expresso.ptexpresso.pt - 5 jun. 15:14

Dívida em atraso do SNS aos fornecedores está em níveis historicamente baixos (mas a covid-19 pode baralhar as contas)

Dívida em atraso do SNS aos fornecedores está em níveis historicamente baixos (mas a covid-19 pode baralhar as contas)

Em março, os hospitais públicos reduziram de forma significativa os pagamentos das faturas em atraso e, em maio, foi aprovada uma nova injeção financeira de 166 milhões de euros. Empresas de medicamentos e de dispositivos médicos confirmam o esforço do Estado, mas sinalizam que a grande incógnita está no segundo semestre do ano, altura em que os efeitos da pandemia começarão a ser sentidos

Este ano tinha tudo para ser um marco histórico no que respeita à contração da dívida do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos fornecedores. Mas, entretanto, chegou a pandemia que veio baralhar as contas do Estado e que pode comprometer os planos para resolver uma situação de incumprimento crónico que se arrasta há largos anos, por culpa da suborçamentação dos hospitais do SNS. De uma situação confortável com excedente orçamental, as contas públicas estão agora a braços com uma ‘sangria’ de milhares de milhões de euros para conter os efeitos da covid-19.

No final de 2019, o valor das faturas a fornecedores externos por liquidar pelo Estado contraiu de forma muito significativa – graças a uma típica injeção financeira feita no final do ano – e, em março de 2020, foi houve um novo esforço para reduzir os pagamentos em atraso (são os arrears e dizem respeito a faturas que ultrapassaram os 90 dias do prazo). De 380,6 milhões de euros em fevereiro, os arrears passaram para 169,3 milhões de euros em março.

Os valores por saldar junto da indústria farmacêutica e das empresas de dispositivos médicos estão historicamente baixos, faz notar o Ministério da Saúde, mas em abril, a dívida vencida – que inclui os pagamentos em atraso –, subiu 22,1 milhões de euros face a março. Já em relação ao ano passado o valor das faturas que já passaram o prazo de pagamento é bastante menor.

“No final de Abril, a dívida vencida totalizava os 729,1 milhões de euros, o que traduz um decréscimo de 31,5% em relação ao período homólogo do ano passado. O valor dos pagamentos em atraso situava-se nos 218,3 milhões de euros, o que traduz uma diminuição de 63% relativamente ao mesmo mês de 2019”, salienta fonte oficial do Ministério da Saúde. Isto significa, sustenta o Governo, que “quer o valor da dívida vencida quer o dos pagamentos em atraso representam os valores mais baixos desde que existem dados consolidados sobre estes indicadores”.

A intenção, reafirma o Executivo, é colocar as faturas em dívida há mais tempo em níveis muito baixos. E a prova disso, aponta o Ministério da Saúde, é o recente despacho do Secretário de Estado do Orçamento, João Leão, datado de maio, que determinou que “as entidades do SNS procederiam ao pagamento adicional de 166,4 milhões de euros, que acresceu aos pagamentos regulares mensais, para desta forma, procurar atingir um valor muito reduzido de pagamentos em atraso”.

Dados das empresas e do Governo diferem

De acordo com os dados da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) e da Associação Portuguesa das Empresas de Dispositivos Médicos (Apormed) a dívida vencida junto dos seus associados ascendia a 530,2 milhões de euros em abril, mais 40,8 milhões de euros face ao mês anterior. Deste total, a maior fatia cabe aos laboratórios, que aguardam o pagamento de faturas em atraso no valor de 430,3 milhões, mais 40,6 milhões de euros do que em março. Do lado dos dispositivos médicos, estão 99,9 milhões por saldar, mais 200 mil euros em termos mensais. Um ano antes, a dívida vencida estava em valores significativamente mais elevados.

Note-se que os números contabilizados pelos fabricantes de medicamentos e de dispositivos médicos raramente coincidem com os dados do Ministério da Saúde que têm origem na informação reportada pelas entidades do SNS à ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde. Os valores apurados pelo Estado são, em regra, mais elevados, mas há que notar que nem a Apifarma, nem a Apormed representam a totalidade das empresas dos respetivos sectores.

Já sobre o prazo médio de pagamento, o Ministério da Saúde refere ao Expresso que, no primeiro trimestre de 2020, foi de 108 dias, “observando-se uma diminuição de 13 dias face ao período homólogo, justificado pela diminuição do prazo médio de pagamento das EPE, que contraiu 41 dias, fixando-se em 187 dias”.

O melhor desempenho a este nível pertence ao Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, com um prazo médio de 20 dias, contra o Centro Hospitalar de Lisboa Central, onde este indicador está nos 286 dias. Porém, faz notar a mesma fonte oficial, “a disparidade de valores poderá ser influenciada pelo reconhecimento de faturas com datas de vencimento já ultrapassadas”.

