionamento circular, como um relógio. Destaque-se que, para os adeptos das teorias da conspiração, e outras ciências ocultas, nada mudou.

Num mundo onde o bater de asas de uma frágil borboleta pode fazer toda a diferença, será difícil alguém proclamar que consegue vislumbrar na direção do futuro. Os céticos nem sequer aceitam uma possível perscrutação do futuro, particularmente a longo prazo. Defendem que tudo o que ultrapasse o médio prazo (6 meses) não passa de um exercício "psico-lógico" infundado.

Assim, surge como matéria-prima do futuro a incerteza. A incerteza é imprevisível e indeterminável, representa um elemento central dos contextos de turbulência. A incerteza é diferente de risco porque não é mensurável nem calculável.

Mas o estado do sistema, bem como os acontecimentos incertos, podem ser antecipáveis.

O mundo estará sempre em mudança e repleto de oportunidades. Ninguém vive num ambiente imune ao inesperado e improvável, nem mesmo com o advento da Big Data. Encontrar evidências sobre o futuro será sempre uma contradição nos termos. A única atitude credível é planearmos para a surpresa (Lin Wells).

Planear não significa transformarmo-nos num "prepper". Ninguém deseja viver num estado de ansiedade permanente, até porque o futuro tem múltiplas formas.

Contudo, racionar papel higiénico, alimentos e medicamentos é natural em tempos de crise pandémica. São opções racionais que podemos incorporar enquanto sociedade. Antecipar os futuros geopolíticos também poderá ser um contributo para melhores decisões no presente, indo além da luta pelo poder.

Futuros globais

O que pretendemos para o futuro no plano económico é crescimento e desenvolvimento; no plano político é estabilidade e consenso democrático e no plano social é ordem e coesão. Então, em apenas um cenário, como podemos imaginar os potenciais impactos do COVID 19 na geopolítica global a longo prazo?

As grandes potências passarão a ser aqueles estados que alcançaram níveis superiores de resiliência biológica face aos seus competidores. Os cidadãos preferiram a prosperidade e segurança em detrimento da liberdade e neste sentido surgirão mega repositórios de dados biológicos, misturados com novas capacidades associadas à inteligência artificial, robotização e automação de toda atividade social e laboral, evitando-se o contacto humano.

Uma nova geração de líderes mundiais geeks, guiados por novos valores éticos, irá incorporar a tecnologia e o digital no quotidiano, preferindo a comodidade e a eficiência à privacidade. Os sensores estarão por todo o lado (inclusive no corpo humano), num mundo de híper conectividade onde a informação será ubíqua. 

O mundo viverá no limiar de uma terceira guerra mundial devido às ameaças de NBQR e a distorção do real, mas esta nunca irá ocorrer. A turbulência social será normal sem colocar em causa um tecido social plasticinoso.

Confluência de várias narrativas políticas à procura de legitimidade, todas baseadas em significados de pós-verdade (desinformação). Manipulação social gerida ao nível micro, do individuo, devido à personalização da educação, trabalho, saúde, marketing, etc. A esperança média de vida estará nos 120 anos e a segurança alimentar estará garantida no mundo desenvolvido.

Quem queira ter acesso ao bem-estar terá de fornecer os seus dados e as suas experiências quotidianas. Dar-se-á uma crescente centralização do poder político, devido à competição entre regimes de vigilância e controlo. Bio-vigilância em tempo real, check-ups de saúde regulares e invasivos, no trabalho e em casa.

O Estado adquirirá uma morfologia capilar e substituir-se-á ao sector privado em todas as áreas. O nacionalismo e a não-dependência do estrangeiro justificarão as novas formas de intrusão da vida em sociedade. O rendimento universal será garantido a toda a população.

Perfil massivo bio-digital das populações permitirá controlar e prever os comportamentos, incluindo novos surtos epidemiológicos. Existirá a possibilidade de criar armas biológicas que permitirão incursões em novos territórios, não despertando senão inação, silêncio e complacência dos outros estados. Dar-se-á a convergência para uma cultura mundial, num mundo divido em quatro ou cinco blocos militares regionais.

De acordo com os peritos, este cenário é plausível, mas pouco provável. A disrupção ocorrerá. Contudo, pelo sim, pelo não…  

NewsItem [
pubDate=2020-07-07 12:24:11.0
, url=https://www.sabado.pt/opiniao/convidados/paulo-batista-ramos/detalhe/licoes-do-futuro
, host=www.sabado.pt
, wordCount=1142
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2020_07_07_1220318625_licoes-do-futuro
, topics=[paulo batista ramos, opinião]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]