eco.sapo.ptPaulo Valério - 5 jun. 09:52

Um SNS para as empresas

Um SNS para as empresas

Quando uma empresa está insolvente, há os que acham que ela deve morrer longe. E há os que preferem fazer tudo para a recuperar.

Todos os dias nos chegam previsões negras sobre o impacto económico da pandemia. Mesmo que pontuadas por sinais que concedam otimismo ou mera esperança – com a bazuca de Bruxelas à cabeça -, ninguém parece duvidar que a crise será severa para as empresas e trágica para muitas famílias. Insolvência é a palavra que ninguém quer pronunciar, mas que ecoa, todos os dias, no chão de fábrica, no café da esquina, à mesa do jantar lá de casa. Mas, o que é a insolvência, afinal?

Os livros de direito dizem que a insolvência é a impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, coisa que dirá pouco à maioria dos leitores. Mas, simplificando, podemos dizer que a insolvência se verifica quando as empresas deixam de conseguir pagar pontualmente aos seus fornecedores, aos bancos, aos trabalhadores ou mesmo ao Estado.

Há, portanto, os que acham que a insolvência é uma erva daninha que se deve cortar cerce, apontando a todas as empresas em incumprimento o caminho para a liquidação. Para esses, a insolvência é a natureza do mercado a suspirar pelos fortes e a livrar-se dos fracos. Esses darwinistas económicos ignoram (fingem ignorar) que uma empresa que fecha nunca é só uma empresa que fecha. Com o encerramento, começa por vir a desvalorização dos bens da empresa, vendidos a preço de saldo em vendas forçadas. Mas, logo a seguir, chega a pressão sobre o sistema previdencial; a sobrecarga dos tribunais; a quebra de receita fiscal; o desemprego e, com ele, a fome.

E há depois os outros que, como eu, acreditam que a insolvência é apenas um sintoma, originado por uma doença que pode ser mais grave ou menos grave. Para esses, o Estado tem a obrigação de fazer um diagnóstico correto e prescrever a terapêutica mais adequada: por um lado, deixar morrer com dignidade as empresas cuja liquidação é inevitável – isso faz-se com celeridade processual e maximização do valor dos ativos; mas, por outro, criar condições para a recuperação de todas as empresas viáveis, ainda que isso signifique a (justa) repartição das perdas por todos os envolvidos – acionistas à cabeça, credores, claro e o próprio Estado, quando tiver mesmo que ser.

Numa economia de mercado como a nossa, isto faz-se através do regime jurídico da insolvência, que dita as regras sobre a liquidação e determina o “se”, “quando” e “como” da recuperação. Mas eu não creio que o nosso regime esteja, neste momento, preparado para dar a resposta mais adequada.

Ao dia de hoje, uma empresa que tenha sida afetada diretamente pela crise e que esteja em incumprimento com os seus credores, não preenche os requisitos para requerer uma recuperação judicial e está sujeita a ser declarada insolvente, certamente liquidada, por mera iniciativa de um dos seus credores.

Se o não for, com grande probabilidade, arrastar-se-á no mercado por mais uns meses, embalada por moratórias e outros deferimentos, até rebentar com estrondo lá mais para o final do ano, deixando um rasto de destruição pelo caminho.

Por isso, não é possível esperar mais tempo para fazer aquilo que os principais Estados com quem mantemos relações comerciais já fizeram há quase três meses – estabelecer um regime excecional, que permita evitar uma avalanche de insolvências impossível de gerir pelos tribunais e abrir uma oportunidade de recuperação para todas as empresas recuperáveis, ainda que insolventes. Criar, desta forma, uma espécie de SNS para as empresas. E não, não esperar que seja o mercado a resolver o problema. Quando o próprio mercado anda de mão estendida nas saias do Estado, duvidar da sua virtude é, no mínimo, prudente.

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