Até à publicação deste artigo, o Ministério da Saúde não indicou qual foi o valor total em dívida aos fornecedores externos em abril (inclui as faturas dentro do prazo) – em março eram 1425 milhões de euros. Presume-se que, nomeadamente, com o reforço das aquisições de fármacos para combater a covid-19 e com os gastos adicionais em equipamentos de proteção individual a despesa venha a disparar. Há, porém, que ter em conta que como a atividade normal do SNS ficou suspensa durante o pico da pandemia, determinados custos deixaram de se verificar, como aconteceu com próteses ou lentes intraoculares.

Evolução dos pagamentos em atraso depois de junho é a incógnita

Os efeitos da covid-19 só deverão ser verdadeiramente notados a partir de junho, consideram os fornecedores do Estado. “Os meses de março, abril e maio foram muito positivos em temos de pagamentos, sendo expectável que esta boa performance se mantenha durante o primeiro semestre. A incógnita é saber se no segundo semestre os hospitais conseguirão manter esta tendência positiva”, diz ao Expresso João Gonçalves, secretário-geral da Apormed.

O responsável lembra que “no mês de março os hospitais já puderem pagar ao abrigo do Orçamento do Estado (OE) para 2020, situação que não sucedeu nos meses de janeiro e de fevereiro uma vez que o OE não tinha sido ainda promulgado pelo Presidente da República”. Além disso, João Gonçalves avança que “a Apormed reuniu recentemente com a ACSS, tendo sido informada que a performance verificada no mês de março [pagamento de dívidas em atraso] iria ter continuidade, pelo menos até ao mês de junho”. O dilema é o que acontecerá a seguir.

Fonte oficial da Apifarma também sinaliza a incerteza trazida pela pandemia. “Até ao surgimento deste contexto extraordinário a economia portuguesa caminhava para a normalização há muito aguardada, apresentando um superavit orçamental nas contas públicas”, refere a organização que representa os fabricantes de medicamentos. A Apifarma frisa que “uma orçamentação e uma dotação orçamental adequadas são basilares para o equilíbrio das contas da saúde, condição fundamental para a sustentabilidade do sistema de saúde e do SNS, para o acesso aos melhores cuidados de saúde pelos cidadãos, mas também para promover uma gestão mais eficiente e um melhor planeamento e previsibilidade nas instituições do SNS”.

E sublinha que o acesso à saúde pressupõe que se dê prioridade à recuperação económica e do quotidiano dos cidadãos e que a retoma “é uma oportunidade para redirecionar o nosso futuro coletivo e reequacionar que investimentos queremos para o país”. Objetivo no qual o sector da saúde tem um papel fundamental no contexto de pós-pandemia, considera a organização, na medida em que é uma das atividades que proporciona “empregos de qualidade e altamente qualificados, contribui para a economia do país e permite manter e equilibrar o bem-estar social de Portugal”.

Vendas em queda nos dispositivos médicos

Entretanto, a pandemia fez ‘estragos’ nas vendas do sector dos dispositivos médicos. Nos primeiros meses do ano, “para a generalidade dos nossos associados, a evolução das vendas refletiu uma quebra abrupta em virtude da paragem da atividade hospitalar para situações não covid-19”, refere João Gonçalves. A maioria da empresas associadas da Apormed são os principais fornecedores de dispositivos médicos em geral, “mas também de dispositivos implantáveis, tais como, próteses ortopédicas, lentes intraoculares, stents coronários, pacemakers. Ora, sem atividade cirúrgica regular estes dispositivos não foram utilizados”, explica.

Com a retoma da atividade hospitalar, “nota-se já algum incremento, porém, ainda muito incipiente”. Já as empresas cuja oferta se centra nos produtos mais requisitados para a covid-19, como os equipamentos de proteção individual, “a evolução das vendas foi acima da média, contudo, estamos a falar de uma franja no universo dos nossos associados”.

O secretário-geral da Apormed antecipa que 2020 “será certamente um ano negativo pois as vendas ficarão muito aquém do que tinha sido perspetivado”. Isto porque “a retoma hospitalar tem sido gradual”, já que “os utentes continuam com receio de voltar às consultas, exames e cirurgias, os atos médicos são mais demorados tendo em conta as restrições da Direção-Geral da Saúde e o acesso condicionado aos hospitais por parte dos profissionais do sector dos dispositivos médicos”.

Por sua vez, a Apifarma esclarece que depois de um pico de vendas no primeiro trimestre (em particular em março), fruto da pandemia – houve uma corrida aos medicamentos por parte dos doentes que recearam ficar sem acesso a tratamentos e, por outro lado, os hospitais reforçaram o aprovisionamento de determinados fármacos para o tratamento da infeção por SARS-CoV-2 –, agora, “os dados preliminares disponíveis apontam para uma normalização da evolução do mercado pré-covid-19.

